Últimas Notícias

[5]

Cientistas finalmente descobriram um antídoto efetivo para o fungo mais venenoso do mundo

Figura 1. Cogumelos da espécie Amanita phalloides.

O cogumelo da espécie Amanita phalloides, popularmente conhecido aqui no Brasil como cicuta verde, chapéu-da-morte ou rebenta-bois, é um fungo altamente venenoso e responsável por 90% das mortes causadas pela ingestão de cogumelos ao redor do mundo. O componente mais fatal desse cogumelo é o composto α-amanitina. Porém, os mecanismos exatos de como essa toxina envenena humanos permaneciam pouco esclarecidos, impedindo o desenvolvimento de antídotos específicos e efetivos. Agora, em um estudo publicado na Nature Communications (Ref.1), pesquisadores conseguiram identificar uma enzima no corpo humano necessária para a toxicidade da α-amanitina, e mostraram que uma substância chamada de indocianina verde é capaz de interromper o caminho enzimático associado ao envenenamento.

"Isso é fantástico," disse o Dr. Helge Bode, um químico de produtos naturais do Instituto Max Planck para Microbiologia Terrestre em Marburg, Alemanha, comentando sobre o estudo (Ref.2). "A α-amanitina realmente é um dos compostos mais perigosos que nós temos na natureza."


- Continua após o anúncio -


Envenenamento por cogumelos é a principal causa de mortalidade em casos de intoxicação alimentar ao redor do mundo. Um total de >10 mil eventos de exposição a cogumelos tóxicos, resultando em quase 39 mil envenenamentos e quase 800 mortes foram reportadas na China entre 2010 e 2020. Entre todos os cogumelos venenosos, o chapéu-da-morte (A. phalloides) é o mais perigoso, e intoxicação com essa espécie é comumente associada com péssimo prognóstico, principalmente devido a irreparável falha aguda do fígado ou rins. O quadro clínico pode variar de uma apresentação subclínica leve até um fulminante curso letal. Essa espécie é um fungo basidiomiceto nativo da Europa, cujo gênero (Amanitta) engloba várias outras espécies muito tóxicas responsáveis pelos casos mais severos de envenenamento por macrofungos na Europa e na América do Norte (Fig.2).


Figura 2. Fungos tóxicos do gênero Amanitta, popularmente conhecidos como "Anjos Destruidores" (devido à coloração esbranquiçada desses cogumelos). (A,B) Amanita amerivirosa; (C) Amanita amerivirosa; (D) Amanita virosa; (E) Amanita phalloides; (F) Amanita verna e A. vidua; (G) Subespécie Amanita phalloides f. porrinensis; (H) Amanita verna; (I) Amanita vidua; (J) Amanita verna e A. vidua; (K,L) A. verna ‘f. xanthoviridis’; (M) Amanita viduaRef.3

Figura 3. Cogumelos da espécie A. phalloides. Esses cogumelos podem crescer até 15 cm de altura, com um topo cor de canela ou verde-amarelado, e podem ter um gosto bem agradável de acordo como pessoas que acidentalmente os ingeriram e sobreviveram. Porém, após o gosto agradável, as toxinas podem causar vômito, convulsões, severo dano hepático e, em muitos casos, morte. É pensado que o Imperador Romano Cláudio morreu ao consumir esses cogumelos em 54 d.C., o mesmo com o Sacro Imperador Romano Charles VI, em 1740. Historicamente, essa espécie recebeu inclusive o nome de "Assassina de Reis". Ref.2,4


A espécie A. phalloides produz dois tipos de toxinas que causam a síndrome faloidea: amatoxinas e falotoxinas. Em humanos, falotoxinas exercem uma influência direta sobre o citoesqueleto, portanto causando uma síndrome entérica leve e transiente dentro de 6-24 horas a partir da ingestão. Porém, mesmo com as falotoxinas sendo altamente tóxicas para as células hepáticas, toxicidade no fígado por essa toxina é prevenida por essa não ser absorvida pelo intestino. Nesse sentido, a maior preocupação são as amatoxinas (particularmente a α-amanitina, mas com alguma contribuição da β-amanitina), as quais inibem a RNA polimerase II nos hepatócitos. Prejuízos na atividade sintética e a perda de proteínas estruturais causam necrose associada aos hepatócitos, estresse oxidativo e apoptose, os quais se manifestam como severa, frequentemente fatal, falha aguda hepática.


-----------

> Importante realçar que envenenamento por amatoxinas é causado por espécies de cogumelos pertencentes a três gêneros: Amanita, Galerina e Lepiota (Ref.4). Porém, a maioria das fatalidades são atribuídas à espécie A. phalloides. Em particular, as amanitinas não são destruídas através de cozimento e podem estar ainda presentes nos cogumelos após longos períodos de armazenamento em ambiente frio. A dose letal é muito baixa: tão pouco quanto 0,1 mg/kg de massa corporal pode ser letal em adultos e essa quantidade pode ser absorvida mesmo com a ingestão de um único cogumelo. As amanitinas são absorvidas através do epitélio intestinal e afetam primariamente o fígado, à medida que é o primeiro órgão encontrado após absorção no trato gastrointestinal.

------------


Falha renal e anúria são inicialmente o resultado de desidratação, mas subsequentemente dano renal pode ser a expressão de toxicidade direta pela α-amanitina nas células tubulares proximais. 

Figura 4. Estrutura química da α-amanitina. 

No geral, é reportada uma taxa de mortalidade de 50% em adultos e de 33% em crianças após ingestão do cogumelo A. phalloides (Ref.5). Terapias tradicionais são frequentemente limitadas a descontaminação inespecífica de toxinas junto com suporte hospitalar básico. Nas últimas décadas, vários medicamentos clínicos, incluindo silibina e penicilina, têm mostrado potente eficácia terapêutica contra envenenamento por amatoxinas, apesar dos mecanismos exatos da ação medicamentosa permaneceram desconhecidos (Ref.6). Já foi reportado também que a polimixina B é capaz de bloquear a toxicidade de α-amanitina em ratos. Porém, antídotos específicos visando proteínas específicas diretamente associadas com o envenenamento pela α-amanitinas têm permanecido elusivos.


- Continua após o anúncio -


No novo estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Sun Yat-sen, em Guangzhou, China, a ferramenta de edição genética CRISPR-Cas9 foi usada para criar um vasto inventário de células humanas com diferentes mutações de perda de função em diferentes genes. Os pesquisadores, então, testaram quais mutações ajudaram as células a sobreviverem à exposição à α-amanitina. Essa mesma estratégia foi usada há poucos anos para encontrar um antídoto efetivo contra a vespa-do-mar Australiana (Chironex fleckeri) (1).


(1) Leitura recomendada: Descoberto antídoto para um dos animais mais peçonhentos da Terra


As análises revelaram centenas de genes associados com a toxicidade da α-amanitina e, em específico, que células com ausência de uma versão funcional da enzima STT3B eram capazes de sobreviver à exposição à α-amanitina. Essa enzima faz parte de um caminho bioquímico que adiciona moléculas de açúcares em proteínas, e é responsável em particular por catalisar a biossíntese de N-glicanos - mostrados estar diretamente envolvidos na morte celular α-amanitina-induzida. Interrupção desse caminho de alguma forma bloqueou a α-amanitina de entrar nas células, prevenindo a destruição celular causada por essa toxina. Até o momento, ninguém nunca havia levantado suspeita sobre a enzima STT3B.


Na segunda etapa do estudo, os pesquisadores investigaram uma lista com 3201 moléculas aprovadas pela Agência de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA), buscando potenciais inibidores da enzima STT3B. Eles identificaram um corante - chamado indocianina verde - usado desde 1956 em análises médicas para realçar, por exemplo, vasos sanguíneos no olho (angiografia ocular) e fluxo sanguíneo no fígado. Esse corante pode ser rapidamente clareado pelos hepatócitos e não possui óbvios efeitos colaterais a uma dose padrão de 0,5 mg/kg, ou seja, seguro para uso terapêutico.


Testes in vitro com células e organoides hepáticos mostraram que a indocianina verde era, de fato, efetiva em bloquear a toxicidade da α-amanitina. Em testes in vivo, usando ratos expostos à α-amanitina, os pesquisadores mostraram que injeção com o corante aumentava de forma robusta a chance de sobrevivência; apenas ~50% dos ratos tratados com indocianina verde morreram com envenenamento pela α-amanitina, comparado com 90% daqueles que não foram tratados.


Após injeção, a indocianina verde exibiu rápida distribuição por todo o corpo e concentrando-se principalmente no fígado após 2 horas, consistente com observações prévias de que esse corante é rapidamente clareado do plasma e seletivamente assimilado pelo fígado.


Importante observar que a indocianina verde perdeu seu efeito terapêutico contra a toxicidade por α-amanitina quando era administrada 8 e 12 horas após exposição à toxina. Isso pode ser por causa de provável dano irreversível infligido pela α-amanitina nas horas prévias. Isso sugere que a indocianina verde precisa ser administrada o mais rapidamente possível após ingestão do cogumelo tóxico. E isso pode ser problemático, já que a maioria das pessoas que comem cogumelos A. phalloides não se apresentam ao hospital até 24-48 horas depois da ingestão - já com um sério quadro clínico. 


De qualquer forma, além de trazer uma potencial e importante nova via terapêutica contra envenenamento por A. phalloides - faltam ainda testes clínicos* em humanos para avaliar a real eficácia da indocianina verde na nossa espécie -, o achado do novo estudo abre as portas para o desenvolvimento de antídotos ainda mais eficazes.  


*Obviamente testes clínicos não poderão envolver voluntários, e dependerão de pessoas que acidentalmente ingiram cogumelos tóxicos. Em outras palavras, pode demorar até que sólido suporte científico emerja comprovando eficácia da indocianina verde como antídoto em humanos.


REFERÊNCIAS

  1. Wang et al. (2023). Identification of indocyanine green as a STT3B inhibitor against mushroom α-amanitin cytotoxicity. Nature Communications 14, 2241. https://doi.org/10.1038/s41467-023-37714-3
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-023-01630-9
  3. Alvarado, P. (2022). Amanita Section Phalloideae Species in the Mediterranean Basin: Destroying Angels Reviewed. Biology, 11(5), 770. https://doi.org/10.3390/biology11050770
  4. https://www.hindawi.com/journals/ijh/2012/487480/
  5. https://link.springer.com/article/10.1007/s40620-021-01018-w
  6. Dluholucký et al. (2022). Results of diagnostics and treatment of amanita phalloides poisoning in Slovakia (2004–2020). Toxicon, Volume 219, 106927. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2022.09.013

Cientistas finalmente descobriram um antídoto efetivo para o fungo mais venenoso do mundo Cientistas finalmente descobriram um antídoto efetivo para o fungo mais venenoso do mundo Reviewed by Saber Atualizado on maio 17, 2023 Rating: 5

Sora Templates

Image Link [https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7dwrZL7URox7eZPHqW_H8cjkOrjUcnpGXhHZSPAyMnMt0dLbkVi4YqVX6dXge3H1c9sQI_fitw0t1gJqKshvDxl3iD3e-rz9gsLnpfFz8PlkOVhr686pJCWfAqnTPN3rkOgXnZkzhxF0/s320/globo2preto+fundo+branco+almost+4.png] Author Name [Saber Atualizado] Author Description [Porque o mundo só segue em frente se estiver atualizado!] Twitter Username [JeanRealizes] Facebook Username [saberatualizado] GPlus Username [+jeanjuan] Pinterest Username [You username Here] Instagram Username [jeanoliveirafit]