Primeira evidência morfológica do cruzamento da nossa espécie com os Denisovanos
- Atualizado no dia 8 de abril de 2023 -
A análise do fóssil de um molar pertencente a um Denisovano - uma espécie do gênero Homo filogeneticamente mais próxima da nossa espécie (Homo sapiens) e dos Neandertais (Homo neanderthalensis) - que viveu há cerca de 160 mil anos ofereceu a primeira evidência morfológica do cruzamento desse humano arcaico com o H. sapiens na Ásia. O achado foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.1) e corrobora evidências genéticas suportando múltiplos eventos de hibridização entre as duas espécies (2).
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Estudos prévios já tinham concluído que os Denisovanos ocuparam áreas de altas altitudes nas montanhas Tibetanas bem antes da nossa espécie chegar na região (2). Análises genômicas de vestígios fósseis dos Denisovanos encontrados na Sibéria também já haviam confirmado que a nossa espécie gerou híbridos com esses humanos arcaicos na região Asiática, da mesma forma como cruzamos com os Neandertais (2), influenciando substancialmente a evolução dos humanos modernos na Ásia.
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(2) Leitura recomendada: Nossa espécie cruzou com múltiplas linhagens de Denisovanos
Agora, a análise morfológica de um fóssil Denisovano descoberto em Xiahe, China, revelou uma curiosidade anatômica: um segundo molar inferior de três raízes. Entre a população humana atual (H. sapiens) não-Asiática, a presença de um molar desse tipo (3RM) é bem rara, com ocorrência alcançando menos do que 3,5%. Em contraste, sua presença em populações derivadas da Ásia é superior a 40% na China e no Novo Mundo. Nesse último caso, outra população onde o 3RM possui uma alta frequência é aquela associada aos Nativos Americanos (povos indígenas), algo aliás que é outra clara evidência mostrando que povos indígenas no continente Americano têm origem do nordeste Asiático.
> Apesar de molares mandibulares exibirem mais comumente duas raízes no gênero Homo, o número de raízes varia de 1 a 3 ou até mais. Nos humanos modernos, a terceira raiz geralmente ocorre no primeiro molar mandibular (referido como 3RM1), mas também pode ocorrer no segundo e no terceiro molares inferiores; coletivamente esses molares inferiores com três raízes são chamados de 3RM. O 3RM pode aparecer unilateralmente ou bilateralmente, algo aparentemente controlado por fatores genéticos.
> No geral, o traço 3RM exibe as maiores frequências nas populações do Leste Asiático e do Ártico Americano (25%), frequências intermediárias no Sudeste Asiático, Polinésia e em nativos Norte-Americanos na parte Noroeste (12%), baixas frequências em Americanos na região fora do Ártico e em Australiano-Melanésios (5%) e frequências muito baixas nos Eurasianos Ocidentais e nos Africanos Sub-Saarianos (0-1%).
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Apesar da sua alta frequência nas populações Asiáticas recentes, o 3RM não é encontrado nas mais antigas populações de H. sapiens da Ásia, e nunca foi observado em H. sapiens na África e nem no Homo erectus na Ásia. A mais antiga evidência de um 3RM vem justamente da região Asiática, nas Filipinas, de um crânio fossilizado de H. sapiens cujo substrato rochoso foi datado entre 9 mil e 16,5 mil anos. Nesse sentido, sem outras evidências contrárias, os cientistas em geral defendiam a hipótese de que esse notável traço anatômico tinha emergido bem depois da origem e dispersão do H. sapiens para fora da África, ou seja, emergido ao longo do curso evolucionário da nossa espécie na Ásia e depois se espalhado progressivamente com o contato mais recente dos povos Asiático e Nativo Americano com o resto do mundo.
Porém, a descoberta de que esse traço anatômico estava presente também nos Denisovanos aponta para uma origem muito mais antiga do segundo molar com três raízes e corrobora as evidências genéticas da intensa hibridização do H. sapiens com essa espécie na Ásia. Em outras palavras, ganhamos esse curioso traço anatômico via introgressão com os Denisovanos, há várias dezenas de milhares de anos. Outro ainda mais recente crânio de um humano arcaico revelado em Taiwan que pode ter 190 mil anos - apelidado de Penghu 1 e provavelmente pertencente a um Denisovano - também apresenta um 3RM (no segundo molar inferior), reforçando a hipótese de introgressão (fluxo genético inter-espécies no caso) como causa da anomalia 3RM.
É incerto a função do 3RM para os Denisovanos, mas pode ter sido uma característica morfológica selecionada positivamente como um auxiliar na mastigação ou pode ter sido uma seleção indireta (neutra) devido a uma forte seleção positiva de genes associada a outros fenótipos adaptativos no corpo dessa espécie.
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Porém, a descoberta de que esse traço anatômico estava presente também nos Denisovanos aponta para uma origem muito mais antiga do segundo molar com três raízes e corrobora as evidências genéticas da intensa hibridização do H. sapiens com essa espécie na Ásia. Em outras palavras, ganhamos esse curioso traço anatômico via introgressão com os Denisovanos, há várias dezenas de milhares de anos. Outro ainda mais recente crânio de um humano arcaico revelado em Taiwan que pode ter 190 mil anos - apelidado de Penghu 1 e provavelmente pertencente a um Denisovano - também apresenta um 3RM (no segundo molar inferior), reforçando a hipótese de introgressão (fluxo genético inter-espécies no caso) como causa da anomalia 3RM.
É incerto a função do 3RM para os Denisovanos, mas pode ter sido uma característica morfológica selecionada positivamente como um auxiliar na mastigação ou pode ter sido uma seleção indireta (neutra) devido a uma forte seleção positiva de genes associada a outros fenótipos adaptativos no corpo dessa espécie.
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ATUALIZAÇÃO: Em uma carta publicada na PNAS (Ref.2) como resposta ao estudo, pesquisadores questionaram a força da evidência para concluir que a alta prevalência de três raízes nos molares inferiores dos humanos modernos na Ásia era fruto de introgressão Denisovana. Primeiro, eles apontaram que o primeiro molar com três raízes (3RM1) é muito mais comum na China do que o segundo molar (3RM2) - esse último presente no fóssil Denisovano. Além disso, eles apontaram significativas diferenças morfológicas no sistema de três raízes dos molares inferiores de humanos modernos em relação àquele do Denisovano, sugerindo uma outra origem além dos Denisovanos. Porém, os autores do estudo contra-argumentaram em outra carta na PNAS (Ref.3), concluindo ser muito improvável que o 3RM1 não represente uma estrutura homóloga relativa ao 3RM2 do Denisovano de Xiahe e reforçando a conclusão prévia de que esse traço dentário nos humanos modernos é muito provavelmente oriundo de introgressão com os Denisovanos.
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REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
- Bailey et al. (2019). Rare dental trait provides morphological evidence of archaic introgression in Asian fossil record. PNAS, 116 (30) 14806-14807. https://doi.org/10.1073/pnas.1907557116
- https://www.pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1918004116
- https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1918959116
- Scott et al. (2023). World variation in three-rooted lower second molars and implications for the hominin fossil record. Journal of Human Evolution, Volume 177, 103327. https://doi.org/10.1016/j.jhevol.2023.103327
Primeira evidência morfológica do cruzamento da nossa espécie com os Denisovanos
Reviewed by Saber Atualizado
on
julho 09, 2019
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