Essas lesmas realizam fotossíntese como as plantas, modificando cloroplastos sequestrados
Comumente descritas como "folhas rastejantes", lesmas-do-mar do clado Sacoglossan são capazes de manter cloroplastos funcionais extraídos de algas dentro das suas células por semanas a meses. Em outras palavras, são animais fotossintetizantes, de forma similar a plantas, e os mecanismos que permitem a preservação dessas organelas fora da célula original são ainda pouco entendidos. Agora, em um estudo publicado no periódico eLife (Ref.1), cientistas jogaram mais luz sobre a relação desses animais com os cloroplastos, revelando mecanismos foto-protetores que podem explicar a longa persistência dos cloroplastos mesmo longe do núcleo celular das algas.
Organismos mixotróficos são capazes de obter carbono orgânico via metabolismo tanto heterotrófico quanto fototrófico, e incluem várias espécies de lesmas marinhas sacoglossanas que usam seus dentes radulares para penetrar a parede celular de filamentos de algas, sugar e digerir o conteúdo celular, e, ao mesmo tempo, incorporar cloroplastos funcionais em células tubulares da divertícula digestiva através de um processo conhecido como cleptoplastia. Os cloroplastos adquiridos dessa maneira - chamados de cleptoplastos - não são capazes de se dividirem, mas podem permanecer funcionais por períodos que variam de dias até meses, e sendo reportado preservação de até 1 ano.
Desde a descoberta desses moluscos fotossintetizantes, a presença de cloroplastos funcionais têm sido reportada em outras espécies de organismos, como ciliados, foraminíferos, dinoflagelados e, mais recentemente, nos vermes Baicalellia solaris e Pogaina paranygulgus. No entanto, as lesmas marinhas sacoglossanas permanecem os únicos metazoanos (Reino Animal) conhecidos nos quais os cleptoplastos permanecem funcionais por vários meses. Essa manutenção dos cleptoplastos a longo prazo é um mistério que assombra os cientistas, considerando que o núcleo celular das algas é digerido e a maior parte do maquinário genético responsável pela regulação do cloroplasto têm sido transferido para o núcleo ao longo da evolução da endossimbiose. O genoma intrínseco do cloroplasto codifica apenas uma pequena fração das proteínas consideradas necessárias para a fotossíntese.
Além desse mistério, ainda é controverso no meio acadêmico a importância da cleptoplastia para a nutrição e o metabolismo das lesmas marinhas sacoglossanas. Evidências até o momento acumuladas indicam a incorporação no corpo desses moluscos de carbono fotossinteticamente fixados na forma de metabólitos de baixa massa molecular, como glicose, galactose e aminoácidos. Na ausência de suprimento externo de algas, a lesma marinha Elysia chlorotica, por exemplo, mantém a evolução de oxigênio molecular (O2) fotossintético por vários meses (Ref.3). Um estudo publicado este ano na Scientific Reports (Ref.4) demonstrou que a lesma Elysia viridis incorpora substanciais quantidades de carbono e de nitrogênio fixados pelos cleptoplastos na presença de luz, incluindo em tecidos e órgãos envolvidos em funções reprodutivas (glândula de albumina e folículos gonadais). Esses achados fortemente sugerem que a fotossíntese nessas lesmas atua de forma importante na sobrevivência e na adaptação, especialmente em condições de escassez alimentar.
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> Lembrando que o cloroplasto não apenas fotossintetiza glicose, mas também outros compostos como ácidos graxos, aminoácidos e agrupamentos de ferro-enxofre. Para mais informações sobre a fotossíntese e os cloroplastos, acesse: Como funciona a fotossíntese e o que é a clorofila f?
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NOVO ESTUDO
Um dos principais problemas que os cleptoplastos enfrentam são os danos induzidos pela luz nos fotossistemas I e II durante os processos de absorção e transferência de energia luminosa, em particular durante mecanismos específicos de foto-inibição e danos não-específicos causados por espécies oxigenadas reativas. Esses danos são esperados de deteriorar a curto prazo cloroplastos isolados, desprovidos de mecanismos fotoprotetores encontrados nas células de origem.
Nesse sentido, duas pesquisadores da Universidade de Turku, Finlândia, resolveram investigar possíveis mecanismos foto-protetores alternativos permitindo o estabelecimento da parceria de longo prazo entre lesmas-do-mar e cloroplastos. Para isso, elas analisaram culturas laboratoriais englobando mais de 500 indivíduos da lesma-do-mar Elysia timida, a qual se alimenta e sequestra cloroplastos da alga Acetabularia acetabulum. Usando métodos analíticos como fluorescência de clorofila, as pesquisadoras basicamente encontraram que os cloroplastos quando são incorporados nas células desses moluscos acabam sofrendo mudanças que reduzem os danos foto-induzidos.
Foram identificados três mecanismos de foto-proteção nos cloroplastos modificados. Primeiro, quando expostos à luz, os cleptoplastos mudam para um mecanismo que eficientemente converte energia luminosa em calor, envolvendo um acentuado acúmulo de prótons no lúmen tilacoide. Segundo, os cloroplastos mantêm um uma cadeia fotossintética de transferência de elétrons em um estado neutro, oxidado, prevenindo o movimento excessivo de elétrons e a formação de espécies oxigenadas reativas no Fotossistema II. Por fim, as análises sugeriram que os cleptoplastos dependem de proteínas flavodironas como aceptores seguros do excesso de elétrons durante rápidas mudanças na intensidade de luz.
O novo estudo, além de ajudar a esclarecer a fascinante biologia das lesmas-do-mar fotossintetizantes, também pode contribuir para um melhor entendimento dos eventos primordiais endossimbióticos que levaram à evolução da vida eucariótica (tanto os cloroplastos quanto as mitocôndrias evoluíram de bactérias ancestrais englobadas por outras células) (2).
(2) Sugestão de leitura: A mitocôndria não é um presente exclusivo da mãe
REFERÊNCIAS
- https://elifesciences.org/articles/57389
- https://academic.oup.com/jxb/article/64/13/3999/436339
- https://www.nature.com/articles/s41598-017-08002-0/
- https://www.nature.com/articles/s41598-020-66909-7
