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Cientistas estão alertando sobre um epidemia silenciosa de picadas de escorpião no Brasil

Figura 1. Escorpião-amarelo fêmea carregando os filhotes no dorso do corpo, onde ficam até desenvolverem maior mobilidade e um exoesqueleto mais rígido.


O escorpionismo, ou envenenamento por picada de escorpião, é um problema global que afeta diversas regiões do mundo, incluindo vários países na África, Ásia e América Latina. Nas Américas, Brasil, Paraguai, Bolívia, México, Guianas e Venezuela têm testemunhado um aumento particularmente alarmante de casos de escorpionismo nas últimas décadas, que se transformou em uma significativa crise de saúde pública. Esse aumento é impulsionado por uma complexa interação de fatores ambientais, sociais e biológicos. Notavelmente, o temido escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) se reproduz primariamente através de partenogênese, ou seja, sem necessidade de machos.


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A urbanização rápida e desordenada, especialmente em áreas com infraestrutura precária, saneamento inadequado e gestão inconsistente de resíduos, cria ambientes ideais para a proliferação de escorpiões. Essas condições oferecem abrigo abundante em entulhos, sistemas de esgoto e dentro de residências, aproximando humanos e escorpiões e aumentando a disponibilidade de presas para esses últimos (ex.: baratas). Além disso, as mudanças climáticas, marcadas por verões mais quentes e períodos alternados de chuvas intensas e secas, facilitam ainda mais a proliferação de populações de escorpiões, já que esses animais são altamente adaptados a ambientes quentes e úmidos.


Aqui no Brasil, aproximadamente 180 espécies de escorpiões são descritas, mas aqueles de maior importância médica e sinantrópicos pertencem ao gênero Tityus (família Buthidae): as espécies T. serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus, T. confluens e T. obscurus são capazes de causar sério envenenamento. Manifestações clínicas incluem:


- manifestações locais: dor, sensação de queimação, eritema, parestesia, edema e formigamento; 


- manifestações sistêmicas menores: agitação, cefaleia, náuseas, vômitos, sudorese, palidez doentia, salivação, sonolência/letargia, taquicardia, hipertensão, hipotermia, hipertermia, mioclonia, fasciculação, ataxia, distonia, miose e midríase; 


- e manifestações sistêmicas maiores: hipotensão, arritmia ventricular, bradicardia, colapso cardiovascular, cianose, dispneia, edema pulmonar, paralisia e escore de Glasgow < 6 (na ausência de sedação).

 

Figura 2. Principais espécies de escorpião de importância médica no Brasil. O tamanho desses aracnídeos variam de 4,5 cm até 10 cm. Ref.1

 

Figura 3. Escorpião fêmea da espécie Tityus serrulatus, no estado da Bahia, Brasil. Envenenamento em humanos por essa espécie varia de leve a severo, com alguns casos fatais. O veneno desse escorpião consiste predominantemente de proteínas curtas atuando como neurotoxinas (α e β)), agindo primariamente em canais de íons. Outros componentes do veneno também influenciam na severidade dos sintomas e na disseminação do veneno no corpo, incluindo proteases, fosfolipases e hialuronidases. A peçonha é usada para defesa e predação. Ref.2

 

Figura 4. De hábitos noturnos, o escorpião-amarelo (T. serrulatus) possui 5-7 cm quando adulto. Pelo menos em São Paulo, o pico de atividade desse escorpião é entre 18:00 e 20:00 h. O ferrão (A) fica no metassoma ("cauda"), a parte final do abdômen que contém parte do intestino e o telson, uma estrutura com glândulas de veneno. O nome "serrulatus" é derivado do termo "serrilha", fazendo referência à estrutura serrilhada em segmentos do metassoma (B), o qual é traço anatômico distintivo que caracteriza a espécie. Adaptado a ecossistemas tropicais e subtropicais no Brasil, esse escorpião parece ser nativo de Minas Gerais, com eventual dispersão para várias outras regiões do país. Ref.3-4

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> Cerca de 60% das espécies de escorpiões no Brasil pertencem ao gênero Tityus. O atual processo de aquecimento global - e as mudanças de precipitação e de temperatura resultantes - são esperadas de favorecer expansão significativa das espécies T. metuendus, T. obscurus, e T. silvestris no território brasileiro. Ref.5


> A espécie T. serratus pode sobreviver por até 400 dias sem alimento e se reproduzir mesmo após 209 dias de abstinência alimentar. Ref.5

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Crianças e idosos são especialmente vulneráveis à picada dos escorpiões devido à capacidade reduzida do corpo de resistir aos efeitos fulminantes e rápidos da peçonha. Nesse sentido, atenção médica imediata é importante e frequentemente inclui administração de soro escorpiônico e atendimento em unidade de tratamento intensivo (UTI).


Além da grande capacidade de adaptação aos centros urbanos e outros ambientes de ocupação humana, a maioria das populações da espécie T. serrulatus - o escorpião de maior preocupação médica no Brasil - se reproduz assexualmente, através de partenogênese (Ref.6). Machos parecem ser raros e quase todos os filhotes são clones das mães, se desenvolvendo a partir de embriões de ovos infertilizados. Nesse sentido, e considerando a alta taxa reprodutiva da espécie, uma única fêmea é capaz de iniciar uma colônia inteira em pouco tempo. De fato, partenogênese é considerado o principal fator favorecendo a expansão do T. serratus na América do Sul (Ref.7). E apesar da extensiva clonagem, existe evidência de significativa ocorrência de mutações resultando em subpopulações distintas com diferentes traços adaptativos (Ref.8). Outras espécies do gênero Tityus também se reproduzem através de partenogênese, como a T. stigmurus (Ref.9).


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Apesar da taxa de letalidade relativamente baixa do escorpionismo no Brasil, o número e a taxa de casos no país aumentaram drasticamente na última década. O escorpião-amarelo é responsável pelos casos mais graves de envenenamento e fatalidades, especialmente em crianças com menos de 10 anos de idade e em áreas com alta densidade populacional humana. A espécie é também a causa primária de escorpionismo no país e está presente em pelo menos 70% dos estados Brasileiros - e com maiores densidades em São Paulo e no norte do Paraná (Ref.10). Picadas são mais frequentes nas mãos e nos pés. 


Mais de 1,7 milhão de casos de escorpionismo e 1230 mortes associadas foram registradas no território brasileiro entre 2012 e 2024 (Ref.11). A região Sudeste é a mais afetada, seguida pela região Nordeste - e com ambas totalizando 87% dos casos e 86% das mortes. Os estados com o maior número de casos são Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Quase 37% das mortes ocorreram em crianças com idades de 0 a 9 anos. Durante a pandemia da COVID-19, houve uma queda do número de casos registrados - provavelmente devido às medidas de isolamento, sobrecarga dos hospitais e medo das pessoas de entrarem em ambientes hospitalares -, mas com um notável aumento a partir de 2022 (Fig.4). No período de 2012 até 2024, houve um aumento de 349% na taxa de incidência: 31,8 casos para cada 100 mil habitantes em 2012 e 142,8 casos para cada 100 mil habitantes em 2024.

  

Figura 4. Casos reportados e projetados de escorpionismo no Brasil. (A) Casos registrados entre 2014 e 2023, a partir do banco de dados do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). (B) Mais de 274 mil novos casos são estimados de ocorrer entre 2024 e 2033, um aumento de ~61% comparado com 2023. Ref.11-12

Notavelmente, todas as regiões do Brasil estão passando por esse aumento, com um acréscimo médio anual superior a 10 mil casos, o que reflete uma crise de saúde pública em rápida expansão. 


E os número oficiais podem estar muito subestimados, dificultando o combate do problema pelas autoridades de saúde no Brasil. 


Embora os casos pediátricos que requerem intervenção médica representem apenas uma pequena fração da população afetada, os casos em adultos, muitas vezes considerados leves devido à dor localizada que pode ser controlada com analgésicos, frequentemente não são relatados. Muitas vítimas optam por se automedicar em casa ou simplesmente não buscar tratamento, permitindo que a verdadeira extensão do escorpionismo permaneça elusiva.


O que fazer após uma picada de escorpião?


Primeiro: mantenha a calma, mas aja rapidamente. Se alguém for picado, não espere que os sintomas piorem - procure imediatamente o serviço de saúde mais próximo. No Brasil, o SUS oferece tratamento gratuito para picadas de escorpião, e o soro antiescorpiônico está disponível em hospitais de referência e centros de emergência em todo o país. O soro é mais eficaz quando administrado de forma precoce, principalmente em casos moderados a graves.


Em casa, não aplique torniquetes, não corte a ferida e não tente sugar o veneno. Esses métodos ultrapassados são ineficazes e potencialmente perigosos. Limpe a área com água e sabão, aplique uma compressa fria para aliviar a dor e procure um hospital o mais rápido possível.


Por fim, a prevenção é fundamental: os escorpiões prosperam em ambientes úmidos e desorganizados. Acúmulo de lixo também aumenta a disponibilidade de presas e abrigo para esses aracnídeos. Mantenha os ambientes limpos, vede rachaduras nas paredes, use telas nos ralos e sempre verifique sapatos, toalhas e roupas antes de usá-los.


Proteção ou uso de potenciais predadores naturais de escorpiões pode ser uma estratégia efetiva de controle biológico (Ref.13). Predadores do escorpião-amarelo comuns no Brasil incluem o sapo-cururu (Rhinella icterica), didelfiídeos (ex.: gambás) e certas aves como galinhas domésticas (Gallus gallus domesticus). Galinhas e sapos-cururus são vorazes predadores de escorpiões-amarelos e muito resistentes ao veneno desses aracnídeos.


          


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> O envenenamento por espécies de escorpiões é comum em regiões tropicais e subtropicais, representando aproximadamente 1,2 milhão de casos anualmente e resultando em mais de 2,6 mil mortes. Estima-se que 2,3 bilhões de pessoas vivam em áreas de risco de picadas de escorpião em todo o mundo, número que pode aumentar considerando o crescimento populacional humano, expansão urbana e a intensificação das mudanças climáticas. 


> A letalidade das picadas de escorpião deve-se à rápida distribuição tecidual das neurotoxinas, que têm como alvo canais de sódio, potássio, cloreto e cálcio, bem como receptores localizados em tecidos excitáveis e células imunes. 


> Os riscos médicos para os humanos são amplificados pela biologia dos escorpiões. A maioria das espécies é considerada oportunista, capaz de colonizar e se estabelecer em ambientes modificados por humanos (ex.: áreas urbanas), reproduzir-se rapidamente e sobreviver por longos períodos sem alimento.

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REFERÊNCIAS

  1. Guerra-Duarte et al. (2023). Scorpion envenomation in Brazil: Current scenario and perspectives for containing an increasing health problem. PLoS Neglected Tropical Diseases 17(2): e0011069. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0011069
  2. Oliveira et al. (2024). Understanding the complexity of Tityus serrulatus venom: A focus on high molecular weight components. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, 30. https://doi.org/10.1590/1678-9199-JVATITD-2023-0046
  3. Brites-Neto et al. (2022). Spatial Analysis in Areas with High Occurrence of Accidents Caused by Tityus serrulatus and Tityus bahiensis (Scorpiones: Buthidae) in Brazil. Wilderness & Environmental Medicine, Volume 34, Issue 1. https://doi.org/10.3389/fpubh.2025.1573767
  4. Brites-Neto et al. (2024). Activity pattern of Tityus serrulatus (Scorpiones: Buthidae) in an urban area in the state of São Paulo, Brazil. Medical and Veterinary Entomology, Volume 39, Issue 1, Pages 115-121. https://doi.org/10.1111/mve.12762
  5. Tizo-Pedroso et al. (2025). Climate change increases public health risks from Tityus scorpion stings in Brazil. Toxicon, Volume 258, 108326. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2025.108326
  6. Gracielle & Santos (2021). "Asexual reproduction in a sexual population of the Brazilian yellow scorpion (Tityus serrulatus, Buthidae) as evidence of facultative parthenogenesis," The Journal of Arachnology 49(2), 185-190. https://doi.org/10.1636/JoA-S-20-001
  7. Barrios-Montivero et al. (2025). The Ongoing Expansion of the Medically Important Scorpions in Southern South America. EcoHealth 22, 313–331. https://doi.org/10.1007/s10393-025-01722-0
  8. Lourenço, W. R. (2022). Back to Tityus serrulatus Lutz & Mello, 1922 (Scorpiones: Buthidae): new comments about an old species. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, 28. https://doi.org/10.1590/1678-9199-JVATITD-2022-0016
  9. Foerster et al. (2022). "New records of the not-so-rare males of the parthenogenetic scorpion Tityus stigmurus (Thorell, 1876) (Scorpiones: Buthidae)," The Journal of Arachnology 50(1), 27-29. https://doi.org/10.1636/JoA-S-21-009
  10. Goldoni et al. (2025). Under pressure: mapping the distribution of medically important Tityus Koch, 1836 (Buthidae) scorpions in Brazil using a century of Instituto Butantan records. Toxicon, Volume 268, 108627. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2025.108627
  11. Pucca et al. (2025). Scorpions are taking over: the silent and escalating public health crisis in Brazil. Frontiers in Public Health, Volume 13. https://doi.org/10.3389/fpubh.2025.1573767
  12. Lacerda et al. (2025). Scorpionism in Brazil: Space-time approach and risk areas in 2012 to 2024. PLoS Neglected Tropical Diseases, 19(10): e0013602. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0013602
  13. Murayama et al. (2022). Voracity, reaction to stings, and survival of domestic hens when feeding on the yellow scorpion (Tityus serrulatus). Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, 28. https://doi.org/10.1590/1678-9199-JVATITD-2021-0050
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