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Efeito CSI: Assistir a séries criminais faz de você um melhor criminoso?


- Atualizado no dia 11 de outubro de 2023 -

Séries criminais se tornaram muito populares nas últimas duas décadas, em especial aquelas com ênfase na ciência forense. Mas será que assistir ao trabalho forense fictício em séries criminais de televisão influenciam os telespectadores com sérias implicações no mundo real? Existe uma forte crença de que esse é o caso e que as consequências de pessoas assistindo religiosamente a tais séries ou programas - como 'CSI: Crime Scene Investigation' e 'Dexter' - estão sendo refletidas no mundo real, na forma de um alegado fenômeno conhecido como Efeito CSI (CSI Effect).

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Começando em 2000, uma avalanche de novos dramas policiais com foco em ciência forense começaram a aparecer na televisão Norte-Americana e Britânica (ex.: Waking the Dead). Nesses programas televisivos, crimes passaram a ser resolvidos com a ajuda crítica de métodos analíticos químicos, físicos e biológicos, tipicamente em detrimento do trabalho tradicional de detetive baseado em buscas nas ruas e entrevista de pessoas. O show CSI explodiu em popularidade nessa época, se tornando, por um tempo, o mais popular programa televisivo no mundo, e inclusive patrocinando dois spinoffs (CSI: Miami e CSI: New York). De 2004 até 2007, a série original e o derivativo Miami eram posicionados entre os 10 programas televisivos com maior audiência nos EUA. 

Embora a série CSI fosse vendida como uma dramatização realista abordando a aplicação da ciência forense em investigações criminais, essas abordagens eram frequentemente exageradas e altamente estilizadas para entreter ao máximo os telespectadores e garantir sucesso de público. Assim como outros programas televisivos, CSI possuía licença dramática, enfatizava a narrativa, desenvolvia personagens, manipulava o tempo, encapsulava o enredo da história para se ajustar a um episódio semanal, entre outras manipulações. Em resumo, CSI era um produto de entretenimento ficcional, não um documentário, e, portanto, não era "realístico" em um sentido literal do termo.

Nesse contexto, levantou-se a preocupação sobre o impacto desse tipo de influencia televisiva no júri dos EUA e de outros países, um alegado fenômeno chamado de Efeito CSI. Em sistemas legais baseados em júri, existe a noção de que os jurados passaram a ter excessivas expectativas em relação às evidências forenses após grande exposição às séries televisivas e, como resultado, estariam mais propensos a absolverem ou condenarem o acusado com base em limitada evidência ou ausência de evidência. Em outras palavras, o júri estaria demandando ver mais evidência forense em julgamentos ou valorizando de forma excessiva evidência forense em detrimento de outros tipos de evidência.

Por exemplo, se em um caso criminal evidência forense (ex.: DNA) for escassa, inconclusiva ou ausente, o júri pode ficar mais tentado a absolver o acusado mesmo com a existência de outras convincentes evidências apontando o contrário.  

Porém, grande parte do suporte para o Efeito CSI tem origem de evidências anedóticas reportadas por advogados e juízes. Profissionais de direito defendendo a existência desse efeito comumente citam que o tema derivado do CSI é "pessoas mentem, mas a ciência sempre diz a verdade." Quando fornecida a definição clássica do Efeito CSI, pessoas no público geral também tipicamente acreditam na sua existência (Ref.3). 

Aliás, há ~1 século, já haviam preocupações nesse mesmo caminho, com cientistas forenses reclamando do que foi posteriormente chamado de Efeito Sherlock Holmes, como resultado da famosa série de livros escritos por Arthur C. Doyle sobre o famoso e genial detetive de mesmo nome. Era alegado na época que o público passou a desconfiar da conduta da ciência forense e o que essa poderia revelar. Outras alegações similares continuaram ao longo do século XX com outras obras criminais populares antes da série CSI estrear. O termo "Efeito CSI" primeiro começou a aparecer na mídia em 2002, seguindo acúmulo cada vez maior de reportes anedóticos sobre a sua existência. 

Além da alegada influência negativa no júri, o Efeito CSI também acabou englobando outras preocupações e alegações. Apesar da natureza fictícia da série CSI e de outros shows similares, existe a ideia de que conceitos básicos de ciência forense transmitidos para a população em geral por esses programas estariam ensinando potenciais criminosos a melhor esconder rastros de um crime (efeito educacional), dificultando o trabalho policial e de investigadores forenses no mundo real.

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Nesse último ponto, para esclarecer de uma vez por todas se existe base factual do efeito CSI na criação de melhores criminosos entre o público geral, um time de psicólogos alemães da Universidade Mainz de Johannes Gutenberg conduziu um estudo experimental inédito - publicado em 2018 no periódico International Journal of Law, Crime and Justice (Ref.1) - para testar a hipótese do "efeito educacional" sob diferentes metodologias:

- Primeiro, os pesquisadores analisaram as estatísticas de banco de dados do FBI e da agência de investigação correspondente na Alemanha (BKA), e compararam as taxas de detecção criminalística durante os anos anteriores ao lançamento da grande série de sucesso CSI com os anos posteriores.

- Então, eles fizeram uma entrevista com 24 criminosos condenados em prisões para obter opiniões sobre séries como CSI e se essas teriam ajudado esses indivíduos a escapar da condenação ou se teriam alguma utilidade em geral.

- Em seguida, os pesquisadores montaram um complexo experimento para descobrir se telespectadores fãs dessas séries criminais estariam, na prática, melhores equipados com técnicas para apagar seus rastros em um cenário de crime simulado. Em paralelo com um grupo de controle (indivíduos que não assistiam a esse tipo de série televisiva), esses telespectadores tinham que fingir serem criminosos na limpeza de uma cena realista [simulada] de um assassinato.

- Por fim, eles conduziram um experimento similar ao anterior, mas onde um crime foi reencenado com a ajuda de um modelo de brinquedo; 120 participantes tinham que limpar a cena falsa de um assassinato da melhor forma que achassem para não serem pegos pela polícia.


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Como resultado geral dos experimentos, os pesquisadores não encontraram qualquer significativa conexão entre ver séries ou programas criminais e a habilidade de evitar com sucesso a detecção policial após um indivíduo ter cometido um crime. No entanto, os participantes homens na quarta parte experimental se saíram melhor do que as participantes mulheres, e os participantes mais jovens se saíram melhor do que os mais velhos, e aqueles com maior nível de educação escolar/acadêmica tiveram melhor desempenho. Participantes no estudo trabalhando em profissões técnicas, em especial homens, exibiram também melhor performance no sentido de acobertar o crime.

Em outras palavras, a antiga crença que começou tão cedo com os contos de Sherlock Holmes e ganhou ainda mais força com a estreia de séries como CSI, Law & Order, Bones, NCIS, e Quincy parece não ter suporte científico, caindo mais na esfera de mito do que na realidade - pelo menos até que novas evidências científicas do contrário sejam apresentadas. Pode ser a mesma coisa que dirigir um carro: não adianta apenas saber na teoria como dirigir um carro para dirigir um na prática com mínima destreza.

Estudos científicos como esse são importantes para quebrar alguns dogmas que podem gerar danosas consequências dentro de sociedades diversas, como a criação de leis proibitivas baseadas em falsos preceitos ou preconceito. Por exemplo, a persistente e falsa associação causal entre produtos de entretenimento que exibem violência, como filmes e jogos eletrônicos, e real violência no mundo real (1).  Ainda mais grave, existe a intolerante ideia de que a simples existência de homossexuais e de transgêneros na sociedade, ou mesmo alegadas campanhas de "doutrinação ideológica", influenciam crianças a "adotarem" orientação homossexual (2) ou uma identidade de gênero trans (3); e esse tipo de errônea e preconceituosa ideia suporta leis intolerantes criminalizando a homossexualidade e grupos LGBT+ em países diversos na Ásia, na África e no Leste Europeu (4).


Para mais informações:

Sobre a validade do efeito CSI no júri, estudos conduzidos nos últimos anos também têm falhado em encontrar evidência científica de suporte. Por exemplo, um estudo publicado em 2020 no periódico Psychology, Crime & Law (Ref.4), explorando 178 estudantes universitários aptos para integrar um júri - e classificados em três diferentes grupos com base no nível de exposição a dramas [séries e obras] criminais (alta, moderada e baixa) - e o impacto de evidências de DNA (culpando, absolvendo ou ausência de evidência), encontrou pouco suporte para o efeito CSI. Os autores concluíram que preocupações relativas a possíveis impactos do efeito CSI em decisões de júri podem ser injustificadas.

Um notável estudo de 2010 publicado no periódico Journal of Forensic Sciences (Ref.5), analisando o júri no Canadá e na Austrália, encontrou significativa influência do hábito televisivo dos jurados no tratamento de certas evidências forenses, porém não encontrou prejuízos nas decisões do júri que caracterizariam o alegado Efeito CSI. 



REFERÊNCIAS
  1. Baranowski et al. (2018). "The CSI-education effect: Do potential criminals benefit from forensic TV series?" International Journal of Law, Crime and Justice, Volume 52, Pages 86-97. https://doi.org/10.1016/j.ijlcj.2017.10.001
  2. http://www.uni-mainz.de/presse/aktuell/3642_ENG_HTML.php
  3. Hayes & Levett (2012). Community Members’ Perceptions of the CSI Effect. American Journal of Criminal Justice, 38(2), 216–235. https://doi.org/10.1007/s12103-012-9166-2
  4. Klentz et al. (2020). The CSI Effect and the impact of DNA evidence on mock jurors and jury deliberations. Psychology, Crime & Law, 1–19. https://doi.org/10.1080/1068316X.2019.1708353
  5. Holmgren et al. (2010). The CSI Effect and the Canadian and the Australian Jury. Journal of Forensic Sciences, Volume 56, Issues 1, Pages S63-S71. https://doi.org/10.1111/j.1556-4029.2010.01621.x
Efeito CSI: Assistir a séries criminais faz de você um melhor criminoso? Efeito CSI: Assistir a séries criminais faz de você um melhor criminoso? Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 07, 2018 Rating: 5

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