Estudo mostra que um mar de vírus circulando pelo nosso corpo pode estar nos ajudando a ficar saudáveis
Os vírus bacteriófagos - ou simplesmente 'Fagos' - são um tipo de vírus que infecta apenas bactérias. Da mesma forma que vírus que infectam eucariontes, os fagos consistem de uma proteína exterior protetora e de um material genético dentro de uma cápsula na "cabeça" (capsídio). Atacando as bactérias, eles usam o material genético dessas para se replicarem, produzindo diversas novas cópias virais e rompendo a estrutura desses procariontes através de um processo chamado de lise.
Descobertas há um século nas fezes de soldados da Primeira Guerra Mundial, esses seres famintos por bactérias vêm atraindo cada vez mais a atenção dos pesquisadores, especialmente na área de saúde. Potenciais novos 'antibióticos', diversas pesquisas têm tentado usá-los para combater doenças bacterianas em humanos, com resultados clínicos variados. Mas outras pesquisas também vêm questionando se esses seres poderiam ter alguma relação de cooperação com o nosso corpo.
Nesse sentido, será que um mar de fagos - um "fageoma" - pode estar influenciando nossa fisiologia ao regular o nosso sistema imune ou ajudando a combater diretamente as bactérias? Bem, a biologia básica nos ensina que os fagos não interagem com células eucarióticas, mas segundo os autores de um novo estudo publicado esta semana na mBio isso pode passar longe da verdade. E mais: parece que absorvemos dezenas de bilhões desses fagos todos dias!
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Estudos anteriores desses mesmos autores já tinham mostrado que os fagos podem naturalmente nos ajudar a proteger de patógenos. Analisando animais - de corais a humanos - foi encontrado que os fagos são mais do que quatro vezes mais abundantes nas camadas mucosas - como aquelas que revestem internamente o intestino e externamente a gengiva - do que em ambientes adjacentes. A cápsula proteica de um fago mostrou que pode se ligar às mucinas, estas as quais são grandes moléculas secretadas que, junto com a água, formam o muco presente nesses tecidos. Nesse sentido, ficar agarrado com o muco facilita o encontro dos fagos com as suas presas bacterianas, algo que, por sua vez, adiciona uma barreira imune extra para os corpos dos animais.
Agora, os mesmos pesquisadores encontraram evidências de que esses vírus podem entrar no nosso corpo em largas quantidades através do nosso intestino, em um processo de transcitose. Estudando células epiteliais em laboratório - como aquelas do intestino, pulmões e capilares cercando o cérebro - eles mostraram que existe um transporte de fagos sendo mediado por essas células, com a travessia durando menos do que 10 minutos e utilizando o aparato de Golgi via sistema endomembranoso. Além de identificarem os fagos dentro das vesículas celulares, os pesquisadores mostraram que elas estavam os despejando para o interior do tecido!
Mesmo ainda não sendo entendido detalhadamente os mecanismos biológicos por trás desse transporte, os pesquisadores estimaram que cerca de 31 bilhões de fagos são absorvidos diariamente, em média, pelas pessoas! Isso explica porque eles podem ser encontrados navegando tranquilamente em ambientes tradicionalmente considerados estéreis, como o sangue, a linfa e os órgãos em geral.
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Mas se estamos inundados desses vírus, o que eles estariam fazendo dentro do corpo? Bem, outro estudo publicado este ano mostrou que quando células brancas (leucócitos, células de defesa do nosso corpo) pegas de pessoas saudáveis eram expostas a cinco diferentes espécies de fagos, as células produziam principalmente moléculas imunes conhecidas de reduzirem sintomas típicos de gripe e de inflamação. Em outra pesquisa também recente, foi mostrado que pessoas com duas condições autoimunes - diabetes tipo 1 e doença inflamatória do intestino - tinham um fageoma no intestino alterado.
Em outras palavras, esses vírus podem estar servindo de sinalizadores auxiliares do nosso sistema imune. Especula-se, com os novos achados, que o fageoma pode também alertar o sistema imune da presença de ameaçadores patógenos. Nessa linha de pensamento, uma infecção bacteriana traria uma onda de novos fagos para o corpo - em específico aqueles que se alimentam da bactéria invasora - e, de alguma forma, ativar uma resposta inflamatória alvejando o ataque bacteriano.
Apesar das células utilizadas no novo estudo estarem fora de um corpo vivo - in vitro - e algumas testadas serem provenientes de tumores - acarretando em limitações na pesquisa -, se essa nova hipótese desenhada for comprovada em estudos posteriores, no futuro podemos revolucionar a medicina ao utilizar esses gigantescos fluxos de fagos ao nosso favor.
*Na imagem de capa, temos uma bactéria (em laranja) sendo atacada por vários fagos (verde).
Publicação do estudo: mBio
Referências adicionais:
1. http://www.sciencemag.org/news/2017/11/does-sea-viruses-inside-our-body-help-keep-us-healthy
2. https://www.nature.com/scitable/definition/bacteriophage-phage-293
3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3278648/
Estudo mostra que um mar de vírus circulando pelo nosso corpo pode estar nos ajudando a ficar saudáveis
Reviewed by Saber Atualizado
on
novembro 22, 2017
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