Grande parte dos cidadãos na Roma Imperial tinham raízes no Oriente
Em um estudo publicado na Science (1), um time internacional de pesquisadores, incluindo cientistas da Universidade de Vienna e da Universidade de Stanford, resolveu investigar o DNA antigo de indivíduos em Roma e em regiões adjacentes na Itália, durante um período se estendendo até 12 mil anos atrás. Os resultados das análises revelaram pelo menos duas grandes migrações para Roma, assim como várias pequenas mas significativas mudanças no espectro populacional ao longo dos últimos milhares de anos. Notavelmente, as análises de DNA apontaram que à medida que o Império Romano se expandia ao redor do Mar do Mediterrâneo, imigrantes do Oriente Próximo, da Europa e do Norte da África migraram para Roma, substancialmente mudando o perfil genético de uma das primeiras grandes cidades da história.
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Para construírem uma cronologia genética dos eventos históricos, os pesquisadores reuniram 127 amostras de DNA humano extraídas de esqueletos encontrados em 27 sítios arqueológicos dentro e ao redor de Roma datando desde a Idade da Pedra até a Era Medieval. Analisando as mais antigas amostras, os pesquisadores encontraram um influxo inicial de agricultores Neolíticos descendentes primariamente dos primeiros agricultores oriundos das regiões hoje pertencentes à Turquia e ao Irã, há cerca de 7-8 mil anos, substituindo caçadores-coletores do Mesolítico, e seguido por uma mudança populacional marcada com ancestralidade do Estepe Ucraniano entre 5 mil e 3 mil anos atrás, na Idade do Bronze. Já na época de fundação de Roma, tradicionalmente datada em 753 a.C., a população da cidade tinha crescido em diversidade e espelhava um perfil genético dos Europeus modernos e de pessoas do Mediterrâneo.
Apesar de Roma ter iniciado como uma humilde cidade-estado associada ao rio Tiber, na Península Itálica do século VIII a.C, dentro de um período de 800 anos a cidade tinha ganho o controle sobre um Império se estendendo tão longe ao oeste quanto as Ilhas Britânicas, tão ao sul quanto o Norte da África e tão a leste quanto a Síria, Jordânia e Iraque. Em menos de 1 milênio, durante os períodos da República (509-27 a.C.) e do Império (27 a.C - 300 d.C.), Roma se tornou o maior centro urbano do mundo Antigo, controlando territórios em três continentes. A expansão Romana além do mar começou durante as Guerras Púnicas (264-146 a.C.) contra Cartagena (atual Tunísia), e esse crescimento continuou robusto pelos próximos 300 anos.
À medida que o Império Romano se expandia, isso facilitou o movimento e interação de pessoas através das rotas comerciais, nova infraestrutura de estradas, campanhas militares e escravidão. Registros contemporâneos e evidências arqueológicas dão suporte para uma estreita conexão entre Roma e todas as outras partes do império. De fato, a vida diária em Roma dependia pesadamente do comércio de mercadorias a partir de outras partes do império para suprir seu enorme centro urbano, o qual englobava uma população estimada em ~70 milhões de habitantes (mínimo de 50 milhões e máximo de 90 milhões). Roma em específico (cidade) possuía cerca de 1 milhão de habitantes.
As análises genéticas corroboram esse cenário, mas também trazem algo interessante e conflituoso com os registros históricos. Houve uma massiva mudança na assinatura genética ancestral, mas essa ancestralidade e fluxo genético vieram primariamente de pessoas nativas do Mediterrâneo Oriental (regiões como Chipre, Anatólia e Levante) e do Oriente Próximo, possivelmente por causa das populações mais densas nessas regiões em relação aos alcances no Ocidente do Império Romano na Europa e na África, e também pela localização geográfica distinta, com os Alpes formando uma barreira natural para o fluxo de linguagens, cultura material e pessoas da região Norte. Comparado com os indivíduos da Idade do Bronze, a população Imperial compartilhava mais alelos com os primeiros Jordanianos da Idade do Bronze e mostrava significativos sinais de introgressão com indivíduos trazendo essa ancestralidade, assim como para Libaneses da Idade do Bronze e Iranianos da Idade do Ferro.
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Suportando esse cenário, existe evidência arqueológica para o estabelecimento de longo prazo de pessoas oriundas do Oriente (incluindo leste do Mediterrâneo) em Roma. A mais comum linguagem para as inscrições dessa época, após o Latim, era o Grego; outras linguagens, como o Aramaico e o Hebreu, eram também usadas. Além disso, datas de nascimento gravadas em inscrições de túmulos indicavam que os imigrantes eram comumente oriundos do Oriente. Templos e santuários para Deuses Gregos, Frígios, Sírios e Egípcios eram também comuns em Roma, e a mais antiga sinagoga conhecida na Europa foi estabelecida no cidade portuária Romana de Ostia.
E apesar de vários produtos e escravos oriundos das regiões ocidentais da Europa - seguindo a vitória do Cipião Africano sobre a Cartagena e a conquista de Júlio César sobre a Gália -, poucos indivíduos-cidadãos do Império carregavam forte afinidade genética com as populações do Mediterrâneo Ocidental, sugerindo limitada migração espontânea a partir das províncias nessas regiões.
Os próximos séculos marcaram um caos político e demográfico em Roma: a capital se moveu para Constantinopla e subsequentemente o Império Romano se dividiu (Ocidental e Oriental), com a eventual dissolução do Império Romano Ocidental; surtos epidêmicas de doenças dizimaram boa parte da população em Roma; e uma série de invasões se sucederam, incluindo o saque dos Visigodos em 410 d.C. A população de Roma foi reduzida durante esse período para menos do que 100 mil habitantes. Como comentou São Jerônimo: "O brilho de luz de todo o mundo foi apagado". As análises genéticas também trouxeram as assinaturas desses eventos, mostrando que a ancestralidade das amostras investigadas mudaram o perfil para uma população mais Europeia e Ocidental, em detrimento das populações Orientais. As invasões dos Visigodos e dos Vândalos à Itália no século V d.C., e o estabelecimento de longo prazo dos Lombardos na região nos séculos VI e VII d.C., somado com o baixo nível populacional de Roma, provavelmente foram determinantes para essa variação no perfil populacional.
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De forma similar, no contexto Medieval, as análises genéticas apontaram que a ascensão e o domínio do Sacro Império Romano trouxeram um influxo natural de ancestralidade do centro e norte da Europa, com contribuições para esse fluxo genético oriundas dos Lombardos da Hungria, Saxões da Inglaterra, Vikings da Suécia (2), entre outros 'doadores'. Isso é consistente com os crescentes laços entre a Roma Medieval e a Europa Continental. Roma foi incorporada dentro do Sacro Império Romano, o que se expandiu para as regiões central e norte da Europa Ocidental. Os Normandos se expandiram do norte da França para um número de regiões, incluindo a Sicília e a porção sul da Península Itálica (e até mesmo saquearam a cidade de Roma em 1084) onde eles estabeleceram o Reino da Sicília. Além disso, após a independência dos Estados Papais, estes permaneceram próximo-conectados com o Sacro Império Romano, e o papel de Roma como um lugar central na Igreja Católica Romana trouxe pessoas de toda a Europa, e eventualmente além, para a Itália.
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(2) Leitura recomendada: Vikings: Uma Sociedade Subestimada
Os achados representam talvez a mais detalhada análise das variações genéticas na região ao longo dos milênios até o momento e indicam que desde a Antiguidade, e mesmo períodos pré-históricos, já havia um robusto e volúvel influxo cultural e populacional nessa parte da Europa, refletindo principalmente a dinâmica de ascensão, estabilização, ruptura e queda do Império Romano. A expressão "Todas as estradas levam a Roma" é literalmente verdade, especialmente em termos de fluxo genético, mas selou um final trágico para o Império.
(1) Publicação do estudo: Science
> Leitura complementar: O gelo da Groenlândia marcou a ascensão e a queda do Império Romano
Grande parte dos cidadãos na Roma Imperial tinham raízes no Oriente
Reviewed by Saber Atualizado
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novembro 11, 2019
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