Evolução de resistência da E. coli a radiações ionizantes sendo acompanhada em tempo real
Pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, no Departamento de Bioquímica, estão acompanhando em tempo real populações da bactéria Escherichia coli evoluírem novos genes e mecanismos de resistência à radioatividade. O progresso do experimento evolutivo foi detalhado em uma publicação esta semana no periódico Journal of Bacteriology.
O pesquisador e professor de Bioquímica Michael Cox e seu time, responsáveis pelo novo estudo, estavam buscando uma forma de analisar processos de reparação do DNA, os quais são mecanismos celulares que ajudam a reconstruir trechos do genoma que são danificados por estresses, especificamente via radiação ionizante. A radiação ionizante compreende a emissão de partículas de alta energia associadas, por exemplo, com processos de decaimento nuclear - como no urânio, plutônio e em outros elementos radioativos - e com os ventos solares. Nesse sentido, essa forma de radiação está presente em baixas doses em algumas terapias de câncer (radioterapia), em algumas técnicas de análise médica (como imagem por raios-X), no background do ambiente em geral, e inclusive os Astronautas no espaço estão também constantemente expostos a essa forma de radiação (e em substancial e perigosa quantidade).
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As radiações ionizantes podem causar danos em quaisquer componentes celulares (desde o material genético - incluindo quebras na dupla hélice - até proteínas - especialmente oxidação), tanto através de ionização direta por fótons, elétrons e prótons de alta energia, ou ionização indireta de espécies reativas de oxigênio produzidas via radiólise de moléculas de água.
Alguns organismos, a maioria bactérias (1), são naturalmente resistentes a altos níveis de radiação ionizante. No entanto, vários desses seres são muito difíceis de serem estudados e pouco é conhecido sobre a biologia deles. Pelo contrário, a bactéria E. coli, apesar de não ser resistente às radiações ionizantes, é extensivamente conhecida, representando um dos mais comuns modelos de pesquisa biológica. Nesse sentido, Cox e colaboradores resolveram criar em laboratório bactérias E. coli resistentes a esse tipo de radiação através de um processo evolutivo induzido (evolução direcionada).
Para isso, os pesquisadores dividiram uma população de bactérias E. coli em quatro grupos (IR9, IR10, IR11, e IR12) e, uma vez por semana, esses grupos eram submetidos a um banho de radiação ionizante - através de um feixe de elétrons de alta energia (72 Gy/min) disparado por um acelerador linear clínico (Linac) - até que ~99% das células bacterianas estivessem mortas. O ~1% que sobrevivia era então deixado se multiplicar por mais 1 semana, e novamente submetidos ao banho ionizante. Esse ciclo se repetiu 50 vezes. Os pesquisadores, a cada ciclo, realizavam uma análise genética das novas gerações de bactérias resistentes, observando as mudanças nas frequências de alelos (variações de um mesmo gene). No final dos 50 ciclos, as populações foram rotuladas como IR9-50, IR10-50, IR11-50, e IR12-50.
Os pesquisadores mostraram que a cada dizimação populacional e novo crescimento, novas mutações benéficas eram selecionadas que aumentavam a resistência das novas populações emergindo à radiação ionizante. A dose requerida para matar ~99% da população de células em cada nova população/ciclo aumentou de aproximadamente 750 Gy para quase 2500 Gy. Mutações em vários genes estavam associadas com mecanismos mais eficientes de reparação do DNA. E uma das mutações atingiu o gene responsável pela RNA-polimerase, enzima responsável por transcrever RNA em DNA, o qual é eventualmente utilizado para a síntese de importantes proteínas. E apesar de muitas mutações serem similares àquelas vistas em outros organismos resistentes à radiação ionizante (evolução convergente), um número de outras mutações são totalmente novas (pelo menos nunca tinham sido observadas antes). No total, foram apontadas entre 184 e 280 mutações.
Interessante também apontar que todas as quatro populações de E. coli eventualmente perderam o elemento genômico e14 - um pró-fago que codifica importantes genes funcionais. Porém, em uma linhagem da população IR10, a subpopulação que perdeu o e14 foi dominada e extinta no 10° ciclo, e manteve o e14 até o final dos 50 ciclos. Isso talvez se dê como pressão seletiva, já que o e14 codifica duas potencialmente letais proteínas inibitórias de divisão celular: um homólogo da proteína fago lambda Kil e a SfiC.
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Obter e estudar novos genes de resistência às radiações ionizantes possui um grande potencial para aplicações tecnológicas e medicinais em diversas áreas, especialmente para o desenvolvimento de probióticos que podem amenizar alguns dos efeitos colaterais de radioterapias e otimizar a limpeza de locais com depósitos de lixo radioativo. Além disso, a NASA e outras agências espaciais ao redor do mundo estão interessadas em novas estratégias biológicas para melhor proteger os astronautas da exposição às radiações ionizantes no espaço, e essas novas bactérias sendo induzidas a evoluir em laboratório podem trazer novas ideias.
Experimentos de evolução direcionada são também importantes para dar suporte a fenômenos preditos pela biologia evolucionária, como foi evidenciado, por exemplo, interferência clonal e o paralelismo genético no novo estudo. Como seres unicelulares procariontes se multiplicam com extrema rapidez, gerando gerações atrás gerações em um curtíssimo espaço de tempo, esses organismos são perfeitos para o acompanhamento em tempo real de profundos processos evolutivos.
Nesse exato momento, o grupo de pesquisadores já passou do 125° ciclo do processo laboratorial de evolução, e o objetivo é alcançar o 1000° e obter populações de E.coli tão resistentes às radiações ionizantes quanto a D. radiodurans.
Previamente, os pesquisadores já tinham direcionado a evolução de populações de E. coli a partir de radiação gama, e também observaram processos evolutivos de resistência, incluindo otimizações no maquinário de reparo do DNA (a partir de alelos mutantes das enzimas RecA recombinase, DnaB helicase replicativa e YfK helicase putativa, e do maquinário de reinício de replicação), e mudanças na regulação do metabolismo central e das respostas celulares a danos oxidativos (através de um alelo no fator de transcrição do metabolismo anaeróbico, FNR).
Publicação do estudo: Journal of Bacteriology
Evolução de resistência da E. coli a radiações ionizantes sendo acompanhada em tempo real
Reviewed by Saber Atualizado
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fevereiro 27, 2019
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