Lula colossal é filmada no seu habitat natural pela primeira vez
![]() |
Figura 1. Ilustração de uma lula colossal adulta. |
Há mais de 100 anos cientistas vêm vasculhando as profundezas dos mares em busca do invertebrado com o maior porte corporal conhecido: uma lula que pode alcançar 7 metros de comprimento e uma massa de até 500 kg (1). Conhecida popularmente como "lula colossal", a espécie Mesonychoteuthis hamiltoni é um enigmático cefalópode marinho que habita grandes profundidades oceânicas - geralmente abaixo de 1000 m (2) - e apenas raramente observado vivo. E, até o momento, não tínhamos nenhum registro em vídeo desse animal no seu habitat natural. Essa frustração foi recentemente resolvida: no dia 9 de março, durante uma expedição de pesquisa no Oceano Atlântico Sul, cientistas conseguiram finalmente filmar uma lula colossal viva e em seu habitat natural, a 600 metros de profundidade. No caso, uma lula colossal bebê, com apenas 30 cm de comprimento. A confirmação da espécie foi anunciada ontem, em uma conferência da Universidade de Auckaland, Nova Zelândia (Ref.1).
Leitura recomendada:
- (1) Qual é a verdade sobre o "animal mais longo da Terra"?
- (2) Por que não existem peixes marinhos vivendo em profundidades abaixo de 8400 metros?
A lula colossal foi primeiro descrita em 1925, a partir de fragmentos obtidos no conteúdo estomacal de uma cachalote. Esse molusco pertence à família Cranchiidae, mas, diferente dos outros membros de pequeno a médio porte desse grupo, evoluiu gigantismo: manto com comprimento de até 2,5 m, comprimento total de 6-7 m e recorde de massa de 495 kg (Ref.7). Além disso, junto com a lula gigante, a lula colossal possui os maiores olhos conhecidos (Fig.2). Indivíduos juvenis com menos de 4 cm de comprimento tem sido observados em sua maioria entre a superfície e 500 m de profundidade - sugerindo que exploram águas superficiais para posterior migração para águas mais profundas (até ~2000 m) em estágios juvenis mais avançados. Nesse último ponto, é especulado que passam a maior parte da vida em zonas meso- e batipelágicas do Oceano Sul (3). Porém, considerando que algumas fêmeas têm sido historicamente capturadas acidentalmente por embarcações pesqueiras, é provável que a espécie migra até a superfície para desovar. Os ovos são muito pequenos (~3 mm).
Partes não digestíveis das lulas colossais (bicos, ganchos tentaculares e/ou anéis de sucção) têm sido encontradas na cavidade estomacal de vários predadores marinhos, desde aves e peixes até cetáceos. Os maiores predadores da lula colossal são as cachalotes (Physeter macrocephalus) e tubarões da família Somniosidae. Nas águas Antárticas, as cachalotes parecem ser o único principal predador que caça lulas colossais adultas e saudáveis, consumindo em torno de 9 milhões de toneladas desses moluscos anualmente (Ref.7). Aliás, extensas e características cicatrizes na cabeça das cachalotes parecem ser resultantes da interação desses cetáceos com as lulas colossais e gigantes (4).
As lulas colossais também são predadores, mas ainda é incerta a dieta padrão desses animais. É sugerido que se alimentam de peixes mictofídeos, merluza-negra (Dissostichus eleginoides), tubarões e outras lulas. A dieta parece ser constituída primariamente de peixes mesopelágicos (Ref.7). Devido ao grande porte, é especulado que sejam predadores pouco ativos, capturando presas de forma oportunista ou através de emboscada.
Leitura recomendada:
O primeiro registro em vídeo de uma lula colossal em seu habitat natural foi resultado de uma expedição científica conduzida pelo Instituto Oceânico Schmidt, a bordo da embarcação R/V Falkor. A filmagem foi feita quando a embarcação parou próximo das Ilhas Sanduíche do Sul, no extremo sul do Atlântico, e empregou um veículo submarino remotamente controlado para explorar águas em uma profundidade de 600 m.
O espécime juvenil registrado possuía ~30 cm de comprimento e seu corpo era amplamente translúcido - e se tornará progressivamente avermelhado e opaco ao longo do crescimento até a fase adulta. Lulas colossais juvenis exibem grande similaridade com outros membros da família Cranchiidae.
E, aparentemente, o espécime juvenil gravado também exibe bioluminescência. Bio-produção de luz (bioluminescência) é comum em cefalópodes (>30% das espécies conhecidas) e geralmente ocorre em órgãos especializados chamados de fotóforos - através de reações químicas endógenas ou via relação simbiótica com bactérias bioluminescentes (Ref.).
REFERÊNCIAS
- https://www.science.org/content/article/colossal-squid-filmed-its-natural-habitat-first-time
- Nisson et al. (2012). A Unique Advantage for Giant Eyes in Giant Squid. Current Biology, Volume 22, Issue 8, P683-688. https://doi.org/10.1016/j.cub.2012.02.031
- Paxton, C. G. M. (2016). Unleashing the Kraken: on the maximum length in giant squid (Architeuthissp.). Journal of Zoology, 300(2), 82–88. https://doi.org/10.1111/jzo.12347
- Fonseca et al. (2020). A draft genome sequence of the elusive giant squid, Architeuthis dux, GigaScience, Volume 9, Issue 1, giz152. https://doi.org/10.1093/gigascience/giz152
- https://www.flickr.com/photos/galaxyfm/405110221/in/photostream/
- Rosa et al. (2017). Biology and ecology of the world’s largest invertebrate, the colossal squid (Mesonychoteuthis hamiltoni): a short review. Polar Biology, 40(9), 1871–1883. https://doi.org/10.1007/s00300-017-2104-5
- Laptikhovsky et al. (2019). Distribution and biology of the colossal squid, Mesonychoteuthis hamiltoni: New data from depredation in toothfish fisheries and sperm whale stomach contents. Deep Sea Research Part I: Oceanographic Research Papers, Volume 147, Pages 121-127. https://doi.org/10.1016/j.dsr.2019.04.008
- Otjacques et al. (2023). Bioluminescence in cephalopods: biodiversity, biogeography and research trends. Frontiers in Marine Science, Volume 10. https://doi.org/10.3389/fmars.2023.1161049
