Cientistas descobrem "super anticorpo" humano efetivo em neutralizar a peçonha de três cobras distintas e perigosas
Figura 1. Mamba Negra, uma das mais perigosas cobras conhecidas. |
Em um avanço potencialmente revolucionário na área, cientistas descobriram um potente anticorpo que pode neutralizar uma crítica neurotoxina produzida por quatro diferentes espécies muito perigosas de cobra do Sudeste Asiático, Sul Asiático e África! O anticorpo protegeu completamente, em testes in vivo, contra doses letais de três dessas espécies.
É um passo muito promissor no sentido de desenvolver um soro antiofídico universal que possa ser usado para qualquer uma das ~200 espécies perigosas de cobras peçonhentas.
A descoberta foi reportada no periódico Science Translational Medicine (Ref.1).
A peçonha de cobras é uma mistura de dezenas ou mesmo centenas de compostos proteicos que afetam células nervosas, coagulação sanguínea ou tecidos, matando até 138 mil pessoas anualmente - além de deixar ~400 mil outras pessoas debilitadas. O impacto é particularmente severo em países de renda baixa e média na África Subsaariana e na Ásia, devido ao alarmante grande número de picadas de cobras e limitado acesso a recursos médicos adequados.
Sugestão de leitura:
O soro antiofídico (anticorpos policlonais derivados de animais) - um coquetel de anticorpos coletadas de cavalos ou ovelhas expostos a doses não-letais de peçonha ofídica - é o único tratamento efetivo contra picadas de cobras peçonhentas, mas possui atualmente várias limitações (segurança, eficácia, potência, custo e distribuição). A principal é a grande variação de peçonha entre as espécies de cobras - e até mesmo entre populações de uma mesma espécie -, tornando necessários vários tipos de soro antiofídico visando múltiplos táxons.
Existem também antídotos de espectro mais amplo para várias espécies de cobras de uma região, mas possuem baixa-moderada eficácia (altas taxas de mortalidade associadas).
No novo estudo, os pesquisadores analisaram ~100 bilhões de anticorpos humanos artificiais em um massivo banco de dados buscando aqueles que melhor se ligariam a um grupo de neurotoxinas (3FTx-L) comum no veneno de várias cobras da família Elapidae. Um dos candidatos - anticorpo 95Mat5 - exibiu o melhor desempenho in vitro, imitando efetivamente a ligação entre as toxinas e seus receptores. Em testes in vivo com roedores, os pesquisadores mostraram que o 95Mat5 era efetivo em neutralizar completamente o veneno de três notáveis e distintas cobras peçonhentas: Bungarus multicinctus, Naja kaouthia e Dendroaspis polylepis (mamba-negra). Além disso, aumentou significativamente o tempo de sobrevivência contra envenenamento pela Ophiophagus hannah (cobra-rei).
E como o anticorpo é derivado de células humanas, o risco de efeitos adversos em humanos é esperado de ser reduzido substancialmente em relação a anticorpos tradicionais em soros antiofídicos, aumentando a segurança e eficácia do tratamento. Soros antiofídicos tradicionais (ex.: derivados de cavalos) podem resultar em doença do complexo imune e severa anafilaxia devido à reação imune do corpo humano às proteínas séricas ou soro estranho. Após hiperimunização de grandes animais, como equinos e ovinos, e produção robusta de anticorpos, imunoglobulinas policlonais (IgGs) são purificadas, às vezes processadas em fragmentos de anticorpos, e formuladas para administração intravenosa em vítimas de picadas de cobras. Porém, imunogenicidade de proteínas heterólogas e impurezas diversas presentes nos soros antiofídicos podem provocar sérias reações no corpo humano - algo amplificado pelo fato de que apenas uma fração dos anticorpos no soro atua de forma terapeuticamente efetiva contra as toxinas.
O próximo passo dos pesquisadores é investigar novos anticorpos artificiais humanos para outros componentes críticos de peçonhas pertencentes a cobras diversas, no sentido de criar no futuro um coquetel de anticorpos efetivo para qualquer cobra peçonhenta.
REFERÊNCIAS
- Khalek et al. (2024). Synthetic development of a broadly neutralizing antibody against snake venom long-chain α-neurotoxins. Science Translational Medicine, Vol.16, No. 735. https://doi.org/10.1126/scitranslmed.adk1867
- https://www.science.org/content/article/powerful-new-antivenom-raises-hopes-universal-solution-lethal-snakebites