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Princípio evolucionário da Rainha Vermelha é demonstrado em ambiente natural


Comunidades naturais microbianas e virais são caracterizadas por altos níveis de diversidade genômica, genética, metabólica e fenotípica. Os vírus que infectam microrganismos dominam, numericamente, as comunidades marinhas microbianas (infetando principalmente os procariotas e protistas), com impactos indo desde a evolução de hospedeiros até ciclos biogeoquímicos globais. Nesse sentido, entender as dinâmicas evolutivas que marcam as interações entre vírus e hospedeiro no oceano é extremamente importante. Agora, um estudo publicado recentemente na Nature Microbiology (1) conseguiu as primeiras sólidas evidências em ambiente natural corroborando a famosa Hipótese da Rainha Vermelha (Red Queen Hypothesis), ao descrever a estabilidade de longo prazo de uma comunidade viral próximo da superfície marinha do Canal de San Pedro, a cerca de 20 km de Los Angeles, EUA.

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Há mais de 40 anos, o biólogo evolucionário Leigh Van Valen propôs a hipótese da Rainha Vermelha a qual defendia que linhagens evolucionárias persistiam apenas se elas mudassem e se adaptassem de forma contínua às constantes pressões seletivas. Um posterior refinamento da hipótese levou o foco para as interações entre patógenos e hospedeiros: como essas interações são antagonísticas e vários patógenos dependem dos seus hospedeiros para a sobrevivência, ambos são provavelmente moldados por repetidos ciclos de adaptação e contra-adaptação, ou seja, um ciclo co-evolucionário de frequências genéticas garantindo uma estabilidade de longo prazo para essa relação ecológica. Patógenos portanto impõem alta pressão seletiva nos seus hospedeiros, as quais, se adaptativas, podem impor níveis similares de seleção sobre os patógenos, e assim por diante. E as consequências dessas dinâmicas são potencialmente de amplo alcance. Para exemplificar, elas podem explicar as extremas taxas de evolução molecular nos genes de imunidade do hospedeiro e de virulência dos patógenos; podem favorecer a evolução e manutenção de reprodução cruzada do tipo outcrossing (2) e sexual; e podem promover diversidade genética em geral.

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(2) Por exemplo, cães cruzados via outcrossing não possuem nenhum parentesco, mas seus pais nasceram de cruzamentos consanguíneos. Nesse caso, possibilita-se uma maior variação genética a partir de duas ou mais linhagens consanguíneas.
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No entanto, apesar do enorme número de estudos sobre a co-evolução hospedeiro-parasita, dois aspectos centrais ainda continuavam pouco entendidos: as regiões genômicas que são alvo desse processo recíproco de seleção e as dinâmicas de frequências alélicas resultantes nessas regiões. Em um estudo prévio publicado no começo deste ano na PNAS (3), pesquisadores tinham conseguido demonstrar via experimentos laboratoriais a base genômica da Rainha Vermelha em uma interação hospedeiro-parasita entre um eucarioto (o verme nematoide Caenorhabditis elegans) e seu patógeno procarioto (a bactéria Bacillus thuringiensis). O estudo revelou, inclusive, um modelo mais complexo da Rainha Vermelha, consistindo de processos seletivos distintos agindo sobre os dois antagonistas durante a rápida e recíproca co-adaptação. Em geral, os pesquisadores encontraram que:

i) a co-evolução ocorreu rapidamente dentro de poucas gerações;

ii) co-adaptação temporal no nível fenotípico foi encontrada em paralelo ao longo de populações replicadas, consistente com seleção antagonística frequência-dependente;

iii) mudanças genômicas no patógeno corresponderam ao padrão fenotípico e incluíram variações no número de cópias de um plasmídeo codificante de toxinas;

iv) as mudanças genômicas não corresponderam ao padrão fenotípico e provavelmente envolveram respostas seletivas em mais de um locus no DNA.

No entanto, apesar desse avanço, até o momento não existia uma sólida e clara demonstração da Rainha Vermelha em um ambiente natural e em dinâmicas populacionais de longo prazo (anos).

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No novo estudo publicado na Nature Microbiology, pesquisadores da Universidade da Califórnia do Sul realizaram um estudo compreensivo para adereçar essa lacuna investigativa, ao mostrar as táticas que as bactérias e vírus marinhos empregam para ganhar vantagens uns contra os outros, e que ilustraram muito bem a dinâmica descrita pelo princípio de "corrida armamentista" da Rainha Vermelha.

Para investigar as dinâmicas de longo prazo dos vírus marinhos, os pesquisadores examinaram o DNA de comunidades virais, sequenciando genomicamente frações virais de tamanhos variando de 0,02 a 0,2 micrômetros que foram coletadas mensalmente entre junho de 2009 e setembro de 2014 (53 amostras no total) de uma região costeira na Califórnia, na estação San Pedro Ocean Time-series (SPOT). Eles analisaram mais de 1 bilhão de sequências genéticas para discriminarem os diferentes tipos de vírus e as mudanças genéticas e populacionais associadas. As análises levaram a duas principais conclusões:

I. A composição taxonômica pouco mudou ao longo dos 5 anos de amostragem. As comunidades virais no SPOT mostraram-se notavelmente estáveis, sem nenhum marcante ganho ou perda nas populações. Qualquer dado metagenoma continha até 97% da riqueza cumulativa de contigs (conjunto de segmentos contínuos de DNA sobrepostos que juntos representam uma região consensual de DNA). Esse padrão de persistência contrasta drasticamente com as consideráveis quantidades de variações espaciais ao longo do oceano global. Tal nível temporal de estabilidade já havia sido reportado em estudos prévios, mas não durante tanto tempo.


II. Dentro de cada espécie de vírus, houve uma constante ascensão populacional de mutantes (variantes alélicas), cada um dos quais dominando as populações por apenas alguns meses. Esses picos populacionais marcados por novidades genéticas permitiu aos vírus ficarem um passo a frente das defesas dos hospedeiros, ou seja, as comunidades virais precisavam continuar mudando ao longo do tempo para sobreviverem. Isso ajuda a explicar os mínimos e máximos do compartilhamento de espécies exposto anteriormente, com as populações continuamente se recuperando de declínios e se mantendo estáveis a partir de uma dada diversidade (composição taxonômica) inicial.



Nesse sentido, apesar da estabilidade geral da identidade genética populacional ao longo do tempo, foi evidenciado uma contínua mudança da micro-diversidade intra-populacional. Esse padrão fortemente lembra as dinâmicas da Rainha Vermelha, caracterizadas por rápidas mudanças de genótipos dentro de uma população a partir de mecanismos ecológicos e evolucionários, podendo incluir oscilações na frequência genotípica dirigidas por seleções flutuantes (nesse caso, constantes pressões seletivas impostas pelo hospedeiro e vice-versa). Além disso, as contínuas mudanças nos genótipos dos vírus não mostraram-se consistentes com mecanismos de dispersão (via dinâmicas de correntes oceânicas) de variantes como única causa, porque perfis de SNP (polimorfismos de nucleotídeos únicos) persistiram por meses, enquanto que as águas em San Pedro possuem um padrão de permanência de 2-3 semanas.

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Os vírus nos oceanos estão constantemente tentando infectar algas e bactérias, e mesmo os vírus superando-os em vasta extensão - existem cerca de 10 milhões de partículas virais para cada mililitro de água marinha - esses seres conseguem efetivamente se protegerem desses parasitas, especialmente as bactérias. Nessa acirrada guerra, a Rainha Vermelha parece ser a grande protagonista, onde espécies são protegidas de serem extintas através de constantes novidades genéticas que emergem dentro das suas populações que compensam as novas armas que chegam do outro lado.


(1) Publicação do estudo: Nature Microbiology

(2) Publicação do estudo: PNAS

Rainha Vermelha: A Rainha Vermelha é uma personagem fictícia de um livro do Lewis Carroll chamado "Alice do outro lado do espelho" (mesmo autor de Alice no País das Maravilhas). Na história, Alice termina percebendo que ela está correndo cada vez mais rápido mas sem conseguir sair do lugar.

Princípio evolucionário da Rainha Vermelha é demonstrado em ambiente natural Princípio evolucionário da Rainha Vermelha é demonstrado em ambiente natural Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 14, 2019 Rating: 5

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