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Cientistas revelam que uma guerra entre humanos ocorreu durante a Idade da Pedra, há mais de 5 mil anos

Figura 1. Pilha com vestígios de centenas de humanos: massacre ou guerra?
 

Conflitos entre pequenos grupos de humanos modernos (Homo sapiens) provavelmente sempre ocorreram desde que a nossa espécie emergiu na África. Porém, historiadores, arqueólogos e antropólogos tipicamente acreditam que conflitos organizados e de larga escala (guerras) só começaram a ocorrer há cerca de 4 mil anos. Em um estudo recentemente publicado no periódico Scientific Reports (Ref.1), pesquisadores analisaram os vestígios ósseos e artefatos associados a mais de 300 pessoas enterradas em uma cova com ~20 metros quadrados no norte da Espanha (Fig.1), datados entre 3380 a.C. e 3000 a.C. - muito antes da emergência de estados formais e ~1000 anos antes do período pensado para o início de guerras entre humanos. A análise trouxe forte evidência de que uma guerra estendida e de grande magnitude entre humanos de diferentes culturas ocorreu na região, por motivos ainda não muito bem esclarecidos.


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Violência coletiva de pequena e média escalas, na forma de confrontos entre grupos vizinhos, pode ser tão antiga quanto a origem da humanidade. Porém, em contraste, violência letal de larga escala organizada e sancionada entre grupos sociopolíticos (ex.: guerras) tem sido tradicionalmente associada com certas condições socioeconômicas que geralmente acompanham a mudança para uma economia agrária - como maiores densidades populacionais, propriedade privada, e maiores graus de sedentarismo -, em paralelo com um aumento de concentração de recursos e de poder.


O Neolítico (~10000-3000 a.C.) - ou Período da Pedra Polida - foi um período da pré-história dos humanos modernos que testemunhou a introdução da agricultura, domesticação de animais e mudança de um estilo de vida caçador-coletor para um estilo de vida sedentário. Apesar da crescente evidência de massacres e enterros coletivos datados do Neolítico, esses locais continuam relativamente raros. Tais locais geralmente incluem não mais do que 2 ou, muito ocasionalmente, até 30-40 indivíduos com traumas físicos não curados, sugerindo eventos violentos de pequena a média escala. Conflitos no Neolítico têm sido assumidos de serem limitados pelas capacidades logísticas e econômicas limitadas das "primitivas" sociedades agrárias, considerando que um grande suprimento de recursos seria necessário para sustentar conflitos de grande escala.


Porém, um local datado do Neolítico Tardio, especificamente entre 3380 a.C. e 3000 a.C. (datação via radiocarbono), e localizado no norte da Espanha, tem gerado grande debate sobre a escala de violência associada aos mais de 300 indivíduos ali enterrados (Fig.2). O local foi descoberto em 1985, quando uma escavadeira estava alargando uma pista e acidentalmente revelou os vestígios humanos. Escavações de resgate foram conduzidas no mesmo ano e em 1990 e 1991, após a explosão controlada do teto colapsado (um bloco de 25 toneladas de arenito) que selava o local. A exploração revelou um abrigo rochoso de 20 metros quadrados com um enorme acúmulo de esqueletos humanos, incluindo 90 esqueletos completos, 31 esqueletos incompletos, 255 segmentos esqueléticos articulados, e milhares de ossos aparentemente isolados.


Figura 2. Localizado na região de Rioja (A), no norte-Central da Ibéria, estima-se que no local (SJAPL) existam pelo menos 338 indivíduos enterrados. Em (B), visão do canto leste do depósito funerário antes de ser escavado. Em (C), reconstrução dos esqueletos melhor preservados. Ref.1

Do total das centenas de indivíduos enterrados em SJAPL, 137 eram adultos, com uma clara predominância de indivíduos do sexo masculino (107 dos 153 adolescentes e adultos cujos sexos puderam ser estimados). Os corpos foram enterrados de forma aleatoriamente entrelaçada e ocasionalmente em posições atípicas (incluindo de bruços  e em posições flexionadas anômalas), e estavam juntos com 52 pontas de flecha de pedra, 64 lâminas, 2 machados de pedra polida, 3 seixos, 5 ossos de perfuração e alguns ornamentos pessoais.


Com base na disposição dos corpos em SJAPL e certos padrões de ferimentos inferidos, o local foi originalmente interpretado como um massacre (ex.: matança indiscriminada de pessoas indefesas ou sem resistência). No entanto, essa interpretação tem sido desafiada, em especial devido ao elevado número de pessoas ali presentes e prevalência muito alta de indivíduos do sexo masculino com "idade de combate" (adultos e adolescentes).


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No novo estudo, os pesquisadores reanalisaram os vestígios ósseos em SJAPL para melhor esclarecer a natureza e a escala da violência associada às centenas de mortos ali enterrados. Eles mostraram que a maioria das lesões (n = 96) correspondiam a fraturas lineares ou de depressão atribuíveis a traumas provocados por fortes golpes (ex.: causados por maças de pedras, machados e enxós; porretes de madeira, osso ou chifre; arremesso de pedras; etc.) (Fig.3). Quase um quarto dos indivíduos (~23%) traziam marcas de golpes de forte impacto ou penetração, uma proporção que figura entre as maiores taxas de lesões violentas conhecidas para um evento pré-histórico e talvez representando o mais perigoso período da pré-história. E várias das feridas mostravam sinais de terem sido curadas, indicando um conflito estendido - no mínimo meses ou, mais provavelmente, anos. E como os vestígios pertenciam em sua maioria à jovens do sexo masculino, os pesquisadores sugeriram a existência de uma classe de guerreiros.  


Figura 3. Exemplos de feridas cranianas descritas de forma inédita no novo estudo, a partir de espécimes coletados em SJAPL: (a-b) Traumas por força bruta no osso parietal direito; (c) grande trauma por força bruta afetando os ossos parietal e frontal; (d) Fraturas lineares na metade direita do osso frontal; (e) Fratura linear acima da nasão do crânio; (f) grande trauma por forte golpe afetando ambos os ossos parietal e occipital direito e esquerdo; (g-h) trauma com objeto cortante no osso parietal direita; (i) trauma por força bruta no osso parietal esquerdo; Fraturas lineares radiantes no osso occipital; (k) trauma por força bruta afetando os ossos occipital e parietal direitos; (l) trauma por força bruta no osso parietal direito e fraturas lineares afetando o osso occipital; (m-n) traumas por força bruta na metade esquerda do osso frontal; (o-p) grandes traumas por força bruta afetando ambos ossos parietal e occipital direitos; (q) trauma por força bruta no osso parietal esquerdo; (r-s) trauma por força bruta e fraturas lineares afetando ambos ossos parietal esquerdo e frontal; (t) trauma com objeto cortante no osso occipital. Fotos (a), (c–g), (i–m), (o–r), (t) na visão exocraniana; fotos (b), (h), (n), (s) na visão endocraniana. Ref.1

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> Indivíduos afetados por traumas cranianos englobavam 42 adolescentes (12-19 anos de idade) e adultos (≥ 20 anos de idade) identificados como machos/provavelmente machos, 9 adolescentes e adultos identificados como fêmeas/provavelmente fêmeas, e 11 crianças e bebês (0-11 anos de idade). Desse total, 43 exibiam feridas curadas, incluindo 26 adolescentes e adultos machos.


> Um total de 47 lesões pós-cranianas foram identificadas, dos quais 30 haviam sido curadas. Essas lesões afetavam preferencialmente os ossos longos dos membros inferiores e superiores. Um significativo número dessas lesões pareciam ser "fraturas do cassetete", quando o indivíduo levanta o braço para se proteger de um golpe (!).


> O fato de 11 de 13 casos de lesões por ponta de flecha estarem ligados a machos e que a maioria dos esqueletos mostrando associação com pontas de flechas isoladas com sinais de impacto serem de também de machos, sugerem que indivíduos do sexo masculino preferencialmente eram expostos à violência a distância. Lesões na cabeça também suportam a participação desses indivíduos em combate de contato próximo.


(!) Leitura recomendada: O que significa Fratura do Cassetete?

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Evidências de lesões de pontas de flechas e outros sinais de violência (ex.: trauma craniano, fraturas de cassetete, etc.) em outros locais na região de Rioja Alavesa, somado com os achados em SJAPL, suportam a imagem de uma persistente e organizada violência entre comunidades rivais. Junto com evidência esquelética e isotópica compatível com estresse biológico e desnutrição e com mobilidade fixa na região, os achados sugerem amplos impactos sociais dessa guerra - explicando os vários mortos em SJAPL sem sinais de violência como causa de morte - a uma extensão nunca antes vista no registro conhecido da Europa Neolítica.


A razão ou razões por trás do conflito de larga escala em Rioja Alavesa são incertas, especialmente devido à escassez de achados arqueológicos na região. Em um contexto de crescente pressão populacional, é possível que crenças (ex.: práticas funerárias) e estilos de vida divergentes podem ter sido uma fonte de tensão e competição entre os grupos humanos envolvidos, escalando em violência letal. Evidências isotópicas e de DNA não parecem suportar o cenário de migração de grupos humanos hostis para a região como fator de gatilho - parece ter sido uma crise interna em termos geográficos.


REFERÊNCIAS

  1. Fernández-Crespo et al. (2023). Large-scale violence in Late Neolithic Western Europe based on expanded skeletal evidence from San Juan ante Portam Latinam. Scientific Reports 13, 17103. https://doi.org/10.1038/s41598-023-43026-9
  2. https://www.science.org/content/article/5000-year-old-mass-grave-suggests-earlier-origin-all-out-war

Cientistas revelam que uma guerra entre humanos ocorreu durante a Idade da Pedra, há mais de 5 mil anos Cientistas revelam que uma guerra entre humanos ocorreu durante a Idade da Pedra, há mais de 5 mil anos Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 11, 2023 Rating: 5

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