Humanos quase foram extintos há 900 mil anos, aponta estudo

Figura 1. Crânio associado ao Homo heidelbergensis, descoberto em Kabwe, Zâmbia, e estimado ter 300 mil anos de idade.

Há cerca de 1 milhão de anos, antigos ancestrais humanos (gênero Homo) prosperavam na África, caçando e coletando alimentos em pequenos grupos com sofisticadas ferramentas de pedra. Porém, segundo um novo estudo genético e estatístico publicado no periódico Science (Ref.1), um evento trágico ocorreu há >900 mil anos, acarretando em uma drástica redução populacional: quase 99% dos ancestrais humanos foram perdidos, sobrando apenas ~1280 indivíduos com capacidade reprodutiva. E essa população minúscula de humanos - talvez não muito mais do que 2 mil indivíduos no total - não teria se expandido novamente pelos próximos 117 mil anos! Esse extremo evento de bottleneck (gargalo) pode explicar uma enigmática lacuna no registro fóssil na África e na Eurásia entre 950 mil e 650 mil anos atrás, assim como eventos de especiação no Pleistoceno Médio que deram origem à nossa espécie.

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Considerando o registro fóssil e evidências genéticas acumuladas, estima-se que os humanos modernos (Homo sapiens) emergiram na África há aproximadamente 200 mil anos (1). Hoje, existem mais de 8 bilhões de humanos modernos no planeta, dominando quase toda a superfície terrestre e com nossas atividades empurrando várias espécies no caminho da extinção e impactando o clima. Porém, apesar desse massivo número, quando comparamos com outros primatas não-extintos (ex.: chimpanzés), nossa espécie possui uma anômala baixa diversidade genética. Esse fato levou os cientistas a levantar a hipótese de que ocorreu um evento de bottleneck (2) no passado, ou seja, uma dramático declínio populacional e depois recuperação a partir de um grupo relativamente muito pequeno de indivíduos.

Para mais informações:

Para investigar essa questão, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências usaram os genomas sequenciados de 3154 indivíduos de 10 populações Africanas modernas e 40 populações modernas fora da África. Construindo uma complexa árvore genealógica de genes e analisando as taxas de mutações em certos subconjuntos de genes - como aqueles que não são sujeitos a forças evolutivas que podem alterar de forma robusta a taxa e frequência de mutações fixadas (ex.: seleção positiva) -, eles encontraram que, durante o Pleistoceno Médio, há aproximadamente 930 mil anos, a população humana global sofreu um dramático declínio de ~98,7%. De um total de pelo menos 100 mil humanos, restaram apenas 1280 indivíduos em idade reprodutiva (mas uma população total incluindo crianças e idosos maior). E esse pequeno número populacional teria persistido por 117 mil anos, até cerca de 813 mil anos atrás, quando o número populacional começou a crescer de novo (aumentando em 20x nesse período).

Segundo estimaram os pesquisadores, uma perda de quase 66% na atual diversidade genética da população humana foi causada por esse super bottleneck.

A causa para a dramática queda populacional - a um nível comparável a espécies de mamíferos atualmente em crítico perigo de extinção - provavelmente envolveu mudanças climáticas entre o Pleistoceno Inicial e Pleistoceno Médio. Durante essa transição, ciclos glaciais se tornaram mais longos e intensos, e as mudanças climáticas se tornaram mais extremas e imprevisíveis, associadas com períodos mais longos de seca na África e com grande transformação da fauna na África e na Eurásia. Coincidente com esse período, o Homo erectus se tornou extinto na África. Subsequentemente, de ~900 até 600 mil anos atrás, existe uma lacuna no registro fóssil humano no continente Africano - marcada pela presença de escassos fragmentos ósseos.

Segundo especularam os pesquisadores, o evento de super bottleneck provavelmente representou um mecanismo evolutivo de deriva genética crucial para a emergência de uma nova espécie humana - talvez o Homo heidelbergensis (3) - e o subsequente surgimento da nossa própria espécie (Homo sapiens) e de outras espécies humanas. Em relação às causas da rápida recuperação populacional após o bottleneck, os pesquisadores sugeriram que o controle do fogo pelos humanos pode ter sido o fator chave. A mais antiga evidência arqueológica para o controle humano do fogo está associada à região de Israel e datando de 790 mil anos atrás. Considerando que o controle do fogo afetou profundamente a evolução social e tamanho do cérebro de humanos, esse fator pode ter culminado em uma explosão populacional.

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(3) Relevante apontar que o H. heidelbergensis como táxon válido é alvo de controvérsias na comunidade científica. Para mais informações: Cientistas revelam possível ancestral direto da nossa espécie

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É também incerto como um número populacional tão pequeno de humanos persistiu por mais de 100 mil anos. Isso talvez requereu a ocupação de uma área muito localizada com ótima coesão social e um ambiente estável com suficientes recursos e pouco estresse no sistema.

Porém, em entrevista à Science e à Nature (Ref.2-3), alguns especialistas que não participaram do estudo se mostraram céticos com parte das conclusões. Enquanto eles concordam que houve um provável bottleneck na população humana, eles também citaram evidências genéticas e arqueológicas acumuladas que suportariam um dramático declínio populacional apenas em certas populações ancestrais na África e não a nível global como sugeriram os autores do novo estudo.

REFERÊNCIAS