Esse estranho verme faz um dos sons mais altos do oceano
Vários animais aquáticos, incluindo mamíferos, peixes, crustáceos e insetos, produzem sons muito altos debaixo d´água. Já vermes de corpos moles seriam muito improváveis de produzirem um alto estalo ou estampido porque tais breves e intensos sons normalmente requerem movimentos extremos e mecanismos sofisticados de armazenamento e liberação de energia. No entanto, surpreendentemente, em um estudo publicado recentemente na Current Biology (1), pesquisadores reportaram um verme marinho segmentado que produz altos sons de estalo durante um comportamento altamente intraespecífico estereotipado agonístico que foi apelidado de 'briga de boca'. Durante esses confrontos 'boca-com-boca', esses animais produzem um dos mais poderosos barulhos no mar.
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O verme em questão pertence à espécie Leocratides kimuraorum (Annelida: Hesionidae: Hesionae), mede apenas ~29 mm de comprimento quando adulto e vive dentro de esponjas-do-mar (família Aphrocallistidae no caso) - geralmente vários indivíduos habitam uma única esponja - a cerca de 85-169 metros de profundidade na costa do Japão. Seu quase transparente corpo carrega numerosos longos tentáculos e uma grande e circular boca.
No estudo, os pesquisadores coletaram 13 vermes (provavelmente incluindo ambos os sexos), registrando digitalmente o comportamento desses espécimes em um aquário. Indivíduos colocados próximos eventualmente se aproximavam ainda mais uns dos outros, cabeça-com-cabeça e com a boca aberta. Durante a 'briga de boca', uma curta tromba levemente se estendia seguido de uma extremamente rápida expansão da faringe posterior. Esse rápido ataque incluía um um único e alto som de estalo e um rápido influxo de água que tirava ambos os oponentes um da direção do outro e que, às vezes, até fazia um deles quicarem para longe após o impacto. Os 'ataques de boca' eram frequentemente mútuos, e todos os espécimes analisados expressaram esse comportamento. Os altos sons de estalo ocorriam apenas durante as 'lutas de boca' e nunca quando simplesmente perturbados. Como vivem em estreitas passagens dentro das esponjas-do-mar hospedeiras, essa luta de boca provavelmente é usada para defender o território ou as câmaras de habitação de outros vermes invasores.
Os pesquisadores também gravaram e analisaram de forma mais minuciosa 15 estalos emitidos por 3 espécimes através de um hidrofone. Um estalo durava cerca de 0,41 segundos. A frequência dominante era ~6912 Hz, mas as frequências se estendiam de próximo de 0 Hz para mais de 90 kHz. A pressão sonora encontrada foi de 150 dB re 1 microPa a 1 metro (intervalo de 140,8 até 157,0). No vídeo abaixo é possível ver a produção do som.
Os estalos de espécies da família Alpheidae, crustáceos popularmente conhecidos como Camarões-de-Estalo, incluem alguns dos mais intensos sons produzidos por organismos aquáticos. Notavelmente, as pressões sonoras e frequências produzidas pelo L. kimuraorum são comparáveis àquelas dos camarões-de-estalo. Nesse sentido, o mais marcante é que apesar de invertebrados normalmente gerarem sons com estruturas duras, o L. kumuraorum não possui quaisquer partes duras na sua faringe. Ou seja, mesmo um organismo de corpo mole pode produzir sons muito altos.
É a primeira vez que um alto som subaquático é produzido por um verme de corpo mole ou por um molusco. Isso faz o L. kimuraorum o mais barulhento animal conhecido do filo Lophotrochozoa. O alto som de estalo pode ser um subproduto do rápido ataque de boca, mas também uma possível comunicação intraespecífica. Por exemplo, a intensidade do som pode afetar o resultado da briga de boca ou revelar a proximidade de outros vermes próximos.
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Durante um ataque de boca, a região posterior da longa e grossa (parede) da faringe, visível através do corpo quase transparente do L. kimuraorum, se expande de forma extremamente rápida (<0,02 segundos). Essa expansão se mostrou mais dramática na metade posterior e mediana. Paredes faríngeas mostraram exibir um complexo arranjamento de músculos e tecido conectivo nas zonas distintas, o que sugere diferentes funções, como mostrado na figura abaixo.
Nesse sentido, os pesquisadores propuseram um novo mecanismo para a geração de movimentos ultra-rápidos e altos sons em um animal de corpo mole: paredes faríngeas musculosas e grossas parecem permitir o armazenamento de energia e contínuo empilhamento energético; isso permite uma expansão extremamente rápida da faringe dentro do corpo do verme durante o ataque, o que resulta em um intenso som de estalo (provavelmente via cavitação) e um rápido influxo de água. Considerando a natureza mole dessa espécie, os mecanismos exatos de geração sonora sugerem, inclusive, um novo tipo de extremo biológico.
Por fim, como o gênero Leocratides é filogeneticamente próximo ao Hesione e ao Leocrates, os quais também exibem uma boca terminal e uma faringe altamente musculares, espécies desses clados possivelmente podem produzir sons altos durante similares brigas de boca.
(1) Publicação do estudo: Cell
Esse estranho verme faz um dos sons mais altos do oceano
Reviewed by Saber Atualizado
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dezembro 01, 2019
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