Estudo revela a origem geográfica e detalha a história evolutiva das borboletas
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Há cerca de 100 milhões de anos, um grupo de antigas mariposas começou a voar durante o dia ao invés da noite, explorando flores ricas em néctar que coevoluíram com abelhas. Esse evento levou à evolução de todas as borboletas. Em um estudo recentemente publicado no periódico Nature Ecology & Evolution (Ref.1), pesquisadores conduziram uma robusta análise filogenética e encontraram que as borboletas primeiro emergiram na região da América do Norte, inicialmente se alimentando do néctar de plantas do família Fabaceae (popularmente conhecidas como leguminosas).
Borboletas e mariposas (Lepidoptera) representam uma das maiores super-radiações de insetos, incluindo quase 160 mil espécies descritas não-extintas. Como herbívoros, polinizadores e presas, os membros do clado Lepidoptera (lepidópteros) atuam de forma fundamental em quase todos os ecossistemas terrestres. Também são indicadores de mudanças ambientais e servem como modelos para pesquisa sobre genética e mimetismo (1). Evidência genética aponta que os mais antigos lepidópteros emergiram no Carbonífero Tardio, há cerca de 300 milhões de anos, representados por pequenos insetos (larvas e adultos) que se alimentavam de briófitas (plantas sem vascularização) (Ref.2). Acredita-se que os adultos inicialmente possuíam partes bucais de mastigação, vivendo junto com larvas dentro de briófitas. No Triássico Médio, há ~241 milhões de anos, probóscide na forma de tubo associado à boca desses insetos - presente hoje em >99% das atuais espécies de borboletas e mariposas (2) - evoluiu no sentido de permitir a aquisição [sucção] de néctar a partir de plantas com flores (angiospermas), com a coevolução entre lepidópteros e angiospermas levando a uma extraordinária radiação [diversificação] do clado Lepidoptera.
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> O mais antigo fóssil conhecido de lepidóptero data de Triássico-Jurássico, há ~201 milhões de anos.
(1) Leitura recomendada: Existem mariposas que imitam vespas?
(2) Mariposas e borboletas com probóscide constituem o clado Glossata. Adultos de Heterobathmioidea, o grupo-irmão relativo ao Glossata, usam suas mandíbulas para comer pólen de árvores do gênero Nothofagus (!). Adultos de Eriocranioidea, outro grupo-irmão relativo ao Glossata, usam a probóscide para beber água ou seiva, um comportamento que pode ter sido o precursor da alimentação de néctar com esse órgão. Importante também realçar que nem todas as borboletas no estágio larval (lagartas) são herbívoros, com algumas espécies também se alimentando de detritos, líquens ou outros insetos.
(!) CURIOSIDADE: Borboletas do gênero Heliconius (clado Glossata) possuem um cérebro anormalmente grande relativo a outras borboletas, uma resposta aparentemente devido ao hábito alimentar diferenciado. As borboletas desse gênero são as únicas que coletam e digerem pólen com a probóscide, fornecendo à fase adulta uma fonte de proteína, quando a maioria das outras borboletas exclusivamente obtêm proteína durante a fase larval. Isso permite grande extensão da longevidade e da vida reprodutiva da borboleta adulta. Aliás, essas são também as únicas borboletas conhecidas que exibim aprendizado espacial (Ref.3).
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| Figura 1. Borboleta da espécie Heliconius erato. O tamanho cerebral avantajado das borboletas Heliconius - particularmente a região corpora pedunculata - permite um melhor processamento visual e retenção de memórias visuais. Ref.3 |
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Mariposas noturnas representam >75% da diversidade de espécies do clado Lepidoptera. Borboletas (Papilionoidea) evoluíram de antigas mariposas e o ancestral desses insetos provavelmente era noturno. Estima-se que as borboletas se tornaram insetos voadores diurnos no Cretáceo Tardio, há cerca de 98 milhões de anos (2). Na prática, borboletas são mariposas diurnas e são representadas por quase 19 mil espécies. Os órgãos de audição das mariposas, apesar de historicamente associados como uma inovação em resposta à pressão de predação dos morcegos, emergiram múltiplas vezes antes da corrida armamentista entre morcegos e mariposas, talvez inicialmente detectando uma ampla faixa de frequências (predadores e comunicação sexual) antes de serem cooptado para detectar especificamente o sonar dos morcegos - entre outras inovações de defesa nesse sentido (3).
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(2) Ou seja, muito mais antigo do que é estimado para a emergência dos morcegos, derrubando a ideia comum de que borboletas teriam emergido como resposta evolutiva das mariposas à intensa predação de morcegos. Leitura complementar: Cientistas reportam os mais antigos fósseis de morcegos conhecidos
(2) Leitura recomendada: Qual a função da "cauda" nas asas da mariposa-luna?
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A atividade diurna das borboletas provavelmente foi uma resposta à disponibilidade de néctar durante o dia. Abelhas (Hymenoptera:Anthophila), cuja origem é estimada em 125 a 100 milhões de anos atrás, podem ter fomentado a evolução de cores nas flores angiospérmicas, com as borboletas seguindo essa coevolução no sentido de se tornarem oportunistas diurnos das novas fontes de néctar em diversificação.
No novo estudo, conduzido pelo Dr. Akito Kawahara, curador no Museu de História Natural da Flórida, EUA, e especialista em lepidópteros, pesquisadores analisaram o DNA de 2244 borboletas, sequenciando 391 genes. Junto com 11 raros fósseis de borboletas, a análise permitiu a reconstrução de uma nova árvore filogenética representando 92% de todos os gêneros descritos (Fig.2), e suportou uma origem dessas mariposas diurnas há ~101 milhões de anos, no Cretáceo Médio. A análise também indicou que todas as famílias de borboletas - com exceção de uma - já estavam presentes antes do evento de extinção em massa no final do Cretáceo - reforçando que as borboletas emergiram muito antes da emergência dos primeiros morcegos, convivendo por muito tempo com dinossauros não-aviários. Além disso, os pesquisadores encontraram que as primeiras borboletas dependiam de leguminosas (ex.: planta do feijão), permanecendo fortemente associadas por milhões de anos com gramas e legumes (Poaceae e Fabaceae).
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| Figura 2. Relação evolucionária e padrão de diversificação das borboletas. Mais informações na Ref.1. |
Seguindo uma análise filogenética e geográfica, os pesquisadores encontraram que as borboletas primeiro apareceram em algum lugar no norte e no oeste da América do Norte. Nessa época, o continente estava separado em dois por uma longa faixa linear de mar, enquanto o atual território do México estava ligado em um longo arco com os EUA, Canadá e Rússia. As Américas do Sul e do Norte não haviam ainda se juntado através do Istmo do Panamá, mas borboletas tiveram pouca dificuldade em travessia entre os dois continentes. Após se estabelecerem na América, as borboletas migraram para a Ásia através do Estreito de Bering. A partir do Norte da Ásia, migraram e radiaram no Sudeste Asiático, Oriente Médio e Chifre da África. Colonizaram também a Índia, quando essa ainda era uma ilha isolada e separada por milhas de mar aberto de todos os lados. Antes da invasão na Ásia, as borboletas haviam também alcançado a Austrália após ocupação de toda a América, quando o continente Australiano era colado com uma Antártica bem mais quente do que hoje (Fig.2).
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| Figura 2. Distribuição de borboletas ao longo do tempo. O sombreamento e sua intensidade indicam o número de linhagens de borboletas que estavam associadas com a biorregião durante o período em questão. Cada mapa corresponde a um intervalo de 15 milhões de anos de evolução. Ref.1 |
Mais ao Norte da Eurásia, borboletas persistiram na Ásia Ocidental por até 45 milhões de anos antes de migrarem para a Europa - e por motivos ainda não esclarecidos. Isso explica por que a diversidade de borboletas na Europa é tão baixa; esses insetos demoraram muito tempo para alcançar o território Europeu.
REFERÊNCIAS
- Kawahara et al. (2023). A global phylogeny of butterflies reveals their evolutionary history, ancestral hosts and biogeographic origins. Nature Ecology & Evolution 7, 903–913. https://doi.org/10.1038/s41559-023-02041-9
- Kawahara et al. (2019). Phylogenomics reveals the evolutionary timing and pattern of butterflies and moths. PNAS, 116 (45) 22657-22663. https://doi.org/10.1073/pnas.1907847116
- Couto et al. (2023). Rapid expansion and visual specialisation of learning and memory centres in the brains of Heliconiini butterflies. Nature Communications 14, 4024. https://doi.org/10.1038/s41467-023-39618-8
- https://www.floridamuseum.ufl.edu/science/butterfly-tree-of-life-reveals-an-origin-in-north-america/
Reviewed by Saber Atualizado
on
setembro 30, 2023
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