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Seleção natural não atua apenas no genótipo: Epigenética amplia a teoria evolutiva


Em um estudo publicado esta semana na Cell (1), pesquisadores trouxeram a primeira evidência conclusiva de que a seleção natural também atua a nível do epigenoma. No caso, a espécie de levedura Cryptococcus neoformans, mesmo perdendo uma enzima essencial para renovar a metilação do seu DNA, conseguiu reter sequências metiladas pelos últimos 50-150 milhões de anos, e a única explicação - experimentalmente demonstrada - é seleção positiva. Junto com evidências prévias acumuladas, isso marca de forma definitiva a entrada da epigenética na Teoria Evolutiva.

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Epigenética é um termo que faz referência às modificações no DNA que não mudam a sequência de DNA mas que podem afetar a atividade genética, ou compostos químicos que são adicionados a genes únicos que podem regular suas atividades. Nesse sentido, o assim chamado epigenoma engloba todos os compostos químicos que foram adicionados ao longo de um genoma de forma a regular a atividade (expressão) de todos os genes dentro desse genoma. Os compostos químicos do epigenoma não fazem parte da sequência (fita) de DNA, mas estão sobre ou anexados ao DNA - apesar de serem produzidos a partir do genoma, assim como as histonas (proteínas associadas ao DNA). As modificações epigenéticas permanecem à medida que as células somáticas se dividem e, em alguns casos, podem ser passadas de geração para geração em organismos mais complexos caso alcancem as células germinativas.

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> Para mais informações sobre epigenética, acesse o artigo: Epigenética, Plasticidade Fenotípica e Evolução Biológica

Um tipo comum de modificação epigenética é a já mencionada metilação, a qual envolve a anexação de pequenas moléculas chamadas de grupos metilas (-CH3) a segmentos do DNA. Quando grupos metilas são adicionados a um gene particular, o gene é desligado ou silenciado, e nenhuma proteína consegue mais ser produzida daquele gene (expressão do gene cessa). A metilação de citosinas no quinto carbono (5mC) - como mostrado no esquema abaixo - é encontrada em todos os domínios da vida.


O DNA de todos os vertebrados e plantas terrestres conhecidos carregam esse tipo de modificação epigenética, provavelmente por causa da sua crítica função na defesa do genoma. A metilação do DNA é essencial para o desenvolvimento e atua de forma importante na silenciação de elementos transponíveis (I) e de genes, estabilidade cromossômica, e na expressão de genes mono-alélicos. O 5mC é inicialmente depositado via de novo DNA metiltransferases (DNMTs) que agem sobre substratos não-metilados. Sua manutenção após divisões celulares - mitóticas ou meióticas - é realizada também por uma DNMT: nos mamíferos, por exemplo, a manutenção do 5mC nas células germinativas e no desenvolvimento embriônico ocorre através de uma associação entre DNMT1 e a proteína UHRF1.

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(I) Para mais informações sobre os elementos transponíveis no material genético, acesse: Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?

Enquanto que todos os Opisthokontas (clado de organismos eucariontes que inclui animais e fungos) codificam pelo menos dois homólogos de DNMT nos seus genomas, algumas exceções, curiosamente, só possuem uma. Um desses casos excepcionais é a espécie de fungo patogênico Cryptococcus neoformans, o qual infecta humanos com o sistema imune enfraquecido e é responsável por cerca de 20% de todas as mortes associadas ao HIV/AIDS. Essa espécie possui uma metilação CG simétrica em regiões teloméricas e sub-teloméricas ricas em elementos transponíveis (transposons). E essa metilação é dependente (manutenção) de uma DNMT chamada de Dnmt5, codificada pelo gene DMT5. No entanto seu estabelecimento é determinado por uma DMNT ausente nessa espécie: o DnmtX, codificado pelo gene DMX1. Uma vez perdida uma metilação (devido a mutações ou eventos aleatórios, como deriva genética) é extremamente difícil recuperar um marcador de metilação sem enzimas específicas (de novo metiltransferase) para isso.

Outra espécie, irmã da C. neoformans, a Cryptococcus deuterogattii, perdeu todos os seus transposons ativos por também não possuir o DnmtX e, concomitantemente, perdeu o 5mC e expressa mutações de inativação no gene DMT5. Isso segue o esperado após milhões de anos de evolução sem a enzima. Então, o que teria estabelecido em primeiro lugar o 5mC na C. neoformans e alimentado a permanência dessa metilação ao longo de eras geológicas e inúmeros eventos evolutivos sem a existência de um repositor?

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No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar mais a fundo a questão, realizando análises filogenéticas e funcionais nas duas espécies (C. neoformans e C. depauperatus) e na família da qual o gênero Cryptococcus pertence (Tremellaceae) - focando em outras duas espécies, Tremella mesenterica e Kwoniella heveanensis -, para esclarecer quando o DnmtX desapareceu durante as linhagens evolutivas associadas.

Primeiro, eles estimaram o tempo de divergência evolutiva entre as duas espécies entre 34 e 153 milhões de anos atrás (o mínimo já citado na literatura acadêmica e o o máximo estimado pelos pesquisadores no estudo). Nesse sentido, eles concluíram que o ancestral comum do gene DMX1 foi provavelmente perdido entre 50 e 150 milhões de anos atrás. Ou seja, esses dados indicam que o 5mC foi mantido exclusivamente pelo Dnmt5 desde o período dos dinossauros na população que deu origem ao complexo patogênico de espécies no gênero Cryptococcus. Como isso seria possível?

Para começar a entender a persistência do 5mC desde a antiga perda do DnmtX, os pesquisadores realizaram um experimento de evolução experimental, analisando o crescimento de culturas celulares de C. neogormans durante 120 gerações sem a existência de eventos de bottleneck (um tipo de deriva genética, onde a população inicial é gerada a partir de uma drástica redução aleatória de indivíduos da população prévia). Eles encontraram que 99-99,2% dos locais de 5mC no DNA foram mantidos ao final do experimento, e que novos marcadores de metilação emergem por chance a uma taxa 20 vezes menor do que as perdas. Isso significa que ao longo de escalas evolucionárias, e sem enzimas de novo para compensar as perdas, qualquer marcador de metilação deveria desaparecer após apenas 7500 gerações. E mesmo assumindo que esses fungos unicelulares se reproduzem 100 vezes mais devagar do que nas condições experimentais (um exagero), essa número de gerações seria equivalente a apenas 130 anos.

Os pesquisadores concluíram que a aquisição randômica de novos marcadores de metilação não explicam a persistência de metilação no C. neoformans e em seus ancestrais. Após dezenas de milhões de anos, não seria possível a existência de metilação a nível populacional.

Outro achado mais do que importante: quando os pesquisadores, em uma nova parte do estudo, compararam as várias cepas de C. neoformans conhecidas de terem se diversificado umas das outras há quase 5 milhões de anos, eles encontraram não só que todas as cepas possuíam metilação no DNA, como também que regiões análogas no genoma estavam metiladas. Isso significa que a metilação em locais genômicos específicos estavam conferindo algum tipo de vantagem adaptativa a essa espécie.

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Somando os dois achados com o fato dos transposons estarem ativos na C. neoformans, os pesquisadores concluíram sem sombra de dúvidas que o 5mC estava sendo alvo de seleção natural visando proteger o genoma de atividades deletérias (inserções incorretas) dos elementos transponíveis. O epigenoma da linhagem evolutiva dessa espécie, portanto, têm sido propagado por pelo menos 50 milhões de anos via um processo análogo à evolução Darwiniana do genoma. Essa é a primeira vez que um processo de seleção natural é descrito para a manutenção de elementos não associados diretamente ao genótipo de um ser vivo, mas, sim, ao material extra-genômico (epigenético no caso).

O próximo passo dos pesquisadores agora é investigar se o mesmo processo é comum na natureza e se outras espécies hoje carregam essa curiosa herança Neo-Darwinista. Não existe mais dúvida de que a epigenética precisa ser incorporada à teoria evolutiva.


(1) Publicação do estudo: Cell

Seleção natural não atua apenas no genótipo: Epigenética amplia a teoria evolutiva Seleção natural não atua apenas no genótipo: Epigenética amplia a teoria evolutiva Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 18, 2020 Rating: 5

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