Nós também ouvimos o silêncio, aponta estudo
Tornando literal o título da famosa música "The Sound of Silence" ("O Som do Silêncio", Simon & Garfunkel), um estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.1), e conduzido por um time de filósofos e psicólogos, usou ilusões auditivas para revelar como momentos de silêncio distorcem a percepção de tempo das pessoas. O achado se soma ao debate sobre se as pessoas podem ouvir mais do que sons, uma questão que tem desafiado filósofos há séculos. Com base nos resultados do estudo, silêncio é verdadeiramente percebido, não apenas inferido.
"Nós tipicamente achamos que o nosso sentido de audição é limitado a sons. Mas silêncio, seja lá o que for isso, não é um som - é a ausência de som," disse o autor principal do estudo, Rui Zhe Goh, um pesquisador da Universidade Johns Hopkins (Ref.2). "Surpreendentemente, o que o nosso trabalho sugere é que nada é também algo que pode ser ouvido."
Como a nossa mente responde à ausência de sinais sensoriais sonoros? Nós apenas ouvidos sons? Ou nós também ouvimos silêncio? Essas questões há séculos são objetos de debate filosófico por cientistas auditivos, psicólogos e filósofos entre dois campos: perceptual (nós literalmente ouvimos silêncio) e cognitivo (nós apenas julgamos ou inferimos silêncio). Apesar de algo aparentemente abstrato, é importante o entendimento de como a ausência de sinais sensoriais é percebida pelo cérebro - já que detecção de tal ausência também nos ajuda a sobreviver. Quando estamos atravessando uma rua, nos certificamos de não ver ou ouvir nenhum carro, ou, se o bebê está dormindo, os pais precisam monitorar a ausência ou presença de sons vindos do berço. Ausência de estímulos é tão importante quanto presença.
Para esclarecer como as pessoas respondem ao silêncio total e se elas processam diretamente ou indiretamente a ausência sonora, um time interdisciplinar de pesquisadores da Universidade Johns Hopkins conduziram sete experimentos adaptando três ilusões auditivas no sentido de criar versões na qual os sons das ilusões originais eram substituídos por momentos de silêncio ("ilusões de silêncio"). Por exemplo, uma ilusão fazia um som parecer muito mais longo do que realmente era; na versão adaptada, um momento equivalente de silêncio também parecia muito mais longo do que realmente era.
Assim como ilusões ópticas que enganam o processamento visual das pessoas, ilusões auditivas podem fazer pessoas ouvirem sons por períodos de tempo mais longos ou mais curtos do que realmente são. No exemplo previamente citado, temos a ilusão conhecida como "ilusão um-é-mais", onde um longo som de 'bip' parece durar mais tempo do que dois bips consecutivos mesmo quando as duas sequências possuem a mesma duração.
Em experimentos envolvendo 1000 participantes, os pesquisadores substituíram os sons na ilusão um-é-mais por momentos de silêncio, renomeando a ilusão para "um-silêncio-é-mais"; no vídeo abaixo, a ilusão é demonstrada. Eles encontraram os mesmos resultados (análogos à ilusão original): pessoas pensavam que um longo momento de silêncio durava mais tempo do que dois momentos curtos de silêncio, mesmo com ambas as sequências equivalentes em termos de duração do silêncio.
Em outra ilusão auditória transformada em ilusão de silêncio, chamada de "ilusão bizarra", os pesquisadores apresentavam dois sons simultaneamente: um órgão (instrumento musical) tocando uma nota sustentada e um motor ligado. Com ambos os sons ativos, subitamente um era desativado, resultando em um silêncio parcial. Esse procedimento foi seguido cinco vezes, resultando em cinco manifestações de silêncio parcial. Durante os quatro primeiros silêncios parciais, o órgão era silenciado, enquanto o motor seguia ligado. Para o quinto silêncio parcial, o motor era desligado enquanto o órgão continua tocando. Os participantes no experimento reportavam que o último silêncio parecia durar mais tempo do que os quatro primeiros, mesmo todos os silêncios parciais exibindo a mesma duração.
Somados os resultados de todos os experimentos, os pesquisadores concluíram que as pessoas percebem as ilusões baseadas em silêncio de forma similar às ilusões auditórias, ou seja, distorções elicitadas pelo silêncio mostraram-se análogas às distorções elicitadas por sinais sonoros. Em outras palavras, o cérebro parece empregar mecanismos similares para processar tanto silêncio quanto sons. Silêncio não é apenas inferido, é percebido.
Em entrevista à Science (Ref.3), comentando sobre o estudo, a filósofa Anya Farennikova da Universidade de Amsterdam alertou, no entanto, que o silêncio pode estar sendo experienciado de uma forma distinta no cérebro relativo a sinais sonoros. Por exemplo, alguns indivíduos podem estar retocando sons na mente durante períodos de silêncio ao invés de estar processando "real" silêncio.
REFERÊNCIA
- Goh et al. (2023). The perception of silence. PNAS, 120 (29) e2301463120. https://doi.org/10.1073/pnas.230146312
- https://hub.jhu.edu/2023/07/11/can-we-hear-silence/
- https://www.science.org/content/article/our-brains-may-process-silence-and-sounds-same-way