Estudo revela que os humanos possuem bactérias benéficas adaptadas ao nariz
Em um estudo publicado no periódico Cell Reports (1), pesquisadores trouxeram forte evidência de que o trato respiratório superior carrega um microbioma contendo bactérias saudáveis à nossa saúde e que evoluíram conosco para se adaptarem bem a esse ambiente rico em oxigênio. E mais: os pesquisadores trouxeram evidência de que pessoas com problemas na região nasal, como rinossinusite crônica, possuem uma menor quantidade de certas cepas de lactobacilos no trato respiratório superior em comparação com indivíduos saudáveis.
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O trato respiratório superior (TRS) é uma barreira crucial para o ambiente aéreo externo, filtrando e umidificando o ar antes de ser enviado ao tecido pulmonar. Apesar de um crescente número de membros benéficos do microbioma terem sido caracterizados para o intestino e para o canal vaginal, potenciais microrganismos benéficos no TRS são amplamente não-explorados. Porém, estudos prévios já haviam mostrado que essa região é lar de uma importante microbiota comensal, essencial para a homeostase e ótimo funcionamento das vias aéreas. Por outro lado, ainda não existia estudos focando na atuação de membros específicos desse microbioma nasal, o que limita potenciais intervenções médicas.
Para exemplificar, a rinossinusite crônica afeta mais de 11% da populações Europeia e traz um grande fardo para o sistema público de saúde. A doença é frequentemente tratada com antibióticos, mas a eficiência clínica dessa estratégia é questionável porque o envolvimento de patógenos bacterianos específicos no problema é controverso. Além disso, se a doença e/ou sua persistência for o resultado de distúrbios poli-microbianos ao invés de patógenos únicos, estratégias alternativas de tratamento como modulação do microbioma precisariam ser avaliadas. Uma dessas alternativas seria a adição de probióticos saudáveis no microbioma nasal.
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No novo estudo, pesquisadores da Universidade de Antwerp resolveram investigar se lactobacilos, um importante táxon encontrado em várias regiões do corpo - especialmente intestino -, poderiam também ser importantes para para o RTS. Para isso, várias culturas RTS-específicas foram isoladas, caracterizadas e geneticamente sequenciadas, na busca de propriedades funcionais e de adaptação ao ambiente do RTS. Somando-se a isso, os pesquisadores compararam o microbioma nasal de 100 indivíduos saudáveis com 225 pacientes sofrendo de rinossinusite crônica. As análises identificaram a prevalência de 30 diferentes famílias de bactérias, e várias bactérias das famílias Lactobacilaceae e Carnobacteriaceae que eram claramente mais prevalentes em indivíduos saudáveis (às vezes até 10 vezes mais prevalentes em algumas partes da região nasal). Entre as cepas mais abundantes, estavam aquelas representadas pelas espécies L. rhamnosus, L. casei, L. sakei, e L. plantarum.
Para eliminar possíveis contaminações com bactérias presentes em alimentos fermentados ou probióticos comerciais via oronasofaringe, os pesquisadores buscaram identificar fatores associados à tolerância ao estresse-oxidativo, já que bactérias adaptadas ao ambiente nasal seriam bem tolerantes à presença de oxigênio. Uma das cepas isoladas (L. casei AMBR2) mostrou expressar uma catalase funcional heme- e manganês-dependente - fator importante de tolerância ao oxigênio -, assim como dois genes (SecA2 e SecY2) responsáveis por codificar proteínas adesinas glicosiladas de grande área superficial. De fato, análises via microscopia de varredura eletrônica mostraram a presença de estruturas fibrosas na superfície da L. casei AMBR2, e as quais podem explicar o porquê dessa cepa aderir tão bem ao epitélio respiratório. Aliás, forte aderência é suspeita de ser uma importante característica da ação benéfica de probióticos.
Reforçando o potencial benéfico da L. casei AMBR2, os pesquisadores mostraram que essa cepa era capaz de inibir o crescimento de bactérias (patobiontes) in vitro associadas a patogêneses no TRS, e demonstraram sua capacidade de reduzir respostas inflamatórias das células do epitélio aéreo em co-culturas com patobiontes.
Por fim, os pesquisadores testaram à aderência e adaptabilidade da L. casei AMBR2 em 20 voluntários saudáveis. O sistema de limpeza do nariz é tão eficiente que qualquer substância ali deposita é eliminada na região nasal em até 15 minutos. Nesse sentido, os pesquisadores usaram spray contendo a cepa visada para, após esterilizarem a região nasal dos voluntários, avaliarem a resistência da L. casei AMBR2 ao ser aplicada no epitélio do nariz. Até 10-16 horas da última administração de um tratamento via spray que durou 2 semanas, os pesquisadores conseguiram confirmar a persistência da cepa em 60%-95% das amostras da nasofaringe, e ainda em 10-35% das amostras estudadas 2 semanas após a última dose. Além disso, a introdução e colonização da cepa foi bem tolerada pelos voluntários, sem efeitos adversos observados.
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Juntando todas as linhas de evidência, fica fortemente sugerido que a Lacticaseibacillus casei AMBR2 - e provavelmente outras cepas - evoluiu com a nossa espécie (Homo sapiens) para colonizar a região do trato respiratório superior, e pode estar associada com efeitos benéficos e prevenção de doenças nessa região do corpo. Isso reforça a importância dos lactobacilos no nosso organismo e o potencial da L. casei AMBR2 ser testada futuramente como um efetivo probiótico para o nariz.
(1) Publicação do estudo: Cell Reports
Estudo revela que os humanos possuem bactérias benéficas adaptadas ao nariz
Reviewed by Saber Atualizado
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julho 05, 2020
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