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Paciente no Brasil pode ter sido curado da infecção pelo HIV



Um paciente de 36 anos de idade no Brasil parece ter eliminado completamente o vírus do HIV - responsável pela síndrome da deficiência humana adquirida (AIDS) - com a ajuda de um novo tratamento medicamentoso. Após receber uma combinação especialmente agressiva de medicamentos anti-virais (ARV) e nicotinamida (vitamina B3), o homem, que pediu para ser referido como 'Paciente São Paulo' visando proteger sua privacidade, parou com qualquer tratamento para o HIV em março de 2019 e até o momento o vírus não retornou no seu sangue.

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A maioria das pessoas que suprimem o vírus com ARVs e mais tarde param o tratamento testemunham uma volta brusca do vírus dentro de semanas. O Paciente São Paulo, além de não ter experienciado após mais de um ano o retorno do vírus, também teve seus níveis de anticorpos específicos do HIV caírem a níveis extremamente baixos, indicando a possibilidade de que ele pode ter clareado todas as células infectadas, incluindo nos nódulos linfáticos e no intestino. 

Segundo Ricardo Diaz, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e investigador clínico do estudo conduzido no paciente em questão, ainda não há certeza que o paciente está realmente curado. "Ele está com muito pouco antígeno," disse Diaz, se referindo às proteínas do HIV que engatilham a produção de anticorpos e outras respostas imunes. O pesquisador também reforçou que seu time de pesquisa não testou amostras diretas dos nódulos linfáticos ou do intestino para o vírus desde que o tratamento foi interrompido.

Os resultados do estudo foram detalhados na 23° Conferência Internacional de AIDS (AIDS 2020), sendo realizada de forma virtual esta semana (1).

Apenas duas outras pessoas são conhecidas de terem sido curadas da infecção pelo HIV no mundo: Timothy Brown e um homem referido como Paciente de Londres. Ambos receberam transplante de medula óssea como parte de um tratamento para câncer. Os transplantes eliminaram a infecção pelo vírus e lhes deu um novo sistema imune resistente ao HIV. Mas além do transplante de medula óssea ser muito caro, complicado e associado a sérios efeitos colaterais - algo que o impossibilita na prática de ser usado nas mais de 38 milhões de pessoas convivendo com a infecção ao redor do mundo -, vários adultos que tiveram o transplante que pareciam curados no começo não estavam.

Outros potenciais casos de cura também têm sido reportados nas últimas décadas, como o famoso bebê de Mississippi, o qual começou o tratamento ARV pouco depois do nascimento, tinha parado o tratamento aos 18 meses de idade e foi pensado curado, para subitamente o vírus reemergir no corpo mais de 2 anos depois.

O grande problema do vírus HIV é que quando o indivíduo é infectado, esse patógeno é difícil de ser eliminado do corpo porque o vírus deixa "impresso" seu material genético nos cromossomos humanos no núcleo celular. Essa característica o torna praticamente invisível para o sistema imune humano. Muitas células carregando o material genético do vírus podem persistir praticamente de forma vitalícia, por terem propriedades similares a células-tronco e, consequentemente, a capacidade de fazerem clones de si mesmas. Nesse sentido, várias estratégias terapêuticas tentam eliminar os reservatórios dessas células infectadas, apesar de nenhuma delas terem se mostrado efetivas até o momento.

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No caso do Paciente São Paulo e mais quatro outros indivíduos, uma estratégia mais agressiva nessa linha foi testada, onde duas ARVs foram adicionadas junto às outras três que eles já estavam tomando. Eles também receberam nicotinamida, a qual pode, baseando-se em evidências prévias, ativar as células a "acordarem" o vírus adormecido nos cromossomos. Assim, quando essas células voltam a expressar as proteínas virais e fazer novas cópias do material genético do vírus - formando novas partículas virais no processo - elas ou se auto-destroem ou ficam vulneráveis ao ataque imune.

Após 48 semanas nesse tratamento mais intensivo, os cinco participantes retornaram para o regime regular medicamentoso (coquetel tradicional) por três anos, parando então todos os tratamentos. Quatro dos pacientes viram o vírus retornarem rapidamente, mas o Paciente São Paulo está há 6 semanas sem sinais de infecção. Testes muito sensitivos não detectaram material genético viral no sangue, mesmo quando este foi misturado com outras células do corpo suscetíveis à infecção pelo HIV.

Curiosamente, durante o período de intensificação do tratamento com nicotinamida, o paciente aparentemente curado foi o único dos cinco pacientes que duas vezes teve o vírus detectado em testes padrões de sangue. Isso indica que as células infectadas latentes podem ter sido efetivamente "acordadas" nesse paciente e talvez não nos outros, implicando que essa estratégia pode ser boa para alguns paciente e não para outros. Não é ainda muito bem esclarecido como a administração terapêutica de nicotinamida age para engatilhar a expressão do HIV, mas suspeita-se que essa substância atue desenovelando a fita de DNA viral das proteínas histonas associadas (primeiro passo para a expressão gênica).

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Além dos testes diretos no tecido intestinal e nos nódulos linfáticos para o vírus no Paciente São Paulo, é preciso ainda responder mais duas importantes questões. A primeira: o paciente realmente parou de tomar os medicamentos ARVs? Ele reportou que sim, mas os médicos irão confirmar isso com exames laboratoriais (existiria algum motivo para mentir sobre isso?). A segunda: quando foi que o paciente primeiro iniciou o tratamento com o coquetel tradicional? Segundo o paciente, ele com certeza não estava contaminado em 2010, foi diagnosticado em outubro de 2012, e dois meses depois do diagnóstico iniciou o tratamento. Responder essa última pergunta é importante porque existem evidências de que o quanto mais cedo é iniciado o tratamento, maiores as chances de controlar o vírus por longos períodos após interromper o uso de medicamentos. 


(1) Conferência: AIDS 2020

Referência adicional: Science Magazine

Paciente no Brasil pode ter sido curado da infecção pelo HIV Paciente no Brasil pode ter sido curado da infecção pelo HIV Reviewed by Saber Atualizado on julho 07, 2020 Rating: 5

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