Maior parte dos casos de apendicite não precisa de cirurgia, apenas antibióticos, indica estudo
Terapia com antibiótico tem sido proposta há um bom tempo como uma alternativa à tradicional cirurgia (apendicectomia) para o tratamento de apendicite. Agora, em um estudo clínico de grande porte randomizado, publicado no periódico The New England Journal of Medicine (1), pesquisadores mostraram que no grupo de pacientes sob tratamento com antibiótico, apenas próximo de 3 a cada 10 precisaram de cirurgia ao longo de um período de acompanhamento de 90 dias.
A apendicectomia tem sido há muito tempo o tratamento padrão para a apendicite (inflamação do apêndice) (!), mesmo com a existência da terapia com antibiótico tendo sido reportada efetiva há mais de 60 anos. Apesar de existir vários estudos clínicos randomizados publicados sobre o uso de antibióticos para tratar apendicite em adultos, exclusão de importantes subgrupos (em particular, pacientes com um apendicolite, que podem estar com um maior risco para complicações), pequenos tamanhos amostrais, e questões sobre aplicabilidade para a população em geral tem limitado o uso dessa via terapêutica. Em específico, a apendicolite é uma conglomeração de fezes firmes com alguns depósitos minerais que pode obstruir o lúmen do apêndice, causando apendicite, e é encontrada em aproximadamente 10% dos pacientes com inflamação no apêndice.
Em 2014, mais de 95% dos pacientes Norte-Americanos com apendicite foram submetidos a uma apendicectomia. No entanto, com a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e sua doença associada (COVID-19), os sistemas de saúde e sociedades de profissionais como a Faculdade Americana de Cirurgiões têm sugerido a reconsideração de vários aspetos no cuidado de pacientes, incluindo o papel dos antibióticos no tratamento da apendicite.
Nesse sentido, no novo estudo, pesquisadores conduziram o teste clínico randomizado CODA (Comparison of Outcomes of Antibiotic Drugs and Appendectomy) para comparar a terapia via antibióticos com a apendicectomia, incluindo aqueles com apendicolite. No total, foram recrutados 1552 adultos para a randomização: 776 receberam antibióticos (dos quais 47% não estavam hospitalizados para o tratamento) e 776 passaram pela apendicectomia (dos quais 96% foram submetidos a um procedimento laparoscópico). Os antibióticos foram administrados via uma formulação intravenosa por pelo menos 24 horas, seguido pela administração de pílulas por um curso de 10 dias.
Os resultados mostraram que o tratamento com antibióticos não foi inferior à apendicectomia com base de referência no status de saúde durante um período de 30 dias. Após uma semana, a resolução dos sintomas da apendicite foi similar nos dois grupos. Ao final de 90 dias, 29% dos participantes no grupo recebendo antibióticos (menos de 3 a cada 10 pacientes) tiveram que se submeter à apendicectomia, incluindo 41% daqueles com apendicolite - que também apresentaram mais complicações - e 25% daqueles sem um apendicolite.
Quase metade daqueles no grupo de antibióticos foram liberados do departamento de emergência e evitaram hospitalização para o tratamento inicial, mas, no geral, o tempo gasto no hospital foi similar entre os dois grupos.
O estudo possui limitações, principalmente por incluir dados referentes a um acompanhamento de 90 dias, ou seja, complicações ou recorrências do problema a longo prazo são incertas. Além disso, aproximadamente 30% dos pacientes elegíveis não concordaram em ser submetidos à randomização, o que pode ter introduzido alguma extensão de bias (viés). Porém, o estudo comprova que a via terapêutica com antibióticos precisa ser mais seriamente considerada para o tratamento da apendicite, evitando um procedimento cirúrgico que, além de mais invasivo, custoso e mais complexo, retira um órgão que, diferente do que muitos pensam, possui importantes funções para o sistema gastrointestinal (!).
(!) Leitura complementar: O apêndice intestinal é realmente um vestígio evolucionário inútil?
(1) Publicação do estudo: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2014320