Um dos poucos animais nativos da Antártica está seriamente ameaçado pelo aquecimento global antropogênico
Em um estudo publicado recentemente no periódico Functional Ecology (Ref.1), pesquisadores alertaram que o maior animal terrestre nativo da Antártica - e uma das únicas duas espécies conhecidas de insetos endêmicos do território Antártico - pode acabar sendo extinto em um futuro próximo devido ao processo de aquecimento global antropogênico.
A espécie em questão, Belgica antarctica, é um pequeno inseto com 2-6 milímetros de comprimento e que passa a maior parte do seu ciclo de vida como uma larva (quase 2 anos) - adultos sobrevivem por apenas 1-2 semanas após a emergência do verão. Muito bem adaptados às temperaturas extremamente baixas da Antártica (!), esse inseto possui um curioso mecanismo de proteção contra o frio extremo e persistente: deixa o corpo simplesmente congelar. Para prevenir danos de cristais de água se expandindo no interior dos tecidos e células, as larvas ao longo do inverno Antártico perdem até 70% dos fluídos corporais, passando cerca de 6 meses congeladas em um estado suspenso de vida chamado de 'diapausa'. Na diapausa, as larvas não comem, não se movem e quase não fazem nada, mas conseguem sobreviver a temperaturas tão baixas quanto 20°C negativos. A grande resistência à desidratação também ajuda as larvas a suportarem o ar extremamente seco e a escassez de água líquida no ambiente Antártico (adultos são menos tolerantes à desidratação: no máximo, 32-34% de perda de água corporal).
Em experimentos realizados em laboratório, pesquisadores mostraram no novo estudo que um aumento realístico de 2°C nas temperaturas de inverno no microhabitat do B. antarctica reduziu de forma robusta a sobrevivência desse inseto e levou a perdas de energia armazenada no corpo. Corroborando estudos prévios, isso reforça que esses insetos não apenas resistem ao frio extremo, como também dependem do frio intenso para sobreviverem.
> Erroneamente e frequentemente o B. antarctica é citado como o "único inseto da Antártica". Existem hoje duas espécies de insetos conhecidas que são nativas (ou endêmicas) da Antártica: o B. antarctica e o Parochlus steinenii, ambas restritas às regiões marítimas da Antártica (gelo sobre o mar). Porém, o P. steinenii também pode ser encontrado em regiões sub-Antárticas (áreas localizadas imediatamente ao norte da Antártica) e no sul da América do Sul.
> O genoma do B. antartica é um dos menores genomas conhecidos entre os insetos, com apenas 98-99 Mbp de tamanho genômico. É ainda incerto se essa característica genotípica é também uma adaptação ao ambiente extremo da Antártica.
> O B. antartica possui várias adaptações fisiológicas, metabólicas e comportamentais para a sobrevivência na Antártica, além do "truque" de 'desidratação e congelamento'. Por exemplo, para aproveitarem temperaturas mais amenas e estáveis, as larvas se enterram sob a neve, cuja cobertura isola esses insetos do ar extremamente frio.
(!) Com mais de 99,6% da sua área coberta em gelo e neve, a temperatura anual média da Antártica varia de -10°C na costa até -60°C nas partes mais elevadas do interior continental. A temperatura mais baixa já registrada na Antártica foi de -89,2°C na estação Vostok, em 21 de julho de 1983 (Ref.3).
REFERÊNCIAS
- Devlin et al. (2022). Simulated winter warming negatively impacts survival of Antarctica's only endemic insect. Functional Ecology, Volume 36, Issue 8, Pages 1949-1960. https://doi.org/10.1111/1365-2435.14089
- Gañan et al. (2021). Records of Parochlus steinenii in the Maritime Antarctic and sub-Antarctic regions. ZooKeys, 1011:63-73. https://doi.org/10.3897/zookeys.1011.56833
- https://www.antarctica.gov.au/about-antarctica/weather-and-climate/weather/