Abuso de Cannabis ligado a múltiplos problemas de saúde, incluindo câncer de pulmão e esquizofrenia
Ao analisar mais de 1 milhão de genomas, pesquisadores identificaram genes que podem estar ligados à dependência e abuso de Cannabis (ou marijuana, ou maconha). Eles também encontraram que algumas das mesmas regiões genômicas estavam associadas com outras condições de saúde, como câncer de pulmão e, em especial, esquizofrenia. Os achados suportam resultados de estudos observacionais e clínicos prévios, e foram publicados esta semana no periódico Nature Genetics (Ref.1).
"[Dependência de Cannabis] pode ter impactos substanciais na saúde pública se o uso aumentar," alertou o Dr. Daniel Levey, um médico neurocientista da Universidade de Yale, EUA, e coautor do novo estudo (Ref.2).
Plantas do gênero Cannabis contêm ~400 diferentes compostos orgânicos farmacologicamente ativos, com mais de 60 deles referidos como fitocanabinoides (ou simplesmente canabinoides). Canabinoides psicoativos derivados dessas plantas - em particular o THC (delta-9-tetrahidrocanabidiol) - possuem uma longa história de uso e dependência na humanidade, e atualmente vários movimentos de descriminalização e de legalização do uso recreativo de Cannabis vêm sendo testemunhados ao redor do mundo. Além da questão do uso recreativo, cada vez mais pesquisas científicas vêm explorando o potencial medicinal da Cannabis e seus derivados, e já existem promissoras aplicações médicas para o tratamento de dor crônica, câncer e epilepsia. Nesse último ponto, é um erro comum e perigoso confundir uso medicinal com uso recreativo e indiscriminado da Cannabis.
Mais de um terço dos indivíduos que usam Cannabis de forma recreativa desenvolvem transtornos do uso de Cannabis, incluindo dependência na droga ou uso de modo a causar sérios danos à saúde. Entre os efeitos negativos à saúde associados ao uso crônico de Cannabis temos inclusos vários cânceres ligados à inalação de produtos de combustão (ex.: fumo de baseado) (1), declínios na capacidade cognitiva e de motivação, síndrome da hiperêmese por canabinoides (2), e aumento no risco de esquizofrenia e de outras psicoses. Complicações individuais e para a sociedade resultantes do transtorno do uso de Cannabis incluem produtividade reduzida, acidentes relacionados a intoxicações e acidentes veiculares (maconha NÃO deve ser usada antes de dirigir) (1).
Para mais informações:
- (1) Fumo e uso recreativo da maconha: lobo sob pele de cordeiro
- (2) O que é a Síndrome da Hiperêmese por Canabinoide?
Um estudo recente analisando mais de 40 mil pessoas com esquizofrenia na Dinamarca, encontrou que ~15% dos casos podem estar ligados ao transtorno de uso da Cannabis, e uma porcentagem ainda maior em homens jovens (Ref.3).
Estudos prévios têm sugerido que existem componentes genéticos de suscetibilidade por trás dos transtornos do uso de Cannabis.
No novo estudo, pesquisadores analisaram informações genéticas e médicas de múltiplos bancos de dados genômicos, incluindo um robusto banco de dados coletados de veteranos Norte-Americanos e associado a um programa (Million Veterans Program) que visa melhorar os cuidados de saúde para ex-membros do serviço militar dos EUA. A análise englobou quatro grupos étnicos (ancestrais), algo inédito para um estudo genético explorando consequências do uso abusivo de Cannabis.
Os pesquisadores identificaram 27 significativos loci (locais genômicos) - 25 deles antes não descritos e replicação de 2 previamente identificados - associados aos transtornos do uso de Cannabis, incluindo dezenas de variantes genéticas apontando forte relação causal entre uso dessa droga e substanciais impactos na saúde humana (psicopatologias e deficiências). Maior expressão de hereditariedade para essa relação foi encontrada no tecido cerebral fetal do que no adulto, suportando um importante papel do desenvolvimento nos fatores biológicos associados aos transtornos do uso de Cannabis (!). Três variantes de genes que codificam três diferentes tipos de receptores em neurônios estavam associadas com um elevado risco para esses transtornos.
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(!) Aliás, importante reforçar que quaisquer produtos e derivados da Cannabis NÃO devem ser usados por grávidas e lactantes. Par mais informações: Agências de saúde alertam: Maconha NÃO deve ser usada durante a gravidez e a lactação
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Entre os achados mais relevantes, os pesquisadores encontraram uma importante associação entre transtornos do uso de Cannabis e risco aumentado de câncer de pulmão. Cannabis é frequentemente consumida usado métodos envolvendo inalação de fumaça carcinogênica (produtos de combustão orgânica), potencialmente expondo os usuários a riscos similares àqueles encontrados no fumo de outras substâncias de abuso, como tabaco - soma-se o fato de que o 'baseado' não possui filtros, deixando o sistema respiratório exposto a nocivos poluentes particulados.
Os pesquisadores também identificaram uma ligação bidirecional entre uso excessivo de Cannabis e esquizofrenia, significando que as duas condições podem influenciar uma à outra. Os resultados também suportaram que o uso de Cannabis é o principal fator de risco prevenível para esquizofrenia.
Sem conscientização efetiva, leis de descriminalização ou legalização da maconha podem escalar o uso e expor cada vez mais indivíduos geneticamente suscetíveis. Nos EUA, houve um aumento de prevalência de uso de 11% da população em 2002 para 17,5% em 2022, com um percentual de 1,8% do total de usuários em ambos os períodos exibindo transtornos do uso de Cannabis. Evidência recente aponta que 1 em cada 40 adolescentes nos EUA estão dependentes da Cannabis (Ref.3). Piora o fato de que muitos produtos de uso recreativo baseados em Cannabis vêm exibindo concentrações cada vez maior do principal e mais preocupante canabinoide psicoativo (THC) ao longo dos últimos anos (produtos "mais potentes").
E assim como ocorreu com os opioides - um grave crise hoje nos EUA que culmina em inúmeras mortes anuais devido ao uso abusivo e inadequado desses medicamentos -, preocupações também emergem relativas ao uso de Cannabis medicinal. Qual o nível de risco aceitável para transtornos do uso de Cannabis em indivíduos geneticamente suscetíveis recebendo tratamento com produtos derivados da Cannabis? Isso é especialmente válido para condições que possuem outras vias terapêuticas alternativas e efetivas, como quadros de dor crônica (incluindo terapias sem administração de agentes farmacológicos).
Mais experimentos biológicos e estudos clínicos precisam ser conduzidos para confirmar e melhor entender as associações genéticas reveladas no novo estudo.
REFERÊNCIAS
- Levey et al. (2023). Multi-ancestry genome-wide association study of cannabis use disorder yields insight into disease biology and public health implications. Nature Genetics. https://doi.org/10.1038/s41588-023-01563-z
- https://www.nature.com/articles/d41586-023-03629-8
- https://www.nature.com/articles/d41586-023-03860-3