Tubarão-martelo é o único peixe conhecido que prende a respiração durante mergulhos, revela estudo
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Figura 1. Tubarão-martelo da espécie Sphyrna lewini na costa de Kona, na Ilha Grande do Havaí. |
Vários peixes e mamíferos marinhos são conhecidos de mergulhar a partir da superfície mais quente do mar para águas mais profundas durante atividade de caça. Porém, para peixes ectotérmicos ("sangue frio"), como tubarões, isso se torna um problema por causa das baixíssimas temperaturas em águas mais profundas, frequentemente pouco acima de 0°C. Em um estudo publicado na Science (Ref.1), pesquisadores descobriram que uma espécie de tubarão-martelo - um clado hoje seriamente ameaçada de extinção (1) - evoluiu uma estratégia inusitada para mergulhos profundos: esses peixes bloqueiam o fluxo de água oxigenada para as brânquias, ou seja, basicamente prendem a respiração.
(1) Leitura recomendada: Sopa de barbatanas e injusta má fama estão dizimando os tubarões
"Essa foi uma completa surpresa!," disse em entrevista o Dr. Mark Royer, o autor principal do estudo e pesquisador no Instituto de Biologia Marinha da Universidade do Havaí, em Mañoa (Ref.2). "Foi completamente inesperado descobrir que tubarões prendem a respiração para caçar como um mamífero marinho. É um comportamento extraordinário de um animal incrível."
À medida que peixes se movem de águas quentes para águas frias, calor metabólico gerado no tecido muscular é dramaticamente perdido através do sangue e rapidamente dissipado no ambiente a partir das brânquias (ou guelras) - órgãos de respiração dos peixes com alta superfície de contato e alta irrigação por vasos sanguíneos, responsável por assimilar oxigênio molecular dissolvido na água (Fig.2). Peixes regionalmente endotérmicos (aqueles que aquecem parte não tão todo o corpo), como tubarões da família Lamminidae - ex.: tubarão-branco (Carcharodon carcharias) - e os atuns (Scombridae), evoluíram sistemas vasculares especializados de troca de calor nas brânquias que freiam dramaticamente a perda de calor. Já peixes como o enorme tubarão-baleia (Rhincodon typus) são capazes de conservar grande parte de energia térmica corporal por simples questão de gigantismo. Porém, a maioria dos peixes, incluindo o tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini) são animais ectodérmicos que não exibem tais adaptações morfológicas e/ou vasculares para ativamente conservarem calor.
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Figura 3. Um tubarão-martelo-recortado juvenil com sua boca e brânquias abertas, próximo de águas superficiais no Havaí. |
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Curiosidade: O icônico formato achatado e alargado da cabeça dos tubarões-martelos (gênero Sphyrna) fornece uma ampla separação entre os órgãos olfatórios, e parece otimizar a função olfativa tanto em termos de resolução espacial quanto de fluxo de água carregando odorantes para dentro das narinas. Além disso, a "cabeça-martelo" parece também proporcionar vantagens hidrodinâmicas durante o nado em águas rasas ou ambientes marinhos espacialmente complexos; porém, quanto maior e mais larga a cabeça, maior é o benefício sensorial e menor é o benefício hidrodinâmico (Ref.4-5).
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Tubarões-martelo da espécie S. lewini habitam superfícies quentes em oceanos tropicais mas realizam múltiplos mergulhos em profundidades excedendo 800 metros, onde temperaturas são tão baixas quanto 5°C. Esses mergulhos fornecem acesso a presas mesopelágicas e batipelágicas de lenta movimentação que dominam suas dietas (ex.: lulas). Porém, tais mergulhos são arriscados porque acentuado resfriamento corporal através das brânquias - que agem como verdadeiros radiadores nesses animais - pode reduzir a acuidade visual, função cardíaca e força muscular de nado, este último fator podendo ter sérias implicações para ventiladores ram obrigatórios - peixes que dependem do movimento para frente no sentido de forçar água para suas brânquias e permitir respiração efetiva -, como tubarões-martelo.
Para investigar como os tubarões-martelo-recortados são capazes de realizar tais mergulhos em águas tão frígidas, pesquisadores equiparam espécimes adultos com instrumentos que medem profundidade, temperatura ambiente da água, taxas de atividade, orientação corporal e temperatura muscular central - nesse último caso com um termistor inserido ~8 cm na musculatura dorsal próxima da nadadeira dorsal. No total, foram três adultos da espécie (S. lewini), monitorados em uma região costeira no Havaí.
Os resultados do monitoramento mostraram que no fundo dos mergulhos, tubarões experienciavam temperaturas ambientes de 5° a 11°C, e média de ~6,8°C. Portanto, durante as fases de rápida descida do mergulho, os tubarões experienciavam cerca de 20°C de queda na temperatura ambiente e ao longo de um período de 5 a 7 minutos de permanência no fundo realizando a atividade de caça. No entanto, para a surpresa dos pesquisadores, a temperatura corporal dos tubarões não exibiu apreciáveis mudanças até um rápido resfriamento à medida que esses animais se aproximavam da superfície marinha durante o estágio final de mergulho.
Durante as rápidas descidas nas águas mais frias, a temperatura corporal dos tubarões inicialmente caía de forma muito leve (-0,1°C), mas então se mantinha ou constante ou sofria um leve aumento (0,1° a 0,25°C) durante o resto da descida e até 4 minutos no fundo. Após esse período e durante a rápida ascensão para a superfície, a temperatura corporal começava a cair lentamente (0.03° ± 0,02°C/min). Próximo do ponto de inflexão da ascensão (profundidade média de 290 metros), a perda de calor aumentava em uma ordem de magnitude para 0.23° ± 0.15°C/min. A temperatura corporal continuava caindo a essa última taxa até a fase final do mergulho, quando os tubarões alcançavam um ponto próximo da superfície - e totalizando uma queda total de temperatura corporal de 2,8°C desde o fundo do mergulho até a camada superficial. Em outras palavras, considerando o tempo total de mergulho, a temperatura desses tubarões variava muito pouco, mesmo sendo peixes ectodérmicos expostos a uma dramática queda na temperatura ambiente.
Análise dos dados acumulados com um modelo computacional apontou que os tubarões-martelo estavam prevenindo a perda de calor através das brânquias para manter a temperatura constante do corpo - e muito acima da temperatura ambiente - durante os mergulhos. Além disso, vídeo [abaixo] de um dos tubarões nadando ao longo do solo marinho a uma profundidade de 1044 metros mostrou que as fendas nas brânquias desses peixes estavam fortemente fechadas, enquanto que imagens nas águas superficiais mostram os tubarões nadando com as fendas das brânquias bem abertas (Fig.4).
Nesse sentido, os pesquisadores concluíram que os tubarões-martelo estavam 'prendendo' a respiração ao fechar as fendas das brânquias ou a boca ou ambos, impedindo perda de calor pelo sangue em contato direto com as águas frias. Evidência limitada das observações em vídeo sugerem que a estratégia é o fechamento ativo das fendas branquiais, mas essa hipótese precisa ser confirmado por trabalhos futuros. À medida que esses tubarões sobem e alcançam águas mais quentes, eles então abrem rapidamente as brânquias ou a boca, retornando a respiração e marcando uma significativa queda na temperatura corporal.
Ao prevenir a perda convectiva de calor nas brânquias, os tubarões-martelo-recortados mantêm as temperaturas muscular e do coração normais, possibilitando a preservação da função cardíaca e da alta performance de caça durante os mergulhos.
REFERÊNCIAS
- Royer et al. (2023). “Breath holding” as a thermoregulation strategy in the deep-diving scalloped hammerhead shark. Science, Vol. 380, Issue 6645, pp. 651-655. https://doi.org/10.1126/science.add4445
- https://www.soest.hawaii.edu/soestwp/announce/news/hammerhead-sharks-hold-their-breath-on-deep-water-hunts-to-stay-warm/
- https://www.nature.com/articles/d41586-023-01569-x
- Rygg et al. (2013). A Computational Study of the Hydrodynamics in the Nasal Region of a Hammerhead Shark (Sphyrna tudes): Implications for Olfaction. PLOS One, 8(3): e59783. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0059783
- https://utampa.dspacedirect.org/handle/20.500.11868/3572
