Cientistas conseguem converter sangue tipo A em doador universal via enzimas bacterianas
Para uma transfusão sanguínea ocorrer com sucesso, os tipos sanguíneos do paciente e do doador devem ser compatíveis. Agora, pesquisadores analisando bactérias no intestino humano descobriram que bactérias da nossa microbiota intestinal produzem duas enzimas (proteínas catalíticas) que podem converter o mais comum tipo A em um tipo mais universalmente aceito (tipo O). O achado, publicado no periódico Nature Microbiology (1) pode revolucionar o campo das doações e transfusões sanguíneas.
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Todos devem conhecer o sistema ABO sanguíneo para doação de sangue. Com as regrinhas aprendidas nas aulas de Biologia, envolvendo antígenos A e antígenos B, além do fator Rh, conseguimos razoavelmente determinar quem pode doar para quem de forma a prevenir graves efeitos colaterais. Cada pessoa tipicamente possui um de quatro tipos sanguíneos - A, B, AB ou O - definidos por distintas moléculas de carboidratos presentes ou ausentes na superfície das hemácias (células vermelhas do sangue). Se uma pessoa do tipo A recebe do tipo B, ou vice-versa, por exemplo, essas moléculas (os antígenos) podem fazer o sistema imune lançar um letal ataque nas células "invasoras". Nessa linha, como muitos devem saber, o tipo O é o doador universal - ou seja, pessoas com esse tipo de sangue podem doar para qualquer outra pessoa que tenham o mesmo Rh - por não possuir antígenos A e B nas suas hemácias, e o AB é o receptor universal, ou seja, pode receber qualquer sangue doado que tenham o mesmo Rh, por possuir ambos os antígenos.
Apesar desse esquema englobar muitas exceções e hoje as transfusões envolverem preferencialmente tipos sanguíneos idênticos para minimizar ao máximo efeitos adversos (2), em situações de emergência as regras de grupos sanguíneos salvam muitas vidas, e o sangue tipo O negativo, portanto, é o mais visado nessas circunstâncias e o mais procurado pelos centros de coleta.
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(2) Existem muitas exceções às regras do ABO e o fator Rh (outro tipo de antígeno) é bem mais amplo do que o tradicional 'positivo ou negativo'. Cada grupo sanguíneo é único, ou melhor, cada sangue é único. É muito raro um sangue ser aceito sem haver algum grau de rejeição. Aliás, as regras do ABO possuem notáveis exceções, como o ´O Bombay´, um tipo de sangue muito raro (mas relativamente comum na Índia) onde só se pode doar ou receber entre os indivíduos dentro desse grupo. Além disso, mesmo quanto indivíduos do mesmo tipo sanguíneo e Rh doam e recebem entre si, outros antígenos reativos específicos são também verificados.
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Nesse sentido, os cientistas vêm tentando nos últimos anos transformar o segundo mais comum tipo sanguíneo (tipo A) - o qual responde por pouco menos de um terço dos estoques de sangue -, em um doador universal via remoção enzimática dos antígenos-A das suas hemácias. Porém, todas as tentativas vinham se mostrando falhas ou não-aplicáveis na prática. Foi então que pesquisadores da University of British Columbia (UBC) decidiram procurar por enzimas produzidas por bactérias presentes no nosso intestino. A ideia veio do fato de que alguns gêneros de bactérias na nossa microbiota serem capazes de se alimentarem de estruturas carbo-proteicas chamadas de mucinas presentes no tecido da parede intestinal, e as quais englobam estruturas químicas similares àquelas presentes nos antígenos A e B.
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Extraindo o DNA da bactéria Flavonifractor plautii (anaeróbica obrigatória) após triagem de várias bactérias intestinais, os pesquisadores procuraram, então, pelos genes responsáveis por quebrar a mucina, ou melhor, pelas enzimas expressas por esses genes que conseguem quebrar essa substância. Identificando as sequências genéticas visadas - no caso expressando um par de enzimas (FpGalNAc deacetilase e FpGalactosaminidase) - , os pesquisadores as inseriram na bactéria Escherichia coli. A partir de culturas da E. coli geneticamente modificada, obteve-se com sucesso as duas enzimas e estas foram testadas em hemácias com o antígeno-A (no caso, sangue tipo A+). E o resultado corroborou o esperado: os antígenos-A foram convertidos em antígeno-H via um intermediário galactosamina, e a hemácia se transformou no tipo O, ou seja, em um doador universal. E apenas concentrações enzimáticas muito pequenas foram necessárias para a aparente completa conversão de 26 amostras reais de sangue, tornando o processo aplicável na prática clínica. Os pesquisadores também obtiveram enzimas capazes de converter o tipo B.
Se a nova estratégia for realmente efetiva, eliminando por completo os antígenos-A, será possível praticamente dobrar os suprimentos de sangue do tipo O através do tratamento do sangue tipo A com enzimas da bactéria E.coli transgênica. Será preciso também verificar se a enzima não está alterando significativamente outras estruturas das células sanguíneas, algo até o momento não observado.
(1) Publicação do estudo: Nature
Referência adicional: Science Magazine
Cientistas conseguem converter sangue tipo A em doador universal via enzimas bacterianas
Reviewed by Saber Atualizado
on
junho 11, 2019
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