Esse morcego possui um pênis tão grande e "cabeçudo" que torna o sexo com penetração impossível

Figura 1. Morcego macho da espécie Eptesicus serotinus.

Em um estudo publicado hoje no periódico Current Biology (Ref.1), pesquisadores reportaram e descreveram evidência direta [vídeos] mostrando um anômalo comportamento reprodutivo em morcegos da espécie Eptesicus serotinus, em específico o ato sexual reprodutivo. Ao invés de penetrar a fêmea, o longo e grosso pênis dos machos parece funcionar como um "braço copulatório", afastando membranas das asas protegendo a genitália da fêmea. Após contato com a genitália externa (vulva), o enorme pênis é esfregado até a ejaculação, mas sem penetração na vagina. Esse é o primeiro exemplo conhecido de um mamífero que não exibe penetração durante a prática sexual para fins reprodutivos. E essa pode não ser a única espécie de morcego com esse anômalo traço.

"O pênis ereto dessa espécie é fantástico," disse em entrevista o Dr. Nicolas Fasel, um ecologista evolucionário da Universidade de Lausanne, Suíça, e autor principal do novo estudo, fazendo referência ao fato de que, quando morcegos machos de E. serotinus são sedados, uma automática e massiva ereção é alcançada (Ref.2). "É super longo".

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Devido aos hábitos noturnos e elusivo estilo de vida, os comportamentos copulatórios de morcegos têm sido pouco explorados e compreendidos. Vários aspectos da reprodução dos morcegos diferem de outros mamíferos (ex.: prolongado armazenamento de esperma, desenvolvimento atrasado), com várias espécies exibindo comportamento homossexual frequente (1) e evidência de sexo oral para prolongar copulação: de fêmeas em machos na espécie Cynopterus sphinx e de machos em fêmeas na espécie Pteropus giganteus (2). Na maioria dos mamíferos - grupo que inclui desde roedores e morcegos até humanos e cetáceos - fertilização do óvulo e gestação ocorrem internamente. Machos de mamíferos são pensados de terem evoluído pênis para penetrar o canal vaginal e entregar espermatozoides o mais próximo possível dos óvulos durante o ato sexual reprodutivo.

Sugestão de leitura:

Em contraste com os mamíferos, outros animais usam métodos alternativos de reprodução. Por exemplo, muitas espécies de aves realizam o ato sexual através de uma abertura especializada chamada de cloaca, a qual também é usada para excretar resíduos (urina + fezes). Esperma nessas aves é transferido dos machos para as fêmeas quando as cloacas de ambos se tocam ("beijo cloacal").

No novo estudo, através da análises de vídeos e laboratoriais, pesquisadores confirmaram e reportaram o primeiro caso conhecido entre mamíferos de transferência de esperma sem o ato de penetração. Primeiro eles mostraram que o pênis nos machos é extremamente longo, com comprimento total de ~1,64 cm (Fig.2). Pode parecer pouco, mas como esses morcegos possuem apenas ~7 cm de comprimento, o comprimento peniano responde por cerca de 22% do comprimento peniano total e é >7 vezes maior do que o comprimento total da vagina nas fêmeas (3). É como um humano adulto macho de 1,7 m de altura exibindo um pênis ereto com >37 cm de comprimento (4). Além disso, o inchaço terminal no pênis ereto do E. serotinus ("cabeça peniana") - composto por dois grandes tecidos eréteis - possui uma largura (~7,5 mm) que é >7 vezes maior do que o diâmetro da abertura vaginal (1,1 mm).

Figura 2. Ilustrações da genitália masculina e de uma típica posição copulatória. Visões (A) ventral e (B) dorsal do pênis ereto do macho da espécie Eptesicus serotinus. Em (C), copulação de um par (macho e fêmea) de E. serotinus; o macho [acima] usa seu pênis ereto para passar pelo uropatágio (membrana das asas que liga os dois membros traseiros) da fêmea [abaixo]. A ponta inchada do pênis ereto é firmemente pressionada contra a vulva, sem intromissão vaginal. Ref.1

Sugestão de leitura:

Analisando 93 eventos de copulação dessa espécie de morcego, os pesquisadores sistematicamente observaram que o macho agarra a fêmea em uma posição dorsoventral (Fig.2) e, depois, morde a pele sobre a nuca. Movimentos laterais do macho na parte traseira do corpo são então acompanhados por rápidos movimentos de "sondagem" do pênis ereto, como pode ser visto no vídeo abaixo. Os pesquisadores propuseram que pelos no inchaço terminal peniano servem como um sensor que ajuda o macho a encontrar a vulva da fêmea. Durante esse período, várias vocalizações sociais foram registradas, provavelmente emitidas pela fêmea (5). Uma vez que o pênis ficava firmemente pressionado contra a vulva, o macho permanecia parado, movimentando apenas de forma intermitente, e nenhuma outra vocalização era produzida. Seguindo a copulação, a pelagem no abdômen da fêmea parecia molhada, indicando a presença de sêmen (!).

Metade dos eventos de copulação analisadas no estudo duraram menos do que 53 minutos, mas o mais longo evento registrado durou 12,7 horas. Nenhuma intromissão (penetração peniana) foi observada em qualquer ponto do ato copulatório. Somando-se a isso, os tecidos eréteis do pênis eram enchidos antes do contato com a vulva, impossibilitando fisicamente a penetração. E a forma e o relativo pequeno tamanho do osso peniano (báculo) na espécie (~1,2 mm) sugere que essa estrutura não possui qualquer papel específico em potenciais penetrações (6). O báculo do E. serotinus pode servir para proteger a uretra de compressão pelos tecidos eréteis durante a ereção peniana, como já sugerido para outra espécie do mesmo gênero (E. furinalis).

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Sugestão de leitura:

(!) Interessante observar que em morcegos das espécies Myotis lucifugus e Nyctalus noctula, têm sido reportado abundante fluido seminal ao redor da vulva e abdômen inferior das fêmeas, que pode talvez sugerir uma copulação sem penetração similar ao E. serotinus. Porém, presença de ejaculado associado à pelagem sobre a vulva das fêmeas de E. serotinus não foi ainda provada com testes laboratoriais, incluindo o novo estudo. Além disso, outras espécies de morcegos também exibem um grande tamanho peniano em contraste desproporcional em relação à vagina das fêmeas. Essas evidências sugerem que copulação sem penetração talvez não seja um traço incomum entre morcegos.

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Até certa extensão, a fêmea de E. serotinus pode empregar a membrana da cauda para evitar copulação. Consequentemente, o longo pênis ereto nessa espécie pode servir como um "braço copulatório" para remover o obstáculo membranoso e acessar a vulva. Os pesquisadores também observaram uma estrutura oca no lado dorsal do pênis ereto que pode servir como um "copo de sucção" e suportar a manutenção do contato copulatório. Portanto, o tamanho e formato penianos e o prolongado abraço durante o ato sexual podem suportar o transporte de espermatozoides para dentro da vagina e através do longo cérvix observado na fêmea. Aliás, o anômalo longo cérvix nas fêmeas (~8,6 mm) relativo às outras estruturas reprodutivas internas pode ser também uma resposta à evolução de sexo sem penetração, facilitando a fertilização efetiva de espermatozoides depositados [aparentemente] fora do canal vaginal.

REFERÊNCIAS