Humanos estão com os corpos mais frios desde a Revolução Industrial
De acordo com um estudo publicado esta semana no periódico eLife (1), o corpo humano está ficando mais frio, e com a temperatura média corporal diminuindo significativamente desde a Revolução Industrial. O estudo analisou mais de 677 mil medidas de temperatura realizadas por termômetros registradas desde 1860 nos EUA para essa conclusão. A queda na temperatura corporal - alguns centésimos de grau por década - parece estar associado em grande parte com a menor prevalência de infecções devido às vacinas, antibióticos e outros métodos preventivos fornecidos pela medicina moderna.
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Em 1851, o Físico Alemão Reinhold August Wunderlich obteve milhões de temperaturas axilares de 25 mil pacientes em Lipzing, e, após fazer uma média dos valores medidos, estabeleceu a temperatura padrão normal do corpo humano de 37°C (faixa de 36,2-37,5°C), algo academicamente aceito até hoje. No entanto, já no início do século XXI uma compilação de 27 estudos modernos (Sund-Levander et al., 2002) reportou que a temperatura média parecia ser bem abaixo desse valor. Mais recentemente, um estudo analisando mais de 35 mil Britânicos e quase 250 mil medidas de temperatura (Obermeyer et al., 2017) encontrou que a temperatura média oral era de 36,6°C, confirmando uma acentuada queda em relação ao valor de Wunderlich. Seria apenas a diferença de métodos durante as medidas com os termômetros (axilar ou oral) ou do tipo de instrumentos utilizados, ou a temperatura do corpo humano entrou em contínuo declínio desde o século XIX?
Para esclarecer a questão, os pesquisadores no novo estudo, da Universidade da Califórnia (Stanford), analisaram 677423 medidas de temperatura corporal de três diferentes estudos cohorts englobando 157 anos de coleta de dados nos EUA. Os pesquisadores encontraram que os homens nascidos no início do século XIX tinham temperaturas 0,59°C mais altas do que os homens hoje, como uma diminuição monotônica de -0,03°C por década de nascimento. A temperatura corporal média também diminuiu entre as mulheres em -0,32°C desde a década de 1890, e a uma taxa similar de declínio (-0,029°C por década de nascimento).
Segundo os pesquisadores, essas taxas observadas de declínio não parecem ser fruto apenas de flutuações associadas aos instrumentos ou métodos diferentes de medidas da temperatura corporal ao longo das décadas, especialmente porque os três estudos cohorts analisados e independentes corroboraram o mesmo padrão de declínio em décadas mais recentes, e utilizando medidas obtidas com termômetros similarmente calibrados. Ou seja, a taxa de declínio térmico parece de fato refletir diferenças fisiológicas. Outro ponto importante é que a população Norte-Americana têm visto um aumento explosivo nas taxas de sobrepeso e de obesidade, e isso é um fator que fomenta temperaturas corporais mais altas não mais baixas.
A taxa metabólica de descanso é o maior componente do gasto energético de um típico humano moderno, compreendendo 65% do gasto diário de energia para um indivíduo sedentário. Calor, nesse caso, é um subproduto dos processos metabólicos, e a razão para quase todos os animais de sangue quente (aves e mamíferos no geral) possuírem temperaturas dentro de uma faixa bem definida (sem sofrer bruscas variações) apesar das drásticas diferenças nas condições ambientais. Nesse sentido, quanto mais massa corporal acumulada nesses animais (incluindo humanos) - e consequente aumento muito maior do volume do que da área do corpo - maior deveria ser a temperatura média (menor taxa de perda de calor para o ambiente). E considerando que desde o século XIX a população Norte-Americana aumentou muito em massa por habitante, o natural seria esperar as temperaturas médias aumentarem. Por isso o declínio observado na taxa da temperatura média corporal nos EUA não parece ser apenas um erro analítico.
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Apesar de existirem muitos fatores que influenciam na taxa metabólica - e, portanto, na temperatura corporal -, a mais provável explicação para a taxa de declínio, segundo o novo estudo, é a mudança no nível de inflamação (I) a nível populacional desde a Revolução Industrial. Desenvolvimento econômico, padrões melhorados de higiene dental, declínio dos casos de tuberculose e de infecções por malária, e a emergência e consolidação das vacinas e dos antibióticos ao longo dos séculos XIX-XX provavelmente foram os principais responsáveis pela queda nas inflamações crônicas. Por exemplo, em meados do século XIX, é estimado que 2-3% da população mundial vivia com tuberculose ativa. Aliás, hoje no Paquistão - um país com uma alta incidência de tuberculose e de infecções crônicas - a temperatura média reportada dos seus habitantes é de 36,89°C, mais próxima daquela reportada por Wunderlich.
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(I) Uma maior temperatura corporal - em específico a febre - é uma das principais ferramentas do corpo para combater infecções virais, bacterianas, entre outras. É um erro comum as pessoas acharem que a febre é apenas mais um sintoma prejudicial disparado por doenças diversas. Para mais informações, acesse: É benéfico sempre procurar baixar a febre?
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Outro fator de redução na inflamação pode ser associado ao maior consumo de medicamentos com efeitos anti-inflamatórios, como os medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides (AINEs). Não associado a inflamações, outra contribuição pode ser a crescente presença e uso de aparelhos de ar-condicionado nas residências Norte-Americanas (85% de presença hoje), gerando zonas termo-neutras que diminuem a necessidade do corpo de gerar energia térmica para manter a temperatura corporal dentro da faixa normal.
A questão sobre se o a temperatura corporal média nos humanos está mudando ao longo dos anos não é apenas uma mera curiosidade. Como mencionado, a temperatura corporal humana está intimamente associada com a taxa metabólica e esta, por sua vez, está associada tanto com a longevidade (maior taxa metabólica, menor expectativa de vida) e tamanho corporal (menor metabolismo, maior a massa corporal acumulada). Essa mudança térmica nos últimos séculos pode estar implicada com várias alterações na saúde e na longevidade dos humanos.
(1) Publicação do estudo: eLife
Humanos estão com os corpos mais frios desde a Revolução Industrial
Reviewed by Saber Atualizado
on
janeiro 17, 2020
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