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Terapia gênica melhora em até 10000x a visão de pacientes com rara doença congênita

Figura 1. Ilustração de uma injeção subretinal entregando o vetor da terapia gênica.

Pacientes tiveram melhora de ~100x na visão após receberem terapia gênica para tratamento de uma rara doença congênita que deteriora dramaticamente a visão. Em pacientes que receberam maior dose da terapia, melhora de até 10000x na visão foi observada. Os resultados foram divulgados em um estudo publicado no The Lancet (Ref.1). Um total de 15 pessoas participaram do estudo clínico de Fase 1/2, incluindo três pacientes pediátricos. Os participantes possuíam uma doença chamada de amaurose congênita de Leber (ACL).


"A melhora de 10000x é compatível ao paciente ser agora capaz de ver seus arredores em um ambiente externo à noite iluminado pela luz da lua, antes apenas possível com forte iluminação em ambiente interno," disse em entrevista o autor principal do novo estudo, Dr. Artur Cideciyan (Ref.2). "Um paciente reportou que pela primeira vez conseguiu se locomover sem ajuda à meia-noite e em ambiente externo apenas com a luz de uma fogueira."


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A ACL, também conhecida como neuropatia óptica hereditária de Leber, é caracterizada por uma das formas mais graves de distrofia da retina com início na infância. Mesmo sendo primeiro descrita em 1869, é ainda pouco conhecida por profissionais de saúde e da educação. Os achados clássicos são deficiência visual grave e precoce, nistagmo e eletrorretinograma (ERG) anormal ou não detectável.


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> As distrofias retinianas são um grupo de doenças hereditárias que se caracterizam por importante disfunção dos fotorreceptores e degeneração de células da retina.

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A ACL é uma doença genética herdada de forma autossômica recessiva na maioria dos casos e apresenta heterogeneidade genética. A incidência entre a população geral é estimada em apenas três por 100 mil nascimentos, com frequência aproximada de um em 50 mil na Europa e América do Norte.


As primeiras alterações podem ser observadas nos primeiros meses de vida com deficiência no reflexo pupilar e nistagmo. Durante o curso da doença, é observada uma evolução para deficiência visual grave; também podem ser encontradas lesões do epitélio pigmentado, estreitamento dos vasos sanguíneos e atrofia do nervo óptico.


Após suspeita clínica, o diagnóstico pode ser confirmado por exames oftalmológicos, como a eletrorretinografia de campo total, com resultado anormal ou não detectável. Para chegar ao diagnóstico definitivo, é necessário recorrer a testes genéticos para identificar o gene e a respectiva mutação. Atualmente, pouco mais de 20 genes já foram relacionados com a ACL. 


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RELATO DE CASO (exemplo): Paciente do sexo masculino, 28 anos de idade, apresentou os primeiros sinais de comprometimento visual aos 6 meses de vida, após os pais observarem um olhar fixo para pontos luminosos e baixa interação em locais de pouca luminosidade. Apresentou acentuado declínio visual a partir dos 15 anos de idade, com cegueira noturna, baixo nível de detalhamento visual, fotofobia e nistagmo. O diagnóstico de ACL foi confirmado a partir dos exames oftalmológicos ERG e tomografia de coerência óptica (OCT) aos 18 anos de idade. A ERG evidenciou ausência de respostas registráveis no estímulo escotópico, fotópico e potencial oscilatório. Era considerável a redução nos estímulos fotópico 0 dB e fotópico flicker 30Hz. Ref.4

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Um exemplo de gene relacionado à doença é o LRAT (lecithin retinol acyl-transferase), que expressa a enzima que converte a vitamina A (all-trans-retinol) em ésteres de retinil, retirando o retinol da circulação para locais de armazenamento, como o epitélio pigmentar da retina. Mutações nesse gene resultam num défice de 11-cis-retinal e reduzem os níveis de pigmento visual funcional. Isso leva à perda de fotorreceptores, com degeneração dos cones a ocorrer rapidamente e a degeneração dos bastonetes mais lentamente. Mutações no gene LRAT são encontradas em aproximadamente 1 a 2% dos casos de ACL.


A principal forma de tratamento é o suporte, que inclui a correção do erro de refração e o uso de auxiliares de baixa visão. Óculos fornecem benefício limitado a esses pacientes porque corrigem apenas anormalidades na habilidade óptica de foco dos olhos, sendo incapaz de consertar outros defeitos (ex.: deficiências proteicas na retina que caracterizam a ACL). Como a ACL não tem cura e é caracterizada pela perda progressiva da visão, a avaliação oftálmica periódica e da presença de ambliopia, glaucoma ou catarata deve ser assegurada.


Nos últimos anos, pesquisas de terapia gênica para tratamento da ACL vêm crescendo e, no ano de 2017, foi aprovado o Voretigene Nepavoreque (VN) (Luxturna®, Novartis) pela Food and Drug Administration (FDA), a primeira terapia gênica para tratar a ACL; em 2020, o Luxturna® foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil. A terapia é utilizada em pacientes com mutação bialélica (homozigoto) para o gene RPE65 e tem demonstrado efeitos positivos na visão dos pacientes.


Sugestão de leitura


A terapia gênica ou genética envolve a modificação genética de células como forma de tratar doenças. Uma das técnicas mais amplamente utilizada consiste na tecnologia do DNA recombinante, na qual o gene de interesse ou saudável é inserido em um vetor, que pode ser plasmídial, nanoestruturado ou viral, sendo este último o mais utilizado, por sua eficiência em invadir células e nelas introduzir seu material genético. 


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No novo estudo clínico, os pacientes recrutados possuíam ACL causada por mutações no gene GUCY2D, este o qual é essencial na produção de uma proteína (RETGC-1) crítica para a visão. A condição em específico afeta menos de 100 mil pessoas ao redor do mundo, é responsável por até 20% dos casos, e é abreviada como ACL1. A ACL1 é uma das formas mais severas de ACL e causa significativa quantidade de deficiência na função visual tão cedo quanto na infância.


Todos os participantes tinham severa perda de visão com a melhor medida desse sentido sendo igual ou pior a 20/80 - significando que se uma pessoa com visão normal pode ver um objeto claramente a ~24 metros, a pessoa com problema visual precisa estar a ~6 metros do objeto para enxergá-lo claramente. 


O estudo clínico avaliou diferentes níveis de dosagem da terapia gênica testada (ATSN-101), a qual foi adaptada do AAV5 e cirurgicamente injetada na retina dos pacientes. Três diferentes doses de injeção subretinal foram usadas: baixa, média e alta. Um segundo estágio do estudo envolveu apenas a administração de doses de alto nível. Rígidos protocolos de segurança foram adotados para evitar potenciais danos na estrutura ocular dos pacientes.


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> ATSN-101 é um vetor recombinante adeno-associado serotipo 5 (AAV5) contendo o cDNA humano GUCY2D sob o controle transcricional do promotor quinase rodopsina humana (hGRK1). Basicamente, um vírus modificado para carregar e entregar intracelularmente - e com segurança - o gene normal GUCY2D, através de injeção no tecido ocular.

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Melhoras na visão foram notadas rapidamente, frequentemente dentro do primeiro mês após a terapia ter sido aplicada, e durando por pelo menos 12 meses (período de acompanhamento do estudo). Monitoramento dos pacientes continua. Testes de visão em ambiente escuro foram conduzidos e, de nove pacientes que receberam a dosagem máxima da terapia, dois tiveram uma melhora de 10000x na visão.


Figura 2. Imagens via FAF (à esquerda) e OCT (à direita; linha horizontal através da fóvea) mostrando mudanças na retina de um paciente que recebeu uma alta dose de ATSN-101 antes e 12 meses após o tratamento. Esse paciente mostrou a melhor melhora no teste de FST - uma medida do menor nível de luz que pode ser percebido - entre os participantes após 1 ano: +46·5 dB (branco escuro-adaptado). Ref.1

O tratamento mostrou-se seguro. Efeitos adversos reportados foram ou leves (91%) ou moderados (9%) em severidade. Estudos clínicos randomizados e placebo-controlados de maior porte são agora necessários para melhor esclarecer a eficácia do tratamento.


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> Resultados de terapia via edição genética com CRISPR-Cas9, divulgados no início deste ano, também foram positivos para o tratamento de outra forma de LCA associada a mutações no gene CEP290. Ref.4

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REFERÊNCIAS

  1. Yang et al. (2024). Safety and efficacy of ATSN-101 in patients with Leber congenital amaurosis caused by biallelic mutations in GUCY2D: a phase 1/2, multicentre, open-label, unilateral dose escalation study. The Lancet, Volume 404, Issue 10456, P962-970. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(24)01447-8 
  2. https://www.pennmedicine.org/news/news-releases/2024/september/improvement-in-sight-seen-after-gene-therapy-trial
  3. Silva, B. O. (2023). Principais achados em um paciente com diagnóstico de Amaurose Congênita de Leber. Revista Brasileira de Oftalmologia, 82. https://doi.org/10.37039/1982.8551.20230010
  4. https://www.pennmedicine.org/news/news-releases/2024/may/gene-editing-improves-sight-in-children-treated-for-blindness

Terapia gênica melhora em até 10000x a visão de pacientes com rara doença congênita Terapia gênica melhora em até 10000x a visão de pacientes com rara doença congênita Reviewed by Saber Atualizado on setembro 06, 2024 Rating: 5

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