Decifrado o genoma do mais estranho réptil vivo do planeta
- Atualizado no dia 6 de dezembro de 2023 -
Um time internacional de pesquisadores - incluindo colaboradores da Universidade de Otago e do Instituto Europeu de Bioinformática (EMBL-EBI) - finalmente conseguiu sequenciar o genoma da tuatara (Sphenodon punctatus), um raro réptil endêmico da Nova Zelândia. O sequenciamento genômico foi publicado esta semana na Nature (Ref.1) e teve colaboração também da tribo Mãori Ngãtiwai durante os trabalhos de campo e na exploração de melhores estratégias de preservação da espécie. O trabalho também trouxe dados mais do que curiosos sobre esse antigo réptil e sua relação filogenética com outros grupos de vertebrados.
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Predominante de hábitos noturnos, as tuataras podem viver por mais de 100 anos (média de 60 anos), alcançar um comprimento de até 50 cm quando adultas e uma massa de até 1,5 kg. A tuatara é o único membro vivo da arcaica ordem reptiliana Rhynchocephalia (Sphenodontia), cujo último ancestral comum com outros répteis data entre 250 e 259 milhões de anos atrás. Nesse sentido, essa espécie representa um uma importante ligação evolutiva com outros répteis muito antigos que eventualmente deram origem aos dinossauros, répteis modernos, aves e mamíferos, e a evolução em geral dos amniotas (vertebrados terrestres que incluem os répteis, aves e mamíferos).
No início do Mesozoico (há cerca de 250-240 milhões de anos) os representantes da ordem Rhynchocephalia eram comuns e globalmente distribuídos por grande parte desse período. O alcance geográfico desses répteis progressivamente contraiu após o Jurássico Inferior, há cerca de 200-175 milhões de anos, e o mais recente registro fóssil fora da Nova Zelândia é da Argentina no Cretáceo Superior, há cerca de 70 milhões de anos. O último bastião dessa ordem de répteis persistiu em 32 ilhas da costa da Nova Zelândia, onde vive uma população total em torno de 100 mil indivíduos de tuatara. Devido à contínua perda de habitat, predação, aquecimento global, introdução de invasores exóticos (especialmente ratos) e outros fatores, a espécie está em condição vulnerável de conservação.
A tuatara também é uma espécie de importância para outros contextos. Primeiro, para os Mãori - nativos da Nova Zelândia -, esse réptil é um taonga ('tesouro especial') e guardião de lugares especiais. Segundo, a tuatara expressa uma variedade de inovações morfológicas e fisiológicas que têm causado grande interesse nos cientistas desde sua primeira descrição. Podemos citar uma combinação única de características que são compartilhadas com lagartos, tartarugas e aves, o que deixou sua posição taxonômica difícil de ser estabelecida por várias décadas. Essa problemática só foi resolvida usando ferramentas moleculares, mas ainda persistindo dúvida sobre a divergência da tuatara da linhagem que forma os escamados modernos (lagartos e cobras), a taxa de evolução dessa espécie e o real número de espécies de tuatara. Por fim, existem aspectos da biologia da tuatara que são únicas ou atípicas entre os répteis. Por exemplo, uma forma única de determinação sexual temperatura-dependente (macho para mais e fêmeas para menos de 22°C) (!), taxas metabólicas basais extremamente baixas e uma surpreendente longevidade considerando suas dimensões corporais.
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(!) Aliás, o atual processo de aquecimento global acelerado representa uma importante ameaça a esses répteis, considerando que mais altas temperaturas nos ninhos produzem preferencialmente mais machos. Por exemplo, na Ilha North Brother, Nova Zelândia, existe uma crescente prevalência de machos, resultando em uma crescente redução da população nos últimos 30 anos e estudos preveem potencial extinção dessa população em um futuro próximo.
> Desde a chegada de humanos na Nova Zelândia, as tuataras sofreram severa restrição de habitat, e agora estão limitadas a aproximadamente 45 ilhas - Takapourewa a maior delas (150 hectares) - e várias populações na ilha principal em eco-santuários, centros de preservação e zoológicos. Ref.2
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Aliás, esses répteis estranhamente gostam de um tempo mais frio, não sobrevivendo bem acima de 25°C, e podendo sobreviver abaixo de 5°C ao se abrigarem em buracos. Possuem uma das mais lentas taxas de crescimento entre os répteis, e podem continuar crescendo até os 35 anos de idade.
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Visando responder essas questões, no novo estudo os pesquisadores sequenciaram o genoma da tuatara em parceria com os Ngãtiwai, a tribo (iwi) Mãori guardiã (kaitiakitanga) das populações de tuatara localizadas nas ilhas ao norte da Nova Zelândia. Segundo os pesquisadores, essa parceria é inédita e pode ajudar substancialmente nos esforços de conservação da espécie, além de respeitar a soberania das comunidades nativas-indígenas da região de pesquisa.
Os resultados das análises mostraram que o genoma da tuatara - assim como o animal em si (fenótipo) - é uma amálgama de características derivadas e ancestrais. A espécie possui 36 cromossomos (2n) em ambos os sexos, consistindo de 14 pares de macro-cromossomos e 4 pares de micro-cromossomos. O tamanho genômico estimado foi de aproximadamente 5 Gb, um dos maiores genomas sequenciados de vertebrados até o momento - nossa espécie (Homo sapiens) possui um genoma com aproximadamente 3,2 Gb. Esse grande tamanho genômico é explicado por uma extraordinária diversividade de elementos repetidos (I), muitos dos quais únicos da tuatara e expressando o maior nível de metilação até o momento reportado (II). Cerca de 64% do genoma da tuatara mostrou-se constituído de sequências repetitivas, compostas de elementos de transposição (31%) e duplicações segmentais (33%).
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Para mais informações sobre o assunto, acesse:
Apesar do número de elementos transponíveis ter se mostrado similar a outros répteis, os tipos de repetições mostraram-se mais similares àquelas de mamíferos do que de répteis. A conservação ordenada local de genes se mostrou alta; 75% ou mais dos genes da tuatara mostraram conservação com aves, tartarugas e crocodilianos. Os pesquisadores encontraram também que componentes do genoma, de 15 Mb em tamanho e maiores, são similares em relação a outros vertebrados: ordem de genes codificantes de proteínas e orientação mantidos entre tuatara, tartaruga, humanos e, especialmente, galinhas.
Os elementos de transposição ("genes saltantes") da tuatara mostraram compartilhar substanciais características em comum com o genoma de mamíferos como a equidna e o ornitorrinco, monotremados também muito próximo relacionados aos répteis. Cerca de 4% desses genes saltantes eram comuns em répteis, cerca de 10% em comum com monotremados e menos do que 1% em comum com mamíferos placentários, como humanos. Essa notável combinação de componentes genéticos tanto de mamíferos quanto de répteis é uma clara indicação de ancestralidade comum entre esses vertebrados mesmo separados por tanto tempo entre si.
Após terem emergido há cerca de 312 milhões de anos, os vertebrados amniotas se diversificaram em dois grupos: os sinapsídeos (os quais incluem todos os mamíferos) e os sauropsídeos (os quais incluem todos os répteis e aves). A análise filogenômica com base no sequenciamento da tuatara reforçou a inclusão dessa espécie junto aos escamados (Lepidosauria) e deu suporte para uma linhagem monofilética do grupo Lepidosauria, marcada pela divergência da tuatara de todos os outros escamados durante a parte inicial do período Triássico, há cerca de 250 milhões de anos, corroborando estimativas prévias. Esse longo período de evolução independente explica o porquê do genoma da tuatara ser tão distinto em relação aos outros vertebrados.
Para se ter uma ideia, os primatas se originaram há "apenas" 65 milhões de anos atrás, e os primatas hominídeos que deram origem eventualmente aos humanos só há 6 milhões de anos (ou seja, nossa linhagem divergiu dos outros primatas hoje existentes há apenas 6 milhões de anos, enquanto a linhagem da tuatara divergiu dos outros escamados há ~250 milhões de anos).
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As análises genômicas também indicaram que existe uma população geneticamente bem distinta na Ilha do do Irmão do Norte, a qual possui 8400 alelos únicos - talvez frutos de um evento de deriva genética (evento fundador) (III) mais recente ou refletindo uma mais profunda divergência na história evolutiva das tuataras. Isso pode dar suporte para uma segunda espécie (S. guntheri) previamente sugerida. Apesar dos pesquisadores ainda considerarem ambas (S. guntheri e S. punctatus) como sinônimas, eles argumentaram que a população da Ilha do Irmão do Norte deveria ser tratada como uma unidade independente por questões de conservação.
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(III) Para mais informações, acesse: O que é a deriva genética?
Entre outros achados, os pesquisadores reportaram uma taxa de evolução bem mais lenta do que antes reportado para a tuatara, e um número de candidatos genéticos que podem explicar temperatura corporal ativa ultra-baixa, grande longevidade e aparente resistência a doença infecciosas. Em específico, os pesquisadores encontraram mais genes ligados à longevidade nesses animais do que em outros vertebrados. O DNA da tuatara também mostrou carregar um alto número de genes envolvidos na visão colorida, o que pode ajudar os filhotes e indivíduos jovens mais ativos durante o dia a escaparem de predadores.
REFERÊNCIAS
- Gemmell et al. (2020). The tuatara genome reveals ancient features of amniote evolution. Nature 584, 403–409. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2561-9
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/jez.2761
- Simões et al. (2022). An exceptionally preserved Sphenodon-like sphenodontian reveals deep time conservation of the tuatara skeleton and ontogeny. Communication Biology 5, 195. https://doi.org/10.1038/s42003-022-03144-y
Referência adicional: Departamento de Conservação da Nova Zelândia
Decifrado o genoma do mais estranho réptil vivo do planeta
Reviewed by Saber Atualizado
on
agosto 07, 2020
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