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Essas lesmas realizam fotossíntese, modificando cloroplastos sequestrados

- Atualizado no dia 9 de novembro de 2023 -

Comumente descritas como "folhas rastejantes", lesmas-do-mar da superordem Sacoglossan são capazes de manter cloroplastos funcionais extraídos de algas dentro das suas células por semanas a meses. Em outras palavras, são animais fotossintetizantes, de forma similar a plantas, e os mecanismos que permitem a preservação dessas organelas fora da célula original são ainda pouco entendidos. Um estudo publicado em 2020 no periódico eLife (Ref.1) jogou importante luz sobre a relação desses animais com os cloroplastos, revelando mecanismos foto-protetores que podem explicar a longa persistência dos cloroplastos mesmo longe do núcleo celular das algas.


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Organismos mixotróficos são capazes de obter carbono orgânico via metabolismo tanto heterotrófico quanto fototrófico, e incluem várias espécies de lesmas marinhas sacoglossanas que usam seus dentes radulares para penetrar a parede celular de filamentos de algas, sugar e digerir o conteúdo celular, e, ao mesmo tempo, incorporar cloroplastos funcionais em células tubulares da divertícula digestiva através de um processo conhecido como cleptoplastia. Os cloroplastos adquiridos dessa maneira - chamados de cleptoplastos - não são capazes de se dividirem, mas podem permanecer funcionais por períodos que variam de dias até meses, e sendo reportado preservação de até 1 ano.


Desde a descoberta desses moluscos fotossintetizantes, a presença de cloroplastos funcionais têm sido reportada em outras espécies de organismos, como ciliados, foraminíferos, dinoflagelados e, mais recentemente, nos vermes Baicalellia solaris e Pogaina paranygulgus. Todos esses invertebrados evoluíram de forma convergente e independente a habilidade de temporariamente sequestrar e manter cloroplastos funcionais a partir de algas. No entanto, as lesmas marinhas sacoglossanas permanecem os únicos metazoanos (Reino Animal) conhecidos nos quais os cleptoplastos permanecem funcionais por vários meses. Essa manutenção dos cleptoplastos a longo prazo é um mistério que assombra os cientistas, considerando que o núcleo celular das algas é digerido e a maior parte do maquinário genético responsável pela regulação do cloroplasto têm sido transferido para o núcleo ao longo da evolução da endossimbiose. O genoma intrínseco do cloroplasto codifica apenas uma pequena fração das proteínas consideradas necessárias para a fotossíntese. E, mais importante, nenhum gene potencialmente transferido horizontalmente entre algas e lesmas marinhas tem sido encontrado.


Além desse mistério, ainda é controverso no meio acadêmico a importância da cleptoplastia para a nutrição e o metabolismo das lesmas marinhas sacoglossanas. Evidências até o momento acumuladas fortemente indicam a incorporação no corpo desses moluscos de carbono e nitrogênio fotossinteticamente fixados na forma de metabólitos de baixa massa molecular, como glicose, galactose e aminoácidos. 


Na ausência de suprimento externo de algas, a lesma marinha Elysia chlorotica, por exemplo, mantém a evolução de oxigênio molecular (O2) fotossintético por vários meses (Ref.3). Já foi demonstrado que a lesma Elysia viridis incorpora substanciais quantidades de carbono e de nitrogênio fixados pelos cleptoplastos na presença de luz, incluindo em tecidos e órgãos envolvidos em funções reprodutivas (glândula de albumina e folículos gonadais). E a retenção de cloroplastos funcionais nas células da espécie E. viridis permite que essa lesma marinha resista por mais tempo durante períodos de escassez de alimento (Ref.5). Esses achados fortemente sugerem que a fotossíntese nessas lesmas atua de forma importante na sobrevivência e na adaptação, especialmente em condições de escassez alimentar (!).


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> Lembrando que o cloroplasto não apenas fotossintetiza glicose, mas também outros compostos como ácidos graxos, aminoácidos e agrupamentos de ferro-enxofre. Para mais informações sobre a fotossíntese e os cloroplastos, acesse: Como funciona a fotossíntese e o que é a clorofila f?


> O tempo de permanência de cleptoplastos fotossinteticamente ativos varia dramaticamente entre os diferentes membros do clado Sacoglossa, desde alguns dias em espécies como a Elysia cornigera até mais de 11 meses na espécie Plakobranchus ocellatus. Além disso, o tempo de retenção dos cleptoplastos adquiridos da mesma espécie de alga "doadora" podem também variar substancialmente entre as diferentes espécies de lesmas. Por exemplo, a Elysia crispata retêm cleptoplastos por vários meses de múltiplos doadores, incluindo algas da espécie Penicillus capitatus; por outro lado, a espécie Elysia patina até consegue reter cloroplatos de P. capitatus, mas essas essas organelas são totalmente degradadas dentro de duas semanas. Isso reforça as evidências de que existem fatores endógenos e intrínsecos às lesmas marinhas que contribuem para a estabilidade dos cloroplastos sequestrados.

> Os cleptoplastos também não são capazes de se dividir.


(!) É inclusive sugerido que a notável capacidade de sobrevivência e de regeneração da cabeça da lesma marinha Elysia marginata, após decepação, é devido aos recursos energéticos e nutricionais fornecidos pelos cleptoplastos. Entenda: Essas lesmas marinhas decepam a própria cabeça e crescem novos corpos dentro de 20 dias

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ESTUDO DE 2020


Um dos principais problemas que os cleptoplastos enfrentam são os danos induzidos pela luz nos fotossistemas I e II durante os processos de absorção e transferência de energia luminosa, em particular durante mecanismos específicos de foto-inibição e danos não-específicos causados por espécies oxigenadas reativas. Esses danos são esperados de deteriorar a curto prazo cloroplastos isolados, desprovidos de mecanismos fotoprotetores encontrados nas células de origem.


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Nesse sentido, duas pesquisadores da Universidade de Turku, Finlândia, resolveram investigar possíveis mecanismos foto-protetores alternativos permitindo o estabelecimento da parceria de longo prazo entre lesmas-do-mar e cloroplastos. Para isso, elas analisaram culturas laboratoriais englobando mais de 500 indivíduos da  lesma-do-mar Elysia timida, a qual se alimenta e sequestra cloroplastos da alga Acetabularia acetabulum. Usando métodos analíticos como fluorescência de clorofila, as pesquisadoras basicamente encontraram que os cloroplastos quando são incorporados nas células desses moluscos acabam sofrendo mudanças que reduzem os danos foto-induzidos.



Foram identificados três mecanismos de foto-proteção nos cloroplastos modificados. Primeiro, quando expostos à luz, os cleptoplastos mudam para um mecanismo que eficientemente converte energia luminosa em calor, envolvendo um acentuado acúmulo de prótons no lúmen tilacoide. Segundo, os cloroplastos mantêm um uma cadeia fotossintética de transferência de elétrons em um estado neutro, oxidado, prevenindo o movimento excessivo de elétrons e a formação de espécies oxigenadas reativas no Fotossistema II. Por fim, as análises sugeriram que os cleptoplastos dependem de proteínas flavodironas como aceptores seguros do excesso de elétrons durante rápidas mudanças na intensidade de luz. 


ATUALIZAÇÕES

  • Análise filogenética de >200 espécies/populações de sacoglossanos identificou 19 espécies/populações desses moluscos com retenção funcional de cloroplastos sequestrados; cinco desse total exibia retenção de longo prazo (2 semanas ou mais). Reconstrução de traços ancestrais confirmaram múltiplas origens para retenções de longo e de curto prazo, e pelo menos uma possível origem independente para retenção de longo prazo. Ref.6
  • Um estudo publicado em 2022 no periódico Coral Reefs (Ref.7), analisando a lesma marinha da espécie Plakobranchus ocellatus, encontrou um potencial novo mecanismo de proteção dos cleptoplastos: parápodes fechados fornecendo um escudo contra excesso de exposição à luz solar, compensando a inabilidade de fotoaclimatização dos cleptoplastos. Isso permite a P. ocellatus se alimentar de algas em áreas arenosas de alta luminosidade e não toleradas por outros sacoglossanos. Parápodes são apêndices que emergem nas laterais do corpo de um número de invertebrados.
  • Um estudo ainda publicado como preprint, analisando a lesma marinha da espécie Elysia crispata, encontrou evidências genéticas reforçando evidências e sugestões prévias de que várias proteínas produzidas por esses animais ajudam a estabilizar e conservar os cleptoplastos, através de múltiplos mecanismos envolvendo regulação imune, proteção contra espécies oxigenadas reativas e radiação ultravioleta (UV), entre outros. Ref.8


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> Além de ajudar a esclarecer a fascinante biologia das lesmas-do-mar fotossintetizantes, explorar a peculiar e íntima relação entre cloroplastos e certos animais invertebrados pode contribuir para um melhor entendimento dos eventos primordiais endossimbióticos que levaram à evolução da vida eucariótica há cerca de 1,6 bilhão de anos (tanto os cloroplastos quanto as mitocôndrias evoluíram de bactérias ancestrais englobadas por outras células) (2).


(2) Sugestão de leitura: A mitocôndria é um presente exclusivo da mãe?

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REFERÊNCIAS

  1. Havurinne & Tyystjärvi (2020). Photosynthetic sea slugs induce protective changes to the light reactions of the chloroplasts they steal from algae. eLife 9:e57389. https://doi.org/10.7554/eLife.57389 
  2. https://academic.oup.com/jxb/article/64/13/3999/436339
  3. https://www.nature.com/articles/s41598-017-08002-0/
  4. https://www.nature.com/articles/s41598-020-66909-7
  5. Rey et al. (2020). Coping with Starvation: Contrasting Lipidomic Dynamics in the Cells of Two Sacoglossan Sea Slugs Incorporating Stolen Plastids from the Same Macroalga, Integrative and Comparative Biology, Volume 60, Issue 1, Pages 43–56. https://doi.org/10.1093/icb/icaa019
  6. Yusa et al. (2021). Phylogeny and evolution of functional chloroplast retention in sacoglossan sea slugs (Gastropoda: Heterobranchia). Organisms Diversity & Evolution 22, 419-429. https://doi.org/10.1007/s13127-021-00532-w 
  7. Donà et al. (2022). The role of parapodia and lack of photoacclimation in kleptoplasts of the sacoglossan sea slug Plakobranchus ocellatus. Coral Reefs 41, 319-332. https://doi.org/10.1007/s00338-022-02224-z
  8. Eastman et al. (2023). A reference genome for the long-term kleptoplast-retaining sea slug Elysia crispata morphotype clarki. [bioRxiv, preprint]. https://doi.org/10.1101/2023.07.07.548153

Essas lesmas realizam fotossíntese, modificando cloroplastos sequestrados Essas lesmas realizam fotossíntese, modificando cloroplastos sequestrados Reviewed by Saber Atualizado on outubro 24, 2020 Rating: 5

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