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Colapso populacional de abutres na Índia levou à morte de >500 mil pessoas no país ao longo de 5 anos, aponta estudo

Figura 1. Na foto, abutres de seis espécies (Gyps indicus, Gyps bengalensis, Gyps fulvus, Gyps himaleyensis, Aegypius monachus e Neophron percnopterusdo) se alimentando em Jodhpur, no oeste de Rajasthan, Índia. Foto: A. k. Chhangani, 2008

 
Estamos atualmente testemunhando o sexto processo de extinção em massa na história da Terra, marcado pela influência das atividades humanas. Desde 1900, 477 espécies de vertebrados se tornaram globalmente extintas no meio selvagem, a uma taxa ~100 vezes maior do que o nível estimado nos cinco últimos eventos de extinção em massa. E extinções locais são ainda mais comuns, ou seja, quando certas espécies deixam de existir em uma determinada região mas persistindo em outras. E muito antes da extinção local, dramáticos declínios populacionais de espécies podem causar extinção funcional, quando dada espécie não mais consegue exercer seu papel no ecossistema.


Nesse último cenário, extinção funcional afetou múltiplas espécies de abutres no sul da Ásia, especialmente na Índia, ao longo da década de 1990, devido ao amplo uso veterinário do medicamento diclofenaco - altamente tóxico para essas aves. E, segundo análise de um robusto estudo já disponível e que será publicado em breve no periódico American Economic Review (Ref.1-2), o dramático declínio populacional de abutres na Índia (>95% nas principais espécies) causou a morte de mais de meio milhão de pessoas no país em um período de 5 anos e um dano econômico anual equivalente a quase US$70 bilhões.


"Esse paper será um clássico no campo," disse Atheendar Venkataramani, um economista de saúde na Universidade de Pennsylvania que não estava envolvido no estudo, em entrevista à Science (Ref.3). "Vai gerar um monte de nova ciência."


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ABUTRES E SAÚDE PÚBLICA


Abutres - comumente conhecidos como urubus e condores - são aves planadoras, necrófagas e com hábitos alimentares saprófagos, onde a dieta é obrigatoriamente constituída por carcaças de animais vertebrados em diferentes estágios de putrefação. Existem atualmente 23 espécies de abutres habitando biomas diversos, desde a floresta Amazônica e savanas no Leste da África até o Deserto do Saara e altas altitudes nos Himalaias. Essas aves são agrupadas em dois grandes grupos que aparentemente evoluíram o hábito necrófago de forma independente: abutres do Velho Mundo (Accipitridae) e abutres do Novo Mundo (Cathartidae).


A família Cathartidae compreende aves de médio a grande porte (56-134 cm / 850 g - 15 kg) distribuídas em cinco gêneros e sete espécies descritas (Coragyps atratus, Cathartes aura, C. burrovianus, C. melambrotus, Sarcorhampus papa, Vultur gryphus e Gymnogyps californianus). Essas aves possuem distribuição geográfica exclusiva do continente Americano, desde o sul do Canadá até à Terra do Fogo (arquipélago situado na extremidade da América do Sul). Possuem diversas características únicas entre as aves devido a adaptações para seus hábitos alimentares saprófagos. Entre os traços adaptativos destacam-se: 


- bicos e pés fortes utilizados na dilaceração de carcaças;


- cabeça e pescoço desprovidos de penas que evitam o acúmulo de matéria orgânica em decomposição nessas regiões, e também cumprindo importante função de termorregulação;


- e espesso colar de penas no pescoço que evita a passagem de líquidos provenientes da dieta às outras partes do corpo. 


  
Figura 2. Abutre da espécie Coragyps atratus, popularmente conhecida como urubu-de-cabeça-preta. É a espécie mais abundante e comum da família Cathartidae, e frequentemente estão associados a áreas urbanas, onde se beneficiam de dejetos, lixões e aterros sanitários. 

 

Figura 3. Abutre da espécie Vultur gryphus, popularmente conhecido como condor-dos-Andes. Na foto, temos um adulto macho, caracterizado pela crista carnosa acima do bico que é ausente na fêmea. É uma das maiores e mais massivas aves voadoras, com asas alcançando 3,2 metros de envergadura e massa corporal de 11-15 kg. É o maior animal carniceiro da América do Sul. Quase 50% da população dessa espécie habita o Chile e a Argentina.

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> Abutres evoluíram típico grande por corporal no sentido de permitir suficiente reserva de energia para cobrir vastas distâncias na busca por alimento (carcaças), às vezes totalizando centenas de quilômetros quadrados. Os abutres localizam potencial alimento com a visão e - no caso dos catartídeos - o olfato, e quando um abutre encontra uma carcaça e começa a circulá-la, outros abutres são alertados, e começam também a circulá-la em bando. Abutres do gênero Cathartes, em particular, possuem um aguçado olfato, e conseguem localizar carcaça mesmo sob densas coberturas de vegetação ou folhagem no solo. Abutres em geral são sinalizadores para animais diversos que exploram carcaças, como chacais e hienas.


> A família Cathartidae possui um rico registro fóssil e inclui muitos gêneros extintos, indicando que essas aves eram muito mais diversificadas e abundantes no passado. 


Existem cinco espécies de abutres que ocorrem naturalmente no no Brasil: Cathartes aura (urubu-de-cabeça-vermelha), Cathartes burrovianus (urubu-de-cabeça-amarela), Cathartes melambrotus (urubu-da-mata), Coragyps atratus (urubu-de-cabeça-preta) e Sarcoramphus papa (urubu-rei). Ref.


> A cabeça e o pescoço "pelados" dos abutres parece ter função primária de termorregulação. Ao mudar de postura, essas aves pode expor ou cobrir grandes áreas de pele com as penas na região emplumada do pescoço, permitindo maior ou menor troca de calor com o ambiente. Existem genes associados com a produção de inseticidas e antiparasíticos na pele facial de abutres, suportando também pressão seletiva para mecanismos contra patógenos e parasitas nessa região pelada. Ref.4 


> Um curioso traço de adaptação térmica dos catartídeos é a habilidade de urinar e defecar sobre as pernas, fornecendo resfriamento evaporativo similar à função do suor. 


> A microbiota intestinal dos abutre catartídeos parece ser dominada pelos grupos bacterianos Clostridia e Fusobacteria, amplamente patogênicos para outros vertebrados (ex.: bactéria Clostridium perfringens). Evidência sugere que os abutres ganham benefícios dessas perigosas bactérias (ex.: ajuda extra na digestão de carne putrefata e produção de biofilmes resistentes a colonização) e, ao mesmo tempo, toleram as fortes toxinas desses microrganismos (ex.: toxina botulínica). Porém, não existe evidência de que os abutres são significativos transmissores de microrganismos e vírus patogênicos para humanos e outros animais. No intestino de abutres já foi apontada também a presença da espécie Adineta vaga, um eucarionte invertebrado microscópico que se alimenta de bactérias e protozoários mortos. Ref.5-9

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Devido às similaridades na dieta, muitas dessas adaptações morfológicas são compartilhadas [evolução convergente] entre os catartídeos e os abutres da família Accipitridae (subfamílias Gypaetinae e Aegypiinae), mas esses últimos são diferenciados pela falta de separação interna das narinas (nares pervae) e a falta de um hálux funcional devido à posição mais cranial da articulação com o tarsometatarso. Outra diferença importante é o fato dos acipitrídeos buscarem por carcaças usando exclusivamente a visão. Classificadas filogenicamente como aves de rapina (1), essas duas famílias divergiram há mais de 60 milhões de anos. Mas importante ressaltar que nem todos os acipitrídeos são considerados abutres, apenas um pequeno número de espécies.

 

Figura 4. O abutre-barbudo (Gypaetus barbatus) é um dos representantes da família Accipitridae e o único vertebrado osteófago (consumidor especialista de ossos). Engole grandes pedaços de ossos ou carcaças e depois regurgita os ossos em um ossuário para quebra-los e consumi-los. Após a ação dessa espécie, pouco sobra das carcaças.

Abutres desempenham um importante papel ecológico como necrófagos ambientais, porque são responsáveis pela remoção e ciclagem do excesso de matéria em decomposição, o que evita que cadáveres se acumulem no meio ambiente e causem problemas de saúde pública (propagação de doenças) e desequilíbrios ambientais. Além disso, abutres possuem papel cultural importante para povos diversos (Ref.11), incluindo cerimônias exóticas de "enterro": na comunidade Parsi, na Índia, rituais de enterro requerem o consumo do cadáver humano por abutres (2). Embora a extensão dos serviços ecológicos fornecidos pelos abutres para os humanos seja ainda motivo de debate (Ref.12), especialistas e evidências científicas acumuladas na literatura acadêmica suportam que essas aves possuem papel crítico na conservação de biodiversidade, na saúde pública e no desenvolvimento sustentável (Ref.13). 


Nesse sentido torna-se muito preocupante que a maioria das espécies de abutres estão ameaçadas de extinção, com 9 das 23 espécies classificadas como em Crítico Perigo, ou seja, muito próximas de serem extintas. Apenas 7 espécies não estão sob ameaça de extinção. Nas últimas três décadas, as populações de abutres caíram de forma catastrófica (~70-80%), especialmente na Ásia e na África. Perseguição, redução na disponibilidade de alimento, destruição de habitats, uso em medicinas tradicionais, e colisão com infraestruturas de energia são todos fatores de declínio populacional dessas aves. Mas intoxicação com fármacos, chumbo (3) e venenos têm sido a principal causa antropogênica de mortalidade. Uma única carcaça de grande porte (ex.: elefante) contaminada é capaz de matar centenas de abutres. 

 

Figura 5. Grifos-africanos (Gyps africanus), na Etiópia, uma espécie de abutre em crítico perigo de extinção. Ref.14

O envenenamento deliberado de carnívoros mamíferos na África, como chacais, hienas e leões, para vingar a perda de animais de criação (ex.: gado atacado), tem provocado o envenenamento letal em massa de abutres. Caçadores ilegais de rinocerontes e de elefantes, na busca pelos chifres (4) e presas (5) desses animais para venda no mercado ilícito, costumam também envenenar abutres para reduzir a população dessas aves na região e prevenir sinalização de autoridades para carcaças. 


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Mas o caso mais trágico ocorreu no Sul da Ásia, onde populações de três espécies de abutres do gênero Gyps (Fig.6) declinaram em mais de 95% entre 1992 e 2007 devido ao envenenamento em massa com o anti-inflamatório Diclofenaco (Fig.7). Em particular, essas três espécies eram muito abundantes na Índia, constituindo a maior parte de uma população de abutres que pode ter excedido 50 milhões de indivíduos. O colapso populacional é atribuído aos resíduos de diclofenaco nas carcaças de animais de criação - incluindo bovinos sagrados - que recebiam o fármaco para o tratamento de inflamações e redução de febre. Após ingestão do fármaco, os abutres se tornam rapidamente deprimidos, acabam desenvolvendo severa falha renal e gota visceral dentro de semanas, e finalmente morrem. A morte da ave pode ocorrer rápido após a exposição, tão cedo quanto 48 horas (Ref.8). Amplo uso veterinário do diclofenaco na Índia teve início em 1994 e nos próximos 6 anos as três espécies de abutres estavam em crítico perigo de extinção.

 

Figura 6. As três espécies do gênero Gyps criticamente ameaçadas na Índia e quase extintas no país por causa do diclofenaco: (AG. tenuerostris, (BGyps indicus e (CGyps bengalensis. A quarta espécie do gênero (G. himalayensis) habita principalmente a região dos Himalaias e a maior parte da sua população acabou protegida da exposição ao Diclofenaco.

 

Figura 7. O fármaco diclofenaco foi primeiro introduzido no mercado em 1973 pela empresa farmacêutica Ciba-Geigy (atualmente Novartis), rapidamente se tornando muito popular como analgésico em humanos. No entanto, após a expiração da patente e desenvolvimento de genéricos na década de 1990, o diclofenaco começou a ser amplamente usado também como medicamento veterinário (foto), para o tratamento de lesões, inflamações e febre em animais feridos ou doentes. Mesmo em doses baixas, é nefrotóxico para a maioria das espécies de abutres, especialmente o gênero Gyps.

 

Figura 8. Estrutura química de aceclofenaco e seus metabólitos primários em humanos e outros mamíferos. O aceclofenaco é um pró-fármaco para o diclofenaco e, portanto, é também letal para abutres.

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> Em experimentos, abutres criados em cativeiro morrem em poucos dias após serem alimentados com carne bovina contaminada com diclofenaco, apresentando, em exames post-mortem, gota visceral devido à hiperuricemia e ao acúmulo de ácido úrico nos órgãos internos, indicando a ocorrência de insuficiência renal. Além disso, é observada manifestação de necrose dos rins, de ocorrência fatal.

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Após a descoberta em 2004 que os abutres estavam sendo mortos aos milhões por causa do diclofenaco e que bastava quantidades traços em carcaças para severos e letais danos à saúde dessas aves, a Índia, o Paquistão e o Irã, em 2006, baniram o uso veterinário do fármaco. Porém, mesmo com o banimento, as populações de abutres nas regiões afetados pelos colapsos populacionais persistiram muito pequenas. A recuperação é dificultada devido à baixa fecundidade dessas aves, típica deposição anual de apenas um ovo pelas fêmeas em idade fértil e alcance tardio da maturidade sexual (após 5 anos de idade). Além disso, outros fármacos também tóxicos aos abutres continuaram sendo permitidos para uso veterinário nas regiões afetadas, como o cetoprofeno e a nimesulida - somando-se ao persistente uso ilegal de diclofenaco fomentado pelo preço mais alto de medicamentos substitutos mais seguros (Ref.16).


Ao rapidamente localizar e consumir carcaças, abutres limitam o crescimento populacional de problemáticos necrófagos facultativos (ex.: cães selvagens e ratos), insetos e microrganismos diversos. Quando populações de abutres declinam, carcaças se tornam cada vez mais disponíveis no ambiente para organismos diversos, na forma de uma "eutrofização terrestre". Nas últimas décadas, várias populações de carniceiros facultativos estão aumentando ao redor do mundo, causando sérios desequilíbrios ambientais devido a predação excessiva, invasão e competição. 


Além disso, carcaças representam reservatórios e vetores para várias doenças, incluindo raiva, enfermidade debilitante crônica (uma doença neurodegenerativa causada por uma proteína príon que afeta cervídeos), antraz, peste bubônica, doença da vaca louca, entre outras. O estômago dos abutres pode ser extremamente ácido e a maioria dos vírus e bactérias pode não sobreviver na cavidade estomacal dessas aves, ou podem ser barrados no microbioma intestinal (!). Quando abutres comem carcaças, eles podem ativamente remover esses patógenos do ambiente, e ajudam a prevenir surtos epidêmicos assim como impedem a colonização e reprodução excessiva de insetos pestilentos. 


Na Ásia, por exemplo, o colapso de abutres coincidiu com um aumento das populações de cães selvagens e consequente maior prevalência de raiva (doença viral letal) em populações humanas.


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(!) Importante mencionar que o papel protetor e esterilizante da acidez estomacal em abutres diversos é questionável. Valores de pH reportados na literatura acadêmica para essas aves variam entre 0 e 4, e com grandes desvios padrões associados. No geral, o pH estomacal dos abutres não parece diferir significativamente em relação a galinhas e aves não-carniceiras que consomem grandes presas. Proteção contra patógenos diversos no sistema digestivo dessas aves parece ser fornecida primariamente por fatores associados ao microbioma intestinal (ex.: fagos, eucariontes predadores, bactérias simbióticas, etc.). Ref.9


Leitura recomendada: Quantas bactérias existem no nosso corpo?

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ABUTRES E ÍNDIA


O súbito colapso dos abutres na Índia causado pelo amplo uso veterinário de diclofenaco provocou uma cascata de problemas no país. 


Abutres são extremamente efetivos em reduzir carcaças até os ossos, e podem consumir uma vaca inteira dentro de 40 minutos. Outros carniceiros não são bons substitutos sob vários aspectos, especialmente do ponto de vista sanitário porque deixam carne para trás. O serviço de remoção de carcaças dos abutres se torna ainda mais importante em países de baixa a média renda onde essas aves substituem de forma efetiva custosas infraestruturas usadas para o mesmo fim. Nos centros urbanos da Índia, o serviço de "saneamento" de um único abutre ao longo da vida desta ave é avaliado em mais de US$4000 (Ref.18).


A disponibilidade limitada de infraestrutura na Índia para a disposição segura de carcaças, como incineradores, levou aos chamados "lixões de animais" nas margens de centros populados. A combinação de cães selvagens e ratos servindo como vetores de doenças infecciosas com o fato de que esses animais são carniceiros muito menos eficientes do que abutres torna os depósitos de carcaças berçários para a disseminação de doenças diversas. De maior preocupação, a Índia representa um epicentro global para raiva, e qualquer mordida de animal pode resultar em morte. 


A escassez de abutres também contribuiu para intensificar a poluição de águas na Índia através da pecuária e da indústria de couro. Fazendeiros são forçados a jogar os animais mortos em rios e outros corpos d'água. Fabricantes de couro foram obrigados pelo governo a usar métodos químicos para o descarte de resíduos sólidos, promovendo o vazamento de substâncias tóxicas para dentro de fontes de água usadas para consumo humano. E o problema tem afetando inclusive rios e lagos considerados sagrados, como o Rio Ganges.


Finalmente, a interação entre ampla criação de bovídeos e práticas culturais relativas a animais mortos resultaram em uma grande dependência histórica sobre carniceiros na Índia. Limitar a quantidade de carniça e o tempo em que essa carniça permanece em campos abertos é de vital importância no país por causa das normas sociais prevalentes em relação ao consumo de carnes. Cerca de ~80% dos Indianos seguem o hinduísmo (religião oficial da Índia) e ~15% seguem o Islã. Hindus não consomem vacas enquanto Muçulmanos não consomem animais que não foram mortos de acordo com o halal


Em 2019, a população de animais de criação na Índia era de >500 milhões, com ~300 milhões desse total sendo de gado. Apesar de ser ilegal abater vacas na Índia, esses animais acabam não sobrevivendo por muito tempo quando o período de produção de leite termina. Isso porque as vacas sem utilidade produtiva acabam sendo liberadas pelos fazendeiros e acabam morrendo sem suficiente alimento e medicamentos. Assumindo uma média de vida de ~10 anos para as vacas na Índia, é estimado que anualmente o país precisa lidar com ~30 milhões de novas carcaças - cenário problemático nas últimas duas décadas mas que antes seria facilmente resolvido pelos abundantes abutres.


Já o halal engloba regras diversas no Islã que devem ser seguidas, e, na alimentação, existe proibição para o consumo de suínos - considerados "animais sujos" - e passos bem específicos que devem executados para o abate de outros animais terrestres (Ref.19). Islâmicos só comem frango ou carne bovina se o animal tiver sido degolado com o corpo voltado à cidade sagrada de Meca, ainda vivo e pelas mãos de um muçulmano praticante, geralmente árabe. A faca com a qual é feita a degola precisa estar super afiada para garantir a morte instantânea do animal, sem sofrimento. Antes do abate de cada bicho, o degolador pede autorização a Deus, em árabe, como forma de mostrar obediência e agradecimento pela comida e de reafirmar que não está matando o animal por crueldade ou sadismo.


Essas práticas culturais aumentam de forma robusta a quantidade animais mortos na Índia - e frequentemente de médio a grande porte - que não são aproveitados para o consumo humano e que acabam abandonados em depósitos e em locais inadequados.


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NOVO ESTUDO


Considerando todos esses fatores atuantes na Índia (declínio dramático de abutres, acúmulo excessivo de carcaças no ambiente, aumento de carniceiros oportunistas, favorecimento de doenças, poluição das águas e práticas culturais), o economista ambiental Anant Sudarshan da Universidade de Warwick, Reino Unido, e o colaborador Eyal Frank, um economista ambiental da Universidade de Chicago, EUA, analisaram mapas sobrepostos de habitats dos abutres e de distritos administrativos na Índia. Os pesquisadores investigaram registros de saúde para mais de 600 distritos, controlando para qualidade de água, clima e número de hospitais.


Antes de 1994, quando as populações de abutres eram ainda abundantes, taxas de mortes humanas nos distritos analisados exibiam uma média de 0,9% para cada 1000 pessoas. Mas ao final de 2005, áreas que eram tradicionalmente lar de um grande número de abutres passaram a exibir um pico médio de 4,7% nas taxas de mortes - e mínimo de 4,2% -, equivalente a mais de 104 mil mortes adicionais por ano. Já em distritos que historicamente não abrigavam significativos números de abutres permaneceram com uma taxa estável de mortes em 0,9%.


Em outras palavras, em um período de apenas 5 anos é estimado que mais de 500 mil vidas humanas na Índia foram perdidas por causa do colapso populacional dos abutres.


Para calcular o valor monetário associado às perdas extras de vidas humanas, os pesquisadores se basearam no valor econômico que a sociedade Indiana está disposta a gastar para salvar uma vida humana: US$665 mil. Nesse sentido, a perda monetária anual de vidas humanas por causa do colapso populacional de abutres foi estimado em US$69,4 bilhões de 2000 até 2005.


Os impactantes achados do estudo são mais um alerta para governos ao redor do mundo sobre os sérios prejuízos causados pela perda de biodiversidade e a exposição excessiva de animais e ecossistema em geral a fármacos, agrotóxicos e outros poluentes ambientais. Talvez o exemplo mais conhecido nesse sentido seja o dramático declínio populacional de abelhas em várias regiões do mundo, um crítico inseto polinizador (1). Além disso, o estudo realça um problema ainda persistente: animais vistos com pouca simpatia pelo público e cada vez mais ameaçados, como os tubarões (2), acabam ganhando bem menos atenção e proteção. Abutres não são aves particularmente atrativas e evocam tipicamente emoções negativas e a ideia de morte, vilania ou mau agouro no público em geral. Maior trabalho de conscientização precisa ser feito sobre a importância dessas aves.


Sugestão de leitura:


REFERÊNCIAS

  1. Frank & Sudarshan. The Social Costs of Keystone Species Collapse: Evidence From The Decline of Vultures in India. [Working Paper]. University of Chicago, Becker Friedman Institute for Economics Working Paper No. 2022-165. Link do PDF
  2. https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/aer.20230016
  3. https://www.science.org/content/article/loss-india-s-vultures-may-have-led-deaths-half-million-people
  4. Buechley & Sekercioglu (2016). Vultures. Current Biology, Volume 26, Issue 13, PR560-R561. https://doi.org/10.1016/j.cub.2016.01.052
  5. Roggenbuck et al. (2014). The microbiome of New World vultures. Nature Communications 5, 5498. https://doi.org/10.1038/ncomms6498
  6. Plaza et al. (2020). Implications of bacterial, viral and mycotic microorganisms in vultures for wildlife conservation, ecosystem services and public health. Ibis, 162(4), 1109–1124. https://doi.org/10.1111/ibi.12865
  7. Mendoza et al. (2018). Protective role of the vulture facial skin and gut microbiomes aid adaptation to scavenging. Acta Veterinaria Scandinavica 60, 61. https://doi.org/10.1186/s13028-018-0415-3
  8. Martinez-Hernandez et al. (2023). First metagenomic analysis of the Andean condor (Vultur gryphus) gut microbiome reveals microbial diversity and wide resistome. PeerJ, 11:e15235. https://doi.org/10.7717/peerj.15235
  9. Wang et al. (2024). Metagenomic comparison of gut communities between wild and captive Himalayan griffons. Frontiers in Veterinary Science, Volume 11. https://doi.org/10.3389/fvets.2024.1403932 
  10. Brito, G. R. R. (2008). Análise Filogenética de Cathartidae (Aves) com Base em Caracteres Osteológicos. Tese (Doutorado) - Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo, Departamento de Zoologia. Link do PDF
  11. Jha et al. (2023). Humans and Vultures: Sociocultural and Conservation Perspective in Northern India. Human Ecology 51, 107–118. https://doi.org/10.1007/s10745-022-00377-7
  12. Santangeli et al. (2022). Ecosystem services and disservices associated with vultures: A systematic review and evidence assessment. Ecosystem Services, Volume 56, 101447. https://doi.org/10.1016/j.ecoser.2022.101447
  13. Santangeli et al. (2024). The global contribution of vultures towards ecosystem services and sustainability: An experts’ perspective. iScience, Volume 27, Issue 6, 109925. https://doi.org/10.1016/j.isci.2024.109925
  14. https://birdsoftheworld.org/bow/species/whbvul1/cur/introduction
  15. Nethathe et al. (2021). Molecular characterization of Gyps africanus (African white-backed vulture) organic anion transporter 1 and 2 expressed in the kidney. PLoS ONE, 16(5): e0250408. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0250408
  16. Intoxicação e morte de abutres por ingestão de carne bovina contaminada com diclofenaco em países sulasiáticos e africanos. Cetox-UFC, Boletim 13. Link do PDF
  17. https://www.cdc.gov/chronic-wasting/animals/index.html
  18. Ishwar & Das (2024). Economics of conserving endangered birds: the case for Gyps vultures in India. Environment, Development and Sustainability. https://doi.org/10.1007/s10668-024-04637-y
  19. https://www.icarabe.org/geral/voce-sabe-o-que-e-alimento-halal
  20. http://sema.unb.br/animais-silvestres/190-animais/113-urubu
Colapso populacional de abutres na Índia levou à morte de >500 mil pessoas no país ao longo de 5 anos, aponta estudo Colapso populacional de abutres na Índia levou à morte de >500 mil pessoas no país ao longo de 5 anos, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on agosto 02, 2024 Rating: 5

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