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Mutação genética não é necessária para um câncer ocorrer, demonstra estudo

Figura 1. Mosca da espécie Drosophila melanogaster.


Câncer e mutação no DNA são dois termos que andam juntos, sendo comumente assumido a dependência obrigatória entre os dois fenômenos (mutação como causa molecular de todo processo celular cancerígeno). Porém, um estudo publicado esta semana na Nature (Ref.1), e conduzido por pesquisadores do CNRS (Institut de Génétique Humaine), mostrou que cânceres podem ser causados inteiramente por mudanças epigenéticas, ou seja, por alterações de elementos que regulam o genoma mas que não fazem parte direta das sequências de DNA. Enquanto estudos prévios já haviam descrito a influência desses processos no desenvolvimento de cânceres, essa é a primeira vez que cientistas demonstram que mutações genéticas ou acúmulo dessas mutações a nível genômico não são essenciais para a emergência de doença cancerígena.


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Fatores genéticos, epigenéticos e ambientais estão profundamente interligados, tornando difícil isolar suas respectivas contribuições em processos celulares. Epigenética é o estudo de mecanismos que permitem a herança de diferentes perfis de expressão genética na presença da mesma sequência de DNA e engloba elementos diversos fora do genoma que atuam regulando os genes (1). Mudanças epigenéticas explicam parcialmente por que células do corpo com um mesmo genoma se desenvolvem de forma tão diferente (células neuronais, células epidérmicas, células musculares, células imunes, etc.) e por que gêmeos idênticos podem se desenvolver de forma tão diferente ou expressar fenótipos diferenciados se criados em ambientes distintos. Reprogramação epigenética é também um dos principais contribuidores para plasticidade e adaptação de tumores, e aberrações epigenéticas associadas a mutações genômicas - através de marcadores de histonas, metilação do DNA, micro-RNAs e dobraduras genômicas tridimensionais (3D) - atuam de forma importante na etiologia de cânceres sólidos e hematológicos.


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(1) Leitura complementar:


Câncer: É uma coleção de doenças caracterizadas por um incontrolável crescimento e disseminação de células anormais. É a segunda causa mais comum de morte no mundo e engloba mais de 100 distintas doenças baseadas nas diferenças entre seus tecidos de origem e tipos de células envolvidas.

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Marcadores epigenéticos disfuncionais podem, por exemplo, silenciar genes essenciais que controlam a proliferação celular. Aliás, terapias contra o câncer frequentemente têm como alvos biomarcadores epigenéticos. Apesar da iniciação e progressão de cânceres geralmente estarem associadas com a acumulação de mutações somáticas, alterações epigenômicas estão ligadas a vários aspectos tumorais e de suscetibilidade a cânceres e metástase. Nesse sentido, tumorigênese está associada com determinantes tanto genéticos quanto epigenéticos.


Isso também abre o questionamento: mecanismos epigenéticos por si só podem iniciar processos cancerígenos?


Em alguns cânceres pediátricos, como no ependimoma de fossa posterior, baixos números de mutações têm sido detectados, consistente com a possibilidade de que mudanças epigenéticas podem ser protagonistas em processos tumorais malignos - mas incerto se formação cancerígena é possível na completa ausência de mutações genômicas.


Proteínas de grupo Polycomb - ou complexo Polycomb (PcG) - são fatores epigenéticos multiproteicos que mediam a repressão de diversos genes no organismo, e são altamente conservadas desde moscas até humanos e atuam de forma crítica na memória celular ao reprimir genes de desenvolvimento. As proteínas PcG são divididas em dois complexos distintos, PRC1 e PRC2 (Complexos Repressivos 1 e 2, respectivamente), sendo que em mamíferos o PRC1 tem atividade ligase E3, catalisando a mono-ubiquitinação da histona H2A nos resíduos de lisina na posição 119 (H2AK119ub), enquanto PRC2 tem atividade metiltransferase, mediando a mono, di, e trimetilação na histona H3 nos resíduos de lisina na posição 27 (H3K27me2/3). 


Desregulação das proteínas PcG pode alterar vias relacionadas ao desenvolvimento, ocasionando um aumento desordenado de proliferação celular, inibição da apoptose, e aumento das células tumorais. De fato, o complexo PcG exibe desregulação em vários cânceres humanos. Em contraste com a redundância encontrada em mamíferos, a maioria dos componentes do complexo PcG são codificados por um gene nas moscas do gênero Drosophila - popularmente conhecidas como moscas-da-fruta. Nas moscas, o complexo PRC1 contém as subunidades PH, PC, PSC e SCE, responsáveis pela deposição H2AK118Ub.


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No novo estudo, os pesquisadores resolveram explorar o protagonismo de mecanismos epigenéticos na promoção de cânceres, analisando o complexo PcG simplificado de moscas-da-fruta. Para testar se uma perturbação epigenética transiente é capaz de iniciar uma mudança irreversível no destino celular - e, portanto, potencialmente causar um processo carcinogênico -, um sistema ph-RNAi termossensitivo foi desenvolvido para remover a subunidade PH do complexo PRC1 em um disco percursor do olho de larvas [Drosophila] em desenvolvimento (depleção de proteínas PH em 24 horas a 29°C).


Após a depleção de PH (perturbação epigenética), 100% dos discos oculares das larvas no terceiro estágio larval se transformaram em tumores, mesmo na ausência de mutações genéticas (Fig.2). Mesmo após restauração da proteína PH dentro de 48 horas a temperatura de 18°C, ou seja, mesmo após restauração das células ao estado normal, parte do genoma permaneceu disfuncional. Esse fenômeno induziu um estado tumoral autossustentado e com contínua progressão, mantendo na memória o status canceroso das células oculares mesmo após a perturbação epigenética [depleção de PH] ter sido revertida.


Figura 2. Exemplo de um tumor obtido ao reduzir os níveis de expressão da subunidade PH do complexo PRC1 em larva de mosca-da-fruta. À esquerda, um exemplo de tecido precursor do olho durante desenvolvimento normal. À direita, um tumor que foi iniciado ao se reduzir o nível de PH. DNA é tingido de azul. Em verde, uma proteína localizada no final das células é marcada para a visualização de como as células se organizam no tecido. Organização normal é perdida no tumor. Barra de escala: 100 micrômetros. Ref.1

Especificamente, um subconjunto de gentes mostraram-se resistentes às proteínas PH após a remoção inicial, persistindo desregulados ao longo das divisões celulares e permitindo a transformação neoplástica (câncer) continuar sua progressão. Entre os genes resistentes irreversivelmente ativados pelo gatilho epigenético, estavam membros do caminho JAK-STAT críticos para o crescimento celular sustentado, proliferação, perda de polaridade celular, migração celular e atividade de citocinas. 


Em humanos, baixa expressão de subunidades do complexo PRC1 também estão associadas com progressão mais severa de cânceres, incluindo diferentes tipos de cânceres sólidos e mieloma.


Junto com evidências experimentais e observacionais prévias, os resultados do novo estudo apontam que eventos epigenéticos podem atuar de forma crucial nos estágios iniciais de oncogênese (desenvolvimento cancerígeno) ou durante progressão de tumores em alguns cânceres de mamíferos, e sem necessariamente depender de mutações genéticas como até o momento era assumido. O achado inédito também pode abrir caminho para novas vias terapêuticas contra cânceres.


REFERÊNCIAS

  1. Parreno et al. (2024). Transient loss of Polycomb components induces an epigenetic cancer fate. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-024-07328-w
  2. https://www.cnrs.fr/fr/presse/decouverte-de-cancers-dorigine-epigenetique-sans-mutation-de-ladn

Mutação genética não é necessária para um câncer ocorrer, demonstra estudo Mutação genética não é necessária para um câncer ocorrer, demonstra estudo Reviewed by Saber Atualizado on abril 26, 2024 Rating: 5

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