Adoçante artificial confunde o cérebro e pode aumentar o apetite, alerta estudo
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Figura 1. Estrutura molecular da sucralose. A molécula é basicamente uma sacarose modificada, onde grupos hidroxilas são substituídos por radicais cloro, mas ~600x mais doce. |
De Coca-Cola Zero até preparação de um café, adoçantes artificiais livres de calorias são amplamente usados para adoçar bebidas e alimentos diversos, com a promessa principal de não comprometer dietas de restrição calórica e ajudar no emagrecimento. Mas essa promessa possui sólido suporte científico? Um estudo publicado no periódico Nature Metabolism (Ref.1) apontou que a sucralose, um adoçante artificial de uso comum, altera e aumenta a atividade do hipotálamo e sua comunicação com outras regiões do cérebro envolvidas com o apetite, falhando em reduzir o apetite e potencialmente fazendo com que a pessoa fique ainda mais faminta. O efeito parece ser mais pronunciado em mulheres e pessoas com obesidade. Os achados corroboram evidências epidemiológicas e experimentais prévias ligando consumo de edulcorantes com maior apetite e maior risco de obesidade.
"Se o corpo está esperando uma caloria por causa do gosto doce, mas não ganha a caloria esperada, isso pode mudar ao longo do tempo o modo como o cérebro é programado em termos de desejo alimentar," disse em entrevista a pesquisadora Kathleen Alanna, especialista em endocrinologia e diabetes na Universidade da Califórnia do Sul, EUA, e autora do novo estudo (Ref.2). "Sucralose ativa a área no cérebro que regula a fome, e essa ativação, por sua vez, está ligada a uma maior sensação de fome."
Edulcorantes, também conhecidos como adoçantes não calóricos, são uma alternativa muito popular ao uso de açúcar comum (sacarose) e de xaropes ricos em frutose e glicose, açúcares simples muito calóricos, altamente glicêmicos e amplamente usados como adoçantes na indústria de alimentos e no cotidiano das pessoas. Além de contribuir para um substancial ganho extra de calorias - e consequentemente favorecendo o acúmulo de massa adiposa (gordura) no corpo -, a sacarose e a glicose causam um aumento na secreção de insulina a partir do pâncreas que pode resultar em problemas diversos de saúde a longo prazo no contexto de consumo excessivo, como diabetes tipo 2.
Entre edulcorantes comumente usados temos a sacarina, aspartame, acessulfame, sucralose, estévia, xilitol e eritritol. Esses compostos orgânicos ativam fortemente receptores gustativos para o doce e são percebidos centenas a milhares de vezes mais doces do que o açúcar. O primeiro adoçante artificial comercializado foi a sacarina (Fig.2), aprovada em 1970 pela Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA). A sacarina é aproximadamente 300 vezes mais doce do que a sacarose e limite máximo de consumo é determinado em 5 mg/kg/dia. Essa substância foi descoberta por acaso por dois químicos no início do século XIX, em um laboratório do John Hopkins. Famosamente o presidente dos EUA Theodore Roosevelt - sob recomendação do seu médico particular - usava a sacarina para o tratamento da sua obesidade e chegou a declarar que qualquer um que duvidasse da segurança dessa substância é "um idiota".
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> Edulcorantes são uma classe de aditivos químicos que conferem sabor doce em alimentos e bebidas ultraprocessadas, e podem ser utilizadas em substituição aos açúcares.
> Edulcorantes podem ser classificados em artificiais ou sintéticos, quando produzidos em laboratório, e naturais, quando extraídos diretamente de plantas. Edulcorantes artificiais incluem aspartame, sacarina, sucralose, neotame, acesulfame-K, sorbitol, entre outros. Edulcorantes naturais são principalmente representados pelos esteviosídeos (estévia), extraídos da Stevia rebaudiana, mas também incluem xilitol, extrato de agave, entre outros.
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Mas será que a redução calórica (fator termodinâmico) e de glicose extra na circulação sanguínea (fator glicêmico) são suficientes para reduzir danos à saúde e o acúmulo adiposo no corpo com a substituição de açúcar por edulcorantes? Certamente existem benefícios para o uso dessas substâncias (ex.: indivíduos com diabetes e redução no risco de cáries), mas potenciais efeitos adversos têm sido pouco esclarecidos. A maior preocupação recai para o consumo excessivo desses compostos sob a falsa ideia de total segurança.
Um número de estudos publicados nos últimos anos têm encontrado evidência de que o uso crônico de edulcorantes pode causar alterações deletérias no sistema endócrino, cardiovascular, no microbioma intestinal e no controle neurohormonal de saciedade (Ref.3-6). Nesse último ponto, crescente evidência sugere que essas substâncias podem causar disrupção em sinalizações cerebrais controlando o apetite, aumentando a sensação de fome e o consumo alimentar. Por outro lado, existem estudos clínicos e de revisão conflitantes ou céticos com esses achados (Ref.7-8).
É também muito debatido os efeitos glicêmicos dos adoçantes em relação à resposta da insulina. Em experimentos com camundongos e macacos, o consumo de aspartame já mostrou aumentar de forma significativa o nível de insulina circulante, resultando em efeitos inflamatórios em vasos sanguíneos (Ref.9). Receptores gustativos para o doce não estão presentes apenas na cavidade oral, mas também ao longo do trato gastrointestinal, e parecem induzir em alguma extensão - através de ativação parassimpática - a produção de insulina quando sensibilizados, independentemente do nível de glicose no sangue.
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> Aspartame é aproximadamente 200 vezes mais doce do que a sacarose e seu valor calórico é quase zero quando adicionado em bebidas e alimentos. O consumo diário máximo recomendado dessa substância é de 40-50 mg/kg. Consumo excessivo desse adoçante tem sido associado a vários problemas de saúde, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, câncer (!), doença cardiovascular, alergias, transtornos neurológicos e transtornos comportamentais.
(!) Leitura recomendada: Aspartame é cancerígeno?
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Por outro lado, estudos clínicos de pequeno porte em humanos - envolvendo adultos saudáveis - têm falhado em encontrar um aumento significativo na produção de insulina após o consumo de sacarina e outros adoçantes artificiais, pelo menos a curto prazo (Ref.10-11).
Sucralose e Saciedade
No novo estudo, pesquisadores desenharam um experimento randomizado para analisar como o consumo de sucralose altera a atividade cerebral, níveis hormonais e sensação de fome. Estudos prévios - a maioria envolvendo modelos de animais não-humanos e análises observacionais a nível populacional - têm sugerido uma ligação entre adoçantes não-nutritivos e obesidade, mas sem mostrar diretamente como essas substâncias afetam fome em humanos.
O experimento incluiu 75 adultos jovens com diferentes status de massa corporal (peso saudável, sobrepeso e obesidade). Metade era do sexo feminino e metade era do sexo masculino. Em três visitas separadas ao laboratório, cada participante foi aleatoriamente pedido para consumir 300 mL de: água, bebida adoçada com sacarose (75 g) ou bebida adoçada com sucralose. Em cada visita ao laboratório, antes e após o consumo de uma das três opções de bebidas, os participantes eram submetidos a escaneamento cerebral e amostras sanguíneas eram coletadas. Os pesquisadores também pediam para os participantes pontuarem o nível de fome antes e após o consumo das bebidas.
Comparado ao consumo de bebida açucarada, o consumo de bebida com sucralose aumentava a atividade cerebral no hipotálamo [evidenciado por maior fluxo sanguíneo nessa região] e aumentava a sensação de fome em quase 20%. Comparado ao consumo de água, sucralose aumentava a atividade hipotalâmica, mas não mudava a sensação de fome. Esses efeitos mostraram ser mais intensos em pessoas obesas, indicando uma potencial relação entre obesidade e maior sensibilidade hipotalâmica ao gosto doce.
Os pesquisadores também usaram ressonância magnética cerebral funcional (fMRI) para investigar conectividade funcional no cérebro, no sentido de esclarecer como diferentes regiões do cérebro estão comunicando entre si. O consumo de sucralose mostrou aumentar a conectividade entre o hipotálamo e várias áreas do cérebro envolvidas em motivação e processamento sensorial - incluindo o córtex cingulado anterior, que atua em tomadas de decisão. Isso aponta que a sucralose pode impactar comportamentos e desejos alimentares, causando disrupção em mecanismos críticos no hipotálamo responsáveis pela regulação de apetite.
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> O hipotálamo atua de forma crucial na regulação metabólica homeostática e do apetite. A conectividade funcional entre o hipotálamo e outras áreas do cérebro coordena o balanço homeostático de energia.
> Aumento na atividade hipotalâmica está associada com aumento da fome, enquanto redução de atividade está associada com efeito oposto.
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Maior mudança na atividade cerebral foi observada nos participantes do sexo feminino em resposta ao consumo de sucralose: duas vezes maior atividade no hipotálamo lateral - um centro ligado à percepção gustativa e ao apetite - do que indivíduos do sexo masculino.
E, como esperado, o consumo de açúcar mostrou amentar o nível de glicose no sangue e de hormônios responsável por regular a glicemia, incluindo insulina e o peptídeo similar ao glucagon 1 (GLP-1). Já o consumo de sucralose não mostrou ter efeitos sobre os níveis desses hormônios.
Uma elevação na glicose sanguínea mostrou estar inversamente ligada à atividade hipotalâmica, especialmente no hipotálamo medial. Curiosamente, indivíduos com obesidade exibiram respostas mais fracas nesse contexto, sugerindo disrupção nos caminhos de sinalização cerebral envolvendo glicose - possivelmente explicando por que pessoas obesas têm maior dificuldade em parar o consumo alimentar.
Os achados reforçam que o corpo usa glicose e os hormônios insulina e GLP-1 para informar ao cérebro que o indivíduo consumiu efetivamente calorias, com subsequente redução na fome. Como a sucralose não influencia significativamente nesses hormônios após o consumo, esse feedback não ocorre, mantendo ou potencialmente exacerbando o estado de fome. Ou seja, o cérebro não é enganado em termos de saciedade, mas fica confuso e potencialmente mais faminto - e pode talvez mandar sinalização para o indivíduo comer mais. E a pergunta que fica: a longo prazo essa confusão pode favorecer obesidade?
Em experimentos prévios explorando roedores, resultados têm apontado que adoçantes não-nutritivos estimulam fome ao interferir com respostas convencionais para o gosto doce e sinalização nutricional que ocorrem com o açúcar comum. E estudos epidemiológicos em humanos têm ligado o consumo de adoçantes não-nutritivos com ganho de peso, obesidade e diabetes tipo 2.
Na prática, uma pessoa pode não resolver a fome ou ficar mais faminta após beber um refrigerante zero-caloria, potencialmente dificultando esforços de emagrecimento. Em indivíduos sob dieta de restrição calórica, o uso de adoçantes não-nutritivos precisa talvez ser melhor planejado.
E em crianças e adolescentes com o cérebro em desenvolvimento e sob risco de obesidade: será que o cérebro fica ainda mais vulnerável à disrupção causada pelo consumo de adoçantes não-nutritivos? Os autores do novo estudo estão já planejando investigar a questão com um experimento similar envolvendo indivíduos com menos de 18 anos.
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> Em 2023 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma diretriz recomendando que os edulcorantes não sejam utilizadas com a finalidade de controle de peso e/ou redução do risco de doenças crônicas como, por exemplo, o diabetes. A recomendação foi baseada em um estudo de revisão sistemática que não encontrou benefício de longo prazo no uso dessas substância na redução de gordura corporal em adultos e crianças, além de possível aumento de risco para mortalidade e doenças como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Ref.13
> O ideal é limitar ao máximo possível o consumo de alimentos e bebidas muito doces, priorizando nesse contexto alimentos naturalmente adocicados (ex.: frutas, mel, etc.).
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REFERÊNCIAS
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- https://keck.usc.edu/news/calorie-free-sweeteners-can-disrupt-the-brains-appetite-signals/
- Christofides, E. A. (2021). POINT: Artificial Sweeteners and Obesity—Not the Solution and Potentially a Problem. Endocrine Practice, Volume 27, Issue 10, Pages 1052-1055. https://doi.org/10.1016/j.eprac.2021.08.001
- Iizuka, K. (2022). Is the Use of Artificial Sweeteners Beneficial for Patients with Diabetes Mellitus? The Advantages and Disadvantages of Artificial Sweeteners. Nutrients 14(21), 4446. https://doi.org/10.3390/nu14214446
- Kossiva et al. (2024). Chronic Use of Artificial Sweeteners: Pros and Cons. Nutrients, 16(18), 3162. https://doi.org/10.3390/nu16183162
- Shi et al. (2025). Sweeteners in Diabetes and Blood Glucose Management: Advances, Challenges, and Trends in the Food Industry. Food Revies International. https://doi.org/10.1080/87559129.2025.2476153
- Mathur & Bakshi (2024). Effect of non-nutritive sweeteners on insulin regulation, glycemic response, appetite and weight management: a systematic review. Nutrition & Food Science, Volume 54, Issue 1.
- Angelin et al. (2024). Artificial sweeteners and their implications in diabetes: a review. Frontiers in Nutrition,Volume 11. https://doi.org/10.3389/fnut.2024.1411560
- Wu et al. (2025). Sweetener aspartame aggravates atherosclerosis through insulin-triggered inflammation. Cell Metabolism. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2025.01.006
- Gümüş et al. (2022). Effect of saccharin, a non-nutritive sweeteners, on insulin and blood glucose levels in healthy young men: A crossover trial. Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research & Reviews, Volume 16, Issue 6, 102500. https://doi.org/10.1016/j.dsx.2022.102500
- Orku et al. (2023). The effect of regular consumption of four low- or no-calorie sweeteners on glycemic response in healthy women: A randomized controlled trial. Nutrition, Volume 106, 111885. https://doi.org/10.1016/j.nut.2022.111885
- https://www.eufic.org/en/whats-in-food/article/what-is-glucose-fructose-syrup-qa
- https://www.who.int/publications/i/item/9789240073616
- https://edition.cnn.com/2025/03/29/health/artificial-sweetener-sucralose-hunger-signals-wellness/index.html
- https://www.fda.gov/food/food-additives-petitions/aspartame-and-other-sweeteners-food
