Grupo de cientistas lança manifesto em defesa ao Inpe
Após o presidente Jair Bolsonaro criticar os dados liberados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre o desmatamento na Amazônia sem apresentar evidências científicas de suporte, e após acusar sem provas ou nenhum indício o diretor da instituição, Ricardo Magnus Osório Galvão, de estar "a serviço de alguma ONG", a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), publicou um manifesto em defesa ao Inpe.
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ATUALIZAÇÃO (01/08): Marcos Pontes, Ministro da Ciência, a pedido de Bolsonaro, exonerou Ricardo Galvão do seu cargo como diretor do Inpe. O coronel da reserva da Aeronáutica, Darcton Policarpo Damião, foi colocado em seu lugar. Damião fez mestrado no Inpe e é doutor em Desenvolvimento Sustentável. De forma decepcionante, Pontes, o promissor ex-astronauta, abaixa a cabeça em prol do presidente e em descaso à comunidade científica, ao exonerar sem justa causa Galvão e por concordar em grande parte com os achismos do Bolsonaro sobre os dados do Inpe (Ref.3) .
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Segundo publicou a SBPC, durante a 71ª Reunião Anual da SBPC (21/07/2019):
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MANIFESTO DO CONSELHO DA SBPC EM DEFESA DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE)
O Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, em reunião realizada no dia 20/07/2019, deliberou por unanimidade manifestar seu apoio integral ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, dirigido pelo Dr. Ricardo Galvão, face às críticas do trabalho do INPE de monitoramento do desmatamento da Amazônia brasileira, apresentadas em entrevista à imprensa internacional pelo Presidente da República, Sr. Jair Messias Bolsonaro.
Conforme carta das principais entidades nacionais representativas da ciência brasileira, enviada ao Presidente Bolsonaro no dia 10/07/2017 (OF. ABC-97/2019), a ciência produzida pelo INPE está entre as melhores do mundo em suas áreas de atuação, graças a uma equipe de cientistas e técnicos de excelente qualificação, e presta inestimáveis serviços ao País. O Diretor do INPE, Dr. Ricardo Galvão, é um cientista reconhecido internacionalmente, que há décadas contribui para a ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico.
Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza. Desmerecer instituições científicas da qualificação do INPE gera uma imagem negativa do País e da ciência que é aqui realizada. Reafirmamos nossa confiança na qualidade do monitoramento do desmatamento da Amazônia realizado pelo INPE, conforme a carta anteriormente enviada ao Presidente da República, e manifestamos nossa preocupação com as ações recentes que colocam em risco um patrimônio científico estratégico para o desenvolvimento do Brasil e para a soberania nacional.
Ildeu de Castro Moreira
Presidente da SBPC
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As críticas sem base científica do presidente foram uma resposta específica aos números divulgados pelo Inpe sobre o aumento do desmatamento em junho e na primeira quinzena de julho. Em junho, o desmatamento na Amazônia Legal Brasileira atingiu 920,4 quilômetros quadrados, um aumento de 88% em relação ao mesmo período do ano passado. Em julho, uma análise preliminar indicou um aumento de 68% apenas nos primeiros 15 dias do mês. Áreas da Amazônia que deveriam ter 'desmatamento zero' já perderam o equivalente a 6 cidades de São Paulo nas últimas três décadas.
Inicialmente, segundo Bolsonaro disse para jornalistas, os dados seriam mentirosos e estariam manchando a imagem do Brasil, e que isso seria fruto de uma "psicose ambiental". Acrescentou que se a devastação divulgada tivesse mesmo ocorrido, "a Amazônia já teria se extinguido", novamente, sem base científica para tal.
Hoje, Bolsonaro minimizou as críticas feitas feitas ao diretor do órgão. Justificou que os números divulgados lhe pareceram os mesmos do ano passado e que ele ficou achando que "poderiam não estar condizentes com a verdade." Disse também que iria encaminhar a discussão para os Ministros do Meio Ambiente e para o Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Ricardo Salles e Marcos Pontes, respectivamente. Porém, é válido lembrar que o Ministro Salles é alvo de várias polêmicas, por se mostrar anti-ambientalista, anti-científico e réu em processo de fraude ambiental, além de ter disseminado Fake News sobre o Fundo Amazônia em suas redes sociais.
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No sábado (20/07), o diretor do Inpe rebateu as críticas de Bolsonaro, em uma entrevista à TV Vanguarda: "Fazer uma acusação em público esperando que a pessoa se demita. Eu não vou me demitir", disse Ricardo Galvão. "Esses dados sobre desmatamento da Amazônia, feitos pelo Inpe, começaram já em meados da década de 70 e a partir de 1988 nós temos a maior série histórica de dados de desmatamento de florestas tropicais respeitada mundialmente."
"O presidente Bolsonaro tem que entender que eu sou um senhor de 71 anos, professor titular da Universidade de São Paulo, membro da Academia Brasileira de Ciências, fui presidente da Sociedade Brasileira de Física durante três anos, membro do Conselho Científico da Sociedade Europeia de Física durante três anos".
"Todos os diretores dessas unidades de pesquisa não são escolhidos por indicação política ou porque o pai deles quis dar um filé mignon pra eles. Eles são escolhidos por um comitê de busca nomeado pelo governo, por cinco especialistas de renome nacional, tanto na área científica quanto na área tecnológica", reiterou.
Galvão também disse que é preciso defender quem "trabalha bem para o governo", e citou o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. "Ele sempre manifestou que as questões do desmatamento e das mudanças climáticas são questões científicas e não políticas. E têm que ser tratadas cientificamente, e ele sempre mostrou grande respeito pelo Inpe", afirmou.
"No entanto, o ministro Ricardo Salles vem atacando, desde o começo do ano, os dados do Inpe. Realmente não sei com que intenções. Algumas pessoas dizem que ele tem intenção de transferir esse trabalho feito pelo Inpe para empresas privadas. Não sei se é verdade, porque ele aparentemente desmentiu."
O diretor do Inpe também afirmou que, antes da polêmica com o presidente, havia enviado um ofício ao ministro Marcos Pontes, propondo que fossem abertos canais de comunicação para esclarecer sobre esses dados e criar ferramentas para que o governo pudesse usar essas informações de forma mais clara e transparente.
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O Inpe disse, por meio de nota, que sua política de transparência permite o acesso completo aos dados e acrescentou que a metodologia do instituto é reconhecida internacionalmente.
"O Inpe teve um papel fundamental na utilização de satélites para imagem de sensoriamento remoto. O Brasil foi o terceiro país no mundo a usar imagens do satélite landsat, método desenvolvido pelo Inpe. Todos os nossos métodos são desenvolvidos pelo Inpe", afirma o órgão.
Apesar do foco no desmatamento, o qual vem aumentando em níveis alarmantes, a Amazônia enfrenta diversas outras ameaças, especialmente dos grandes projetos de hidrelétricas, ataques de políticos aliados aos ruralistas contra o Código Florestal e contra os trabalhos de órgãos ambientais, como o IBAMA e o ICMBio, e das mudanças climáticas. Para saber mais, acesse o artigo: Floresta Amazônica: Preservá-la não é Ideologia, é Futuro
Referências:
1. http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/conselho-da-sbpc-lanca-manifesto-em-defesa-do-inpe/
2. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/21/bolsonaro-diz-que-divulgacao-de-dados-sobre-desmatamento-prejudica-o-brasil.ghtml
3. https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/02/entidades-lamentam-exoneracao-de-diretor-do-inpe-veja-a-repercussao.ghtml
Grupo de cientistas lança manifesto em defesa ao Inpe
Reviewed by Saber Atualizado
on
julho 21, 2019
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