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Estudo alerta: nosso conhecimento sobre os músculos humanos está baseado em um modelo teórico incorreto

Figura 1. Ilustração do quadríceps de um rato (visão lateral).

 
Apesar de limitações bem conhecidas, achados gerados em estudos experimentais envolvendo pequenos mamíferos são frequentemente generalizados para humanos, estes os quais são ordens de magnitude maiores. Um alerta nesse sentido foi publicado recentemente no periódico Journal of Physiology (Ref.1), onde pesquisadores trouxeram a primeira medida direta e in situ das propriedades contráteis do músculo humano e o primeiro a demonstrar que extrapolações de estudos em animais não-humanos nessa área geram predições incorretas.


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As propriedades contráteis isométricas da musculatura esquelética representam uma relação clássica de estrutura-função na Biologia, permitindo extrapolação de propriedades mecânicas de fibras únicas para as propriedades de todo o músculo, com base no comprimento ótimo da fibra muscular e na área fisiológica de corte transversal (AFCT). Essa extrapolação apoia-se no argumento estrutural de que o número de fibras agindo em paralelo aumenta a força muscular proporcionalmente e que aumentar o número de sarcômeros (1) em série (equivalente a aumentar o comprimento de fibra normalizado) aumenta a excursão muscular, a faixa de comprimento sobre o qual um músculo pode gerar tensão ativa.


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(1) Sarcômeros: Unidades funcionais contráteis que se repetem nas miofibrilas  e são compostos pelas proteínas actina, tropomiosina, troponina (filamentos finos) e miosina (filamentos grossos). As miofibrilas são filamentos cilíndricos de proteínas que, em conjunto, formam a fibra muscular. O encurtamento dos sarcômeros resulta no encurtamento da fibra e do músculo como um, provocando consequentemente a contração muscular.

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Apesar da lógica de que as propriedades de todo o músculo podem ser preditas da sua arquitetura, validação experimental é esparsa nesse sentido e limitada a estudos com mamíferos de pequeno porte, como porquinhos-da-índia (Cavia porcellus), e então extrapolada para os músculos humanos [propriedades isométricas] que são muito maiores em termos de comprimento e AFCT. Além disso, existem alguns estudos experimentais analisando diretamente ou indiretamente a musculatura esquelética humana com resultados conflitantes. Por exemplo, para músculos de pequenos mamíferos, picos de força têm sido demonstrados ser diretamente proporcionais ao AFCT com uma tensão específica de 15-30 N/cm2. Porém, valores de tensão específica para fibras musculares da mão humana variam de 6 N/cm2 até 20 N/cm2, enquanto valores para o músculo inteiro têm variado de forma dramática, de 10 N/cm2 até acima de 100 N/cm2; para ambos os casos existem experimentos humanos analisando diretamente os músculos, embora muito limitados e associados a metodologias distintas (potencial causa das notáveis variações reportadas).


Apesar dessas aparentes inconsistências, a extrapolação de princípios teóricos aplicados a mamíferos de pequeno porte para a musculatura esquelética humana - especialmente músculos de difícil acesso para estudos experimentais - tem sido generalizada para explicar movimentos patológicos e normais, guiar procedimentos cirúrgicos, entender a anatomia muscular e predizer performance.


No campo cirúrgico, existe um procedimento único no qual o músculo grácil é removido da coxa e transplantado para a cama do músculo do bíceps braquial com o objetivo de restaurar a flexão do cotovelo após lesão do plexo braquial como um músculo de transferência de livre funcionamento (Fig.2). Com base em modelos teóricos tradicionais (suportados por estudos experimentais com pequenos mamíferos), o músculo humano grácil seria inadequado para restaurar a função de flexão do cotovelo, porém, dados clínicos têm mostrado o contrário.

Figura 2. Procedimento cirúrgico de transplante do músculo grácil (gracilis) para o bíceps braquial. O músculo grácil é um músculo longo e fino localizado no compartimento medial (adutor) da coxa. O grácil é o mais superficial dos adutores do quadril. Referência: Lieber et al., 2023


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Para melhor esclarecer essa questão, no novo estudo os pesquisadores resolveram realizar medições diretas e in situ das propriedades contráteis isométricas do músculo grácil humano durante cirurgias de transplante grácil-para-bíceps - uma rara oportunidade, já que fazer medidas dessas propriedades musculares e testar predições de escala e arquiteturais nesse tipo de músculo é algo extremamente invasivo e impossibilitado em estudos experimentais tradicionais. Eles encontraram que o músculo grácil humano funciona como se tivesse fibras relativamente curtas agindo em paralelo - e não como longas fibras como previamente pensado com base em modelos anatômicos de roedores e afins.


Figura 2. Esquemática de um paciente sob procedimento cirúrgico de grácil-para-bíceps durante o estudo experimental. Nervo obturador é isolado e estimulado com a sonda para produzir contração isométrica (destaque esquerdo) enquanto a força do grácil é medida a partir da inserção distal no tendão usando um transdutor de força afivelado (destaque à direita). Biópsias do músculo foram também realizadas para medir o comprimento passivo dos sarcômeros no tecido muscular. Referência: Lieber et al., 2023


Com os dados acumulados durante as análises diretas e invasivas, os pesquisadores estabeleceram que a tensão específica na fibra muscular humana é 24% menor do que aquela tradicionalmente estabelecida, em torno de 170 kPa (~17 N/cm2). Além disso, eles determinaram que o comprimento médio ótimo da fibra grácil é cerca de metade daquele estimado a partir de estudos com músculos de cadáveres humanos, aproximadamente 13 cm.


Pela primeira vez, foi mostrado algo já suspeito: extrapolações de propriedades musculares de pequenos mamíferos para mamíferos de maiores escalas, como humanos, não é cientificamente acurado. Aliás, considerando que o músculo grácil é bem "simples" em comparação com outros músculos no corpo, os resultados do estudo fortemente sugerem que as propriedades estruturais e mecânicas para todos os sistemas musculares humanos estão incorretas nos livros acadêmicos.


"Quando extrapolamos de ratos para humanos, algumas leis de escala funcionam perfeitamente, como no caso de trabalho cardíaco e pressão sanguínea," disse em entrevista o Dr. Richard L. Lieber, autor principal do novo estudo, professor na Universidade de Northwestern, EUA, e pesquisador no Hospital Edward Hines Jr. VA (Ref.2). "No entanto, através desse estudo, nós demonstramos que os mesmos princípios de escala não se aplicam aos músculos, e são, na verdade, não-lineares. De forma objetiva, nós não podemos conduzir um estudo em ratos e, então, simplesmente multiplicar pela diferença de tamanhos corporais para predizer propriedades humanas."


Os achados do novo estudo possuem importantes implicações em diversas disciplinas, desde medicina até educação física. Por exemplo, predizer como será a performance de um músculo após um procedimento cirúrgico é crítico. Vários procedimentos (ex.: alongamento de tendão, transferência de tendão, liberação cirúrgica) alteram o comprimento e a força de músculos. E, atualmente, apenas modelos teóricos musculoesqueléticos - baseados em métodos indiretos de medidas e dados extrapolados de animais não-humanos (geralmente ratos) - podem ser usados para predizer resultados cirúrgicos.


"Descobrir que nossas predições anatômicas estão erradas é uma grande notícia para a ciência humana," disse Dr. Lieber. "É crítico que nós, como cientistas, testemos continuamente nossas suposições. Agora, esse conhecimento nos coloca em um caminho de melhor entendimento da performance, adaptação e potencial de reabilitação dos músculos."


REFERÊNCIAS

  1. Lieber et al. (2023). Direct intraoperative measurement of isometric contractile properties in living human muscle. The Journal of Physiology. https://doi.org/10.1113/JP284092
  2. https://www.sralab.org/articles/news/humans-are-not-just-big-mice-study-identifies-sciences-muscle-scaling-problem

Estudo alerta: nosso conhecimento sobre os músculos humanos está baseado em um modelo teórico incorreto Estudo alerta: nosso conhecimento sobre os músculos humanos está baseado em um modelo teórico incorreto Reviewed by Saber Atualizado on março 31, 2023 Rating: 5

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