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Intolerância religiosa alimenta mais negação científica do que religiosidade, aponta estudo

Indivíduos Amish, grupo religioso no Norte da América.

 

Será que quanto mais religiosa uma pessoa, mais provável dela rejeitar achados científicos? Ou seria o nível de intolerância contra outras religiões um melhor preditor de rejeição à ciência? Um estudo publicado recentemente no periódico PNAS Nexus (Ref.1) buscou responder essa questão levantando inicialmente a hipótese de que altos níveis de intolerância religiosa são mais prováveis de alimentar rejeição à ciência, esta a qual seria vista como um sistema de crença competidor. E, corroborando a hipótese levantada, resultados de sete análises independentes (incluindo mais de 140 países e 15 mil participantes) mostraram que uma menor diversidade religiosa em uma região, ou na experiência individual, predizia maior intolerância religiosa e maior negação da ciência.


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O culto do Templo do Povo - um movimento religioso fundado em 1955 por Jim Jones, em Indianápolis, EUA - isolou-se do mundo externo, seguiu práticas fantasiosas, como "cura pela fé", e ultimamente confiou nas instruções do Reverendo Jim Jones orientando todos a beberem uma solução letal de cianeto. Os Amish - grupo religioso cristão anabatista estabelecido nos Estados Unidos e no Canadá - e outras comunidades religiosas fechadas tenderam a recusar as vacinas e sofreram mortalidade em excesso durante a pandemia da COVID-19. Mas o negacionismo científico com trágicas consequências não emerge apenas em cultos religiosos não-convencionais e de porte limitado. Grupos maiores como os Cristãos Evangélicos - não "fechados" mas concentrados em regiões geográficas particulares - de forma similar tenderam a ignorar as recomendações científicas de saúde pública durante a pandemia.


Esse negacionismo científico não é problemático apenas para os grupos que o praticam: acaba prejudicando ações coletivas contra epidemias, pandemias, desastres climáticos, entre outros sérios desafios enfrentados pela humanidade. Ultimamente, o negacionismo científico associado com comunidades religiosas é um problema humanitário, e também um enigma psicológico.


Uma explicação tradicional para a ligação entre religião e negacionismo científico é focada na intensidade da fé. É teorizado que intensa fé gera alta motivação para rejeitar conclusões científicas que entram em conflito com os ensinos religiosos. Certamente, cultos como os Amish e os Evangélicos estão associados com intensa fé. Porém, enquanto Protestantes e Católicos são sub-representados em campos científicos - incluindo tecnologia, engenharia e matemática -, existem vários crentes devotos entre os Quakers - pessoas que pertencem à Sociedade Religiosa dos Amigos, um grupo historicamente Cristão com início no século XVII e menos apegado a dogmas e hierarquias religiosas - que há muito tempo possuem muitos representantes na ciência; e, de forma similar, crentes Judeus são representantes proeminentes na ciência. Isso sugere que intensidade de fé é apenas um caminho pelo qual a religião afeta o negacionismo científico.


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> Grupos religiosos não rejeitam toda a ciência e, sim, negam seletivamente certas alegações científicas. Por exemplo, fundamentalistas Cristãos rejeitam a ideia da evolução biológica mais do que rejeitam tecnologia nuclear, à medida que o processo evolutivo entra em conflito mais direto com a Bíblia. 


> Cientistas comportamentais tradicionalmente propõem que esse padrão de rejeição reflete uma racionalização motivacional: fé cria uma motivação para rejeitar conclusões que desafiam a visão de mundo de uma religião. Essa premissa prediz que negação científica estaria associada com religiosidade privada, a intensidade da fé de uma pessoa. Porém, evidências de suporte para essa proposição são conflitantes.


> Intensidade religiosa não consegue explicar por que alguns grupos de crentes rejeitam ciência muito mais do que outros. Por exemplo, Muçulmanos veem bem mais conflito entre religião e ciência do que os Hindus. Em contraste com outros crentes Cristãos, Evangélicos consistentemente rejeitam o ateísmo e a homossexualidade.

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Outro possível mecanismo é a intolerância religiosa e ilustrado por setores religiosos "fechados" (ou fundamentalistas). Esses grupos tendem a considerar seus dogmas como mais válido do que aquele de outras religiões e sustentam essa rejeição ao desencorajar seus membros de interagir e aprender com pessoas de fora. A partir desse supremacismo sectário e dogmático, é esperado que ciência seja também rejeitada, no sentido de ser também considerada um sistema de crença rival.


Seja por escolha ou nascimento, os membros de setores religiosos fechados tendem a viver em áreas que fornecem menos interação com pessoas de outras religiões, reduzindo o aprendizado de tolerância a partir da experiência social (teoria do contato). Falta de exposição a pessoas de outras religiões facilita a demonização de crentes de outras religiões ("infiéis"). Membros de setores geograficamente concentrados são, portanto, mais inclinados a presumir que seus dogmas são a única real fé e a rejeitar alegações religiosas conflitantes, incluindo subjetivamente a ciência. Esse processo psicológico e social alternativo pode explicar por que negação científica varia tanto ao longo de diferentes grupos religiosos e regiões geográficas.


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No novo estudo, pesquisadores das Universidades de Stanford e Columbia, EUA, partiram da ideia de que tolerância relativa a outras religiões implica em tolerância para outros sistemas de crenças, e que esse mecanismo pode ser traduzido em aceitação da ciência. Para testar essa hipótese, eles conduziram sete estudos observacionais e experimentais envolvendo milhares de participantes de diferentes religiões e regiões do mundo, e tomando como proxy para tolerância religiosa a diversidade religiosa local.


Entre os achados desses estudos:


- Dados agregados de localizações de dispositivos celulares revelaram que distritos religiosamente diversos nos EUA engajaram em maior distanciamento social em abril de 2020, durante a pandemia de COVID-19, mesmo quando controlado para porcentagem de pessoas religiosas em cada distrito. Taxas de vacinação também seguiram um padrão similar. 


- Países ao redor do mundo com maior diversidade religiosa mostravam maiores pontuações no campo de ciência do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) - um teste de avaliação escolar aplicado mundialmente no ensino médio.


- Pessoas em países com maior diversidade religiosa eram menos prováveis de dizer em um questionário que religião era um melhor guia para a verdade do que a ciência.


- Entre Cristãos dos EUA, Hindus da Índia e Muçulmanos do Paquistão, aqueles que se descreviam como intolerantes de outras religiões também reportavam maiores níveis de negação científica.


Os resultados somados das análises suportaram que o efeito da intolerância religiosa prediz negacionismo científico significativamente mais do que o efeito da religiosidade [intensidade da fé]. E menor diversidade religiosa em ambientes sociais consistentemente mostrou precipitar intolerância religiosa e, esta, por sua vez, alimentava negação científica.


Isso pode explicar, por exemplo, o notável caso de Singapura, um país do Sudeste Asiático com alto desenvolvimento e IDH. Um programa governamental (EIP - Política de Integração Étnica) foi introduzido em 1989 no país para diversificar áreas públicas de habitação onde mais de 80% dos residentes viviam, visando criar harmonia entre as múltiplas etnias e culturas. Dado que os residentes Chineses, Malaios e Indianos de Singapura tendem a diferir em termos religiosos, esse programa de diversificação intensificou o contato inter-religioso, o que pode ter contribuído para as elevadas pontuações do país no PISA em matemática e ciência - ficando em primeiro lugar nessas duas áreas de avaliação nos últimos anos.


Políticas públicas nesse mesmo caminho ao redor do mundo podem ajudar a reduzir o negacionismo científico e seus efeitos deletérios na sociedade.


Segundo os autores do estudo, sempre existiram crentes religiosos com grande protagonismo na ciência, mas geralmente sendo representados por religiosos minoritárias que têm sido amplamente expostos a pessoas de outras religiões. Pessoas que não possuem exposição a indivíduos de outras religiões podem crescer considerando que sua fé é a única verdadeira, atropelando outras religiões e a ciência no caminho.


Leitura recomendada:


Os achados do estudo também possuem implicações para a comunicação científica e a educação. Talvez seja possível alcançar grupos resistentes à ciência ao se identificar e ressaltar a diversidade de pontos de vista dentro das suas comunidades, mesmo se isso envolver meramente diferentes setores de uma mesma religião, superstições diversas como horóscopos vs. numerologia, ou avocações diversas como radiestesia (1) e criptozoologia (2).


Sugestão de leitura


REFERÊNCIAS 

  1. Ding et al. (2024). When the one true faith trumps all: Low religious diversity, religious intolerance, and science denial. PNAS Nexus, Volume 3, Issue 4, pgae 144. https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgae144
  2. https://www.eurekalert.org/news-releases/1042865


Intolerância religiosa alimenta mais negação científica do que religiosidade, aponta estudo Intolerância religiosa alimenta mais negação científica do que religiosidade, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on maio 15, 2024 Rating: 5

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