Alta concentração de CO2 no Arqueano: Paradoxo de Carl Sagan solucionado?
No período Arqueano (4 até 2,5 bilhões de anos atrás) - onde as primeiras formas de vida unicelular emergiram e evoluíram na superfície terrestre - a nossa estrela, o Sol, era cerca de 20%-30% mais fraca do que hoje segundo projetam modelos teóricos. Nessa época, oceanos de água líquida já existiam em abundância na Terra, mas se considerarmos a atual atmosfera terrestre e um Sol bem mais fraco, toda a água no planeta era para estar congelada, provavelmente impedindo a substancial proliferação de organismos vivos unicelulares que ocorreu nesse período. Esse constitui o Paradoxo do Jovem-Sol-Fraco. Em geral, cientistas acreditam que ocorreu um elevado efeito estufa nesse período ou por um aumento drástico na concentração de dióxido de carbono ou na concentração de metano ou ambos.
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Uma hipótese mais recente argumenta que como a jovem Terra era alvo de inúmeros e frequentes impactos de grandes dimensões a partir de asteroides primordiais - alguns maiores do que 100 km -, grandes volumes de rocha derretida eram gerados nesse período na superfície terrestre, liberando massivas quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. Porém, uma hipótese mais antiga, proposta em 1987 por James Walker da Universidade de Michigan, argumenta por uma atmosfera rica em metano em conexão com os depósitos em larga escala de minérios de ferro e os microrganismos ancestrais. Um estudo publicado no final do ano passado na Science Advances tinha encontrado evidências corroborando essa última hipótese (a).
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(a) Para mais informações, acesse: Estudo pode ter resolvido o paradoxo de Carl Sagan
Agora, em um novo estudo também publicado na Science Advances (1), pesquisadores da Universidade de Washington, EUA, encontraram evidências corroborando também a primeira hipótese, sugerindo que ambos os gases - metano e dióxido de carbono - atuaram para compensar o Sol mais fraco.
Quando micrometeoroides metálicos de Fe-Ni (ferro-níquel) entram na atmosfera terrestre a hipervelocidades, esses podem derreter, e enquanto derretem, reagem prontamente com a atmosfera ao redor. Durante o processo reativo, micrometeoritos de Fe expostos a O2 e CO2 podem oxidar parte ou todo o Fe ali presente em espécies como wüstite [Fe(1-x)O] e magnetita (Fe3O4). Dependendo do tamanho, velocidade de entrada, e ângulo de entrada, os micrometeoritos derretem e oxidam na atmosfera superior por apenas alguns segundos em aproximadamente 75 a 90 km acima da superfície terrestre moderna e solidificam bem antes de alcançar a baixa atmosfera. Após se solidificarem na atmosfera superior, micrometeoritos ricos em ferro se tornam amplamente inertes e podem preservar seus estados de oxidação ao longo de intervalos geológicos de tempo.
As evidências científicas acumuladas até o momento a partir de análises geoquímicas e paleoclimáticas indicam que o Arqueano era caracterizado por um atmosfera com concentrações muito baixas de oxigênio molecular (O2), bem longe do ~20% por volume de hoje. É sugerido uma concentração tão baixa quanto 1 ppmv (partes por milhão por volume) no nível do solo, indicando concentrações também muito baixas na alta atmosfera (mas significativas considerando a fotólise de altas concentrações de CO2 nessa região, como observado em planetas orbitando estrelas como o Sol).
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Nesse sentido, no novo estudo os pesquisadores propuseram uma atmosfera rica em CO2 capaz de oxidar micrometeoritos de Fe durante o Arqueano. Aliás, eles também citam que têm sido demonstrado há muito tempo na indústria metalúrgica que o CO2 pode oxidar Fe metálico sob várias condições atmosféricas e de temperatura. Ao modelar a movimentação, aquecimento e evaporação de micrometeoritos durante a entrada atmosférica, e usando uma taxa constante de oxidação via CO2 a partir de medidas laboratoriais (variando as concentrações atmosféricas de CO2 entre ~2% e ~85%), os pesquisadores compararam micrometeoritos de Fe datados em 2,7 bilhões de anos atrás com 15 mil simulações aleatórias em laboratório.
Os resultados das análises mostraram que micrometeoritos dessa época podem ter sido, de fato, oxidados por CO2 em uma atmosfera rica nesse gás, possivelmente formando magnetita. E com base nos dados gerados, os pesquisadores estimaram que a atmosfera (volume) do Arqueano há 2,7 bilhões de anos atrás era composta por cerca de 70% de CO2, com um limite superior de pressão superficial atmosférica de 0,5 bar (menor pressão atmosférica em relação à atual atmosfera). Considerando esses valores e o efeito estufa associado - e um Sol 20-30% mais fraco -, a temperatura média superficial nesse período seria de ~30°C (ou menor para uma pressão total menor) (II), ajudando a explicar água líquida no planeta nessa época mesmo sob menor luminosidade solar e uma mais fina atmosfera.
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(II) Quanto maior a pressão atmosférica, mais intenso se torna o efeito estufa em sua superfície. Para mais informações, acesse: Quais os mecanismos do efeito estufa atmosférico?
Mais estudos serão necessários para melhor entender os processos de oxidação de micrometeoroides e dar uma base mais sólida para a nova ferramenta de análise da composição atmosférica de bilhões de anos atrás. Mas o novo estudo junto com o estudo publicado ano passado (a) fortemente corroboram a hipótese de que o Paradoxo de Carl Sagan é explicado pela atuação de um forte efeito estufa atmosférico no Arqueano, causado por altas concentrações de CO2 e de CH4. Isso também reforça o crucial papel dos gases estufas nas mudanças climáticas do planeta.
(1) Publicação do estudo: Science
Alta concentração de CO2 no Arqueano: Paradoxo de Carl Sagan solucionado?
Reviewed by Saber Atualizado
on
janeiro 31, 2020
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