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Isolado organismo que pode explicar a origem de toda a vida complexa da Terra


Em um impactante estudo publicado na Nature (1), pesquisadores finalmente conseguiram isolar - após uma década de esforço - organismos unicelulares do superfilo Asgard relacionados ao grupo Lokiarchaeota, este o qual, por sua vez, é fortemente sugerido de estar ligado diretamente a um ancestral comum que deu origem às células eucarióticas (células que compõem os seres mais complexos no nosso planeta, incluindo fungos, plantas e animais). Após isolá-los de sedimentos marinhos, multiplicá-los em laboratório e melhor entender suas características metabólicas e estruturais, os pesquisadores propuseram um novo modelo para explicar a origem dos eucariontes e consequentemente a nossa própria origem.

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Para o aumento explosivo de complexidade da vida no nosso planeta - há cerca de 570 milhões de anos -, um tipo de célula foi essencial em emergir: eucariótica. Mas como a primeira célula eucariótica emergiu permanece incerto. Entre vários modelos evolucionários propostos, os mais aceitos - e suportados de forma robusta pelas evidências científicas - são aqueles simbiogênicos nos quais uma célula hospedeira Archaea e um endossimbionte  alfa-proteobacteriano se fundiram para a formação da primeira célula eucariótica. Evidências mais recentes indicam que um grupo de organismos chamado de Lokiarchaeota no superfilo Asgard (Loki-, Thor-, Odinarchaeota) - organismos Archaea e codificantes de um repertório de proteínas encontradas apenas nos eucariontes, incluindo aqueles responsáveis por tráfico nas membrana, formação de vesícula e/ou associados ao citoesqueleto - estão ligados diretamente ao ancestral comum que deu origem ao primeiro eucarionte.

Duas organelas essenciais dos eucariontes são a mitocôndria (I) e, nos organismos que realizam fotossíntese, o cloroplasto (II). A primeira é responsável pela produção massiva de ATP (moeda energética das células) e a segunda pelo processo de fotossíntese. A mitocôndria foi adquirida quando ancestrais procariontes dos eucariontes - provavelmente um Asgard -  englobaram uma bactéria não-fotossintetizante (ancestral da mitocôndria) do ambiente, há cerca de 2,1-1,2 bilhões de anos. Após o estabelecimento de uma célula eucarionte primitiva, diversificações posteriores levaram à simbiose com a segunda bactéria fotossintetizante (ancestral do cloroplasto). Com o tempo, as bactérias englobadas perderam a maioria dos seus genes (migraram para o núcleo da célula eucariótica e foram integrados ao genoma do hospedeiro), levando a uma relação de endossimbiose e marcando um passo crucial na emergência e estabelecimento dos eucariontes modernos.

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(I) Leitura recomendada: A mitocôndria não é um presente exclusivo da mãe

(II) Leitura recomendada: Fotossíntese e a clorofila f
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Estudos nos últimos anos têm também sugerido que os Archaea Asgard possuem uma ampla variedade de propriedades fisiológicas, incluindo autotrofia hidrogênio-dependente anaeróbica, organotropia hidrocarboneto-dependente de cadeia curta ou peptídica, e fototrofia rodopsina-baseada. Um estudo recente - publicado na Nature Microbiology (2) em dezembro de 2019 - inclusive tinha sugerido que o hidrogênio pode ter atuado de forma importante para a evolução dos Eucariotas. O grupo Lokiarchaea de fato usava hidrogênio para a fixação de dióxido de carbono no fundo oceânico, um processo que aumenta a eficiência do metabolismo mesmo em regiões anóxicas (ausência de oxigênio molecular, característica do habitat desses organismos). Nesse sentido, o ancestral/percursor das mitocôndrias pode ter fornecido hidrogênio para seu hospedeiro Lokiarchaea após ter sido englobado, permitindo que a nova célula resultante não mais dependesse de regiões ricas em hidrogênio e se diversificasse em vários habitats. Porém, essa hipótese ainda é baseada em dados extrapolados de análises genéticas limitadas.

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No novo estudo, os pesquisadores resolveram esclarecer melhor essa questão, isolando e multiplicando com com sucesso um membro Archaea do clado Lokiarchaea. Esse feito foi alcançado após o isolamento de organismos unicelulares filogenicamente diversos de sedimentos marinhos, cultivo dessas células em um sistema de biorreator alimentado com um fluxo contínuo de metano por mais de 2 mil dias, e subsequentes estratégias de enriquecimentos celulares específicos e de triagem.




O membro Lokiarchaea isolado - chamado de 'Candidatus Prometheoarchaeum syntrophicum' cepa MK-D1 - mostrou ser anaeróbico, de crescimento extremamente lento, forma arredondada (coco), pequenas dimensões (em torno de 300-750 nm de diâmetro) e capaz de degradar aminoácidos através de sintrofia (relação simbiótica na qual uma espécie vive dos produtos metabólicos de outra espécie, e referida como 'metabolismo mutualístico obrigatório'). Os pesquisadores também mostraram que o seu genoma codifica apenas uma hidrogenase e desidrogenase formato, sugerindo que essas enzimas mediam a geração de hidrogênio molecular (H2) e formato, respectivamente.  E apesar de complexos intracelulares similares aos vistos nos Eucariotas terem sido propostos para o Archaea Asgard, a espécie isolada não possuía estruturas organoloides presentes. Por outro lado, o Ca. P. syntrophicum é morfologicamente complexo e carrega protusões únicas que são longas e frequentemente ramificadas (formando geralmente agregados cercados por substâncias poliméricas extracelulares).

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ETMOLOGIA: O nome do gênero - Prometheoarchaeum - tem origem do deus Grego Prometeu, o qual supervisionou seu irmão (Epimeteu) na criação dos humanos a partir do barro e deu a esses últimos a habilidade de criar fogo; o 'archaeum' vem de archaea (do Grego, 'uma vida antiga'). O nome do gênero, portanto, é uma analogia entre a relação evolucionária desse organismo e a origem dos eucariotas, e o envolvimento de Prometeu na origem dos humanos a partir do barro (referência aos sedimentos oceânicos) e a aquisição de uma habilidade sem precedentes de gerar energia a partir de oxigênio (referência mitológica ao fogo). Já o nome da espécie - syntrophicum - vem do grego syn (junto) e trephein (nutrição), e do Latim icus (relacionado a), fazendo referência à propriedade de utilização de substratos via relação sintrófica da cepa isolada.
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Baseados nas características descritas, os pesquisadores propuseram um novo modelo hipotético para a eucariogênese, chamado de modelo entangle–engulf–endogenize.

Assumindo que o ancestral do Archaea Asgard era de fato sintrófico, internamente simples (ou seja, similar ao MK-D1) e habitava sedimentos marinhos anaeróbicos como a maioria dos atuais membros dessa linhagem, a evolução ao encontro do aeróbico facultativo LECA (Último Ancestral Comum Eucariótico) requereria três cenários:

i. Transição da anaerobiose para a aerobiose;

ii. O ganho de um endossimbionte (ancestral da mitocôndria) que respirasse oxigênio molecular (O2) e fornecesse ATP;

iii. O desenvolvimento de estruturas intramoleculares.

Considerando que os níveis de O2 começaram a aumentar antes da evolução do LECA (a linhagem do Asgard data de aproximadamente 2,1-2,4 bilhões de anos), os pesquisadores assumiram que o Archaea precisava acomodar o aumento dos níveis de O2, e a entrada de energia e de substratos orgânicos, especialmente em habitats bênticos de oceanos rasos. A aéreo-tolerância pode ter sido conferida por uma interação simbiótica com organismos facultativos respirando O2 - responsável por remover o tóxico O2 -, a qual foi potencialmente seguida pela endossimbiose com um desses aeróbios (ou seja, a futura mitocôndria). Uma relação sintrófica pode ter intermediado essa notável transição. Nesse sentido, apesar da já sugerida proposta relacionando a atuação do H2 como uma interação chave para engatilhar a endossimbiose, os novos dados do estudo não suportam essa ideia.

Dado o pequeno tamanho das células do MK-D1 e a aparente falta de maquinário e de energia suficientes, os pesquisadores também sugeriram que o evento de endossimbiose foi provavelmente independente de fagocitose. A morfologia observada da cepa MK-D1 aponta para uma hipótese prévia de que o Archaea hospedeiro englobou o parceiro metabólico usando estruturas extracelulares (as ramificações e protusões mencionadas) e simultaneamente formou um estrutura primitiva cromossomo-cercada topologicamente similar à membrana nuclear; porém, mais evidências são necessárias para dar suporte para essa ideia.

Após englobar o ancestral da mitocôndria, o hospedeiro pode ter compartilhado 2-oxoácidos aminoácidos-derivados com o endossimbionte como fontes de energia, dado que o Archaea Asgard amplamente codifica esses compostos e que os atuais eucariontes e suas mitocôndrias compartilham 2-oxoácidos entre si. Em troca, o endossimbionte pode ter consumido O2 - como já mencionado - e fornecido ao hospedeiro um espectro de blocos de construção biológica (por exemplo, aminoácidos e co-fatores que o hospedeiro pode não ter sido capaz de sintetizar e que eram liberados passivamente ou através da morte do endossimbionte).

A ausência de genes de catabolismo anaeróbico de 2-oxoácido nos atuais eucariotas pode ter sido uma perda lógica durante o percurso evolutivo no sentido do LECA. Essa perda resolve a redundância catabólica (ou seja, o catabolismo do 2-oxoácido tanto no endossimbionte quanto no hospedeiro) e a sensibilidade ao O2 (as enzimas para esse catabolismo são inativadas na presença de O2). Para a resultante deleção do catabolismo do 2-oxoácido (e portanto a geração de ATP) e transferência dessa tarefa para o endossimbionte (como ocorre nas atuais mitocôndrias) suceder, um mecanismo de transporte de ATP seria necessário. Consistente com essa noção, a evolução do transportador de ATP (o atual carregador de ADP/ATP) é pensada de ter sido instrumental na fixação da simbiose.

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Os pesquisadores, contudo, reforçam que esse modelo é apenas hipotético e consideravelmente limitado. Isso porque as extrapolações estão sendo feitas com base em um organismo (MK-D1) que evoluiu por pelo menos 2 bilhões de anos após o LECA, apesar de guardar ainda notáveis semelhanças com as células eucarióticas.



(1) Publicação do estudo: Nature

(2) Publicação do estudo: Nature Microbiology

Isolado organismo que pode explicar a origem de toda a vida complexa da Terra Isolado organismo que pode explicar a origem de toda a vida complexa da Terra Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 20, 2020 Rating: 5

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