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Um dos poucos animais nativos da Antártica está seriamente ameaçado pelo aquecimento global antropogênico


- Atualizado no dia 26 de fevereiro de 2025 -
 

Em um estudo publicado em 2022 no periódico Functional Ecology (Ref.1), pesquisadores alertaram que o maior animal terrestre nativo da Antártica - e uma das únicas duas espécies conhecidas de insetos ainda vivos endêmicos do território Antártico - pode acabar sendo extinto em um futuro próximo devido ao processo de aquecimento global antropogênico.


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A espécie em questão, Belgica antarctica, é um pequeno mosquito (ordem Diptera) com 2-6 milímetros de comprimento e que passa a maior parte do seu ciclo de vida como uma larva (quase 2 anos) - adultos sobrevivem por apenas 1-2 semanas após a emergência do verão. Muito bem adaptados às temperaturas extremamente baixas da Antártica (!), esse inseto possui um curioso mecanismo de proteção contra o frio extremo e persistente: deixa o corpo simplesmente congelar. Para prevenir danos de cristais de água se expandindo no interior dos tecidos e células, as larvas ao longo do inverno Antártico perdem até 70% dos fluídos corporais, passando cerca de 6 meses congeladas em um estado suspenso de vida chamado de diapausa. Na diapausa, as larvas não comem, não se movem e quase não fazem nada, mas conseguem sobreviver a temperaturas tão baixas quanto 20°C negativos. A grande resistência à desidratação também ajuda as larvas a suportarem o ar extremamente seco e a escassez de água líquida no ambiente Antártico (adultos são menos tolerantes à desidratação: no máximo, 32-34% de  perda de água corporal).


Em experimentos realizados em laboratório, pesquisadores mostraram no novo estudo que um aumento realístico de 2°C nas temperaturas de inverno no microhabitat do B. antarctica reduziu de forma robusta a sobrevivência desse inseto e levou a perdas de energia armazenada no corpo. Corroborando estudos prévios, isso reforça que esses insetos extremófilos não apenas resistem ao frio intenso, como também dependem do frio intenso para sobreviverem.


Quiescência e Diapausa Obrigatória


O habitat do B. antartica é coberto por gelo e neve durante longos invernos (6-9 meses), e as larvas desse mosquito atravessam esse período a temperaturas muito baixas variando de 2°C negativos até 10°C negativos. Pupas e adultos emergem ao mesmo tempo, de forma sincrônica e pouco após o derretimento da neve. Fêmeas adultas depositam ovos imediatamente após o acasalamento.


Um estudo mais recente, publicado na Scientific Reports (Ref.6), revelou outro crítico mecanismo de adaptação do Belgica antarctica: passa por quiescência no primeiro ano e por diapausa obrigatória no segundo. Quiescência é uma forma de dormência e parada de desenvolvimento em resposta imediata a condições adversas; e quando as condições melhoram, o organismo se torna ativo novamente. Já a diapausa obrigatória é um período dormente naturalmente induzido e geneticamente determinado que é ativado em um momento específico e fixado no ciclo de vida de um organismo. Enquanto diapausa facultativa é comum em espécies habitando ambientes de clima temperado, diapausa obrigatória é um traço mais raro onde insetos não requerem pistas externas (ex.: variação de temperatura ambiente) para iniciar a parada de desenvolvimento porque representa um componente fixado no programa ontogenético.


Após eclosão do ovo, a larva de B. antartica geralmente cresce até o segundo estágio larval no primeiro inverno e passa por quiescência no sentido de estar pronta para voltar ao desenvolvimento a qualquer momento quando o ambiente se torna mais quente - provavelmente maximizando a exploração do curto verão Antártico. À medida que o segundo inverno se aproxima, a larva alcança o quarto e último estágio, mas não se transforma em pupa. Ao invés disso, entra em diapausa obrigatória para emergir como adulta quando o verão chega - junto com os outros indivíduos da espécie e independentemente de onde estão. Na fase adulta, a larva possui apenas alguns poucos dias de vida, com foco exclusivamente reprodutivo; fêmeas que falham em se acasalar nesse curto intervalo de tempo acabam morrendo antes da reprodução.


Pupa de Belgica antarctica. Larvas desse inseto se alimentam de microrganismos, algas e matéria orgânica diversa oriunda de plantas e animais mortos. Barra de escala = 500 μm. Ref.4-6

(A) Adultos macho e fêmea de Belgica antarctica copulando. Adultos vivem por apenas ~2 semanas, não possuem asas, não picam e não se alimentam. Fêmeas morrem pouco depois da deposição de uma massa de ovos. Um total de 40-50 ovos ficam suspensos em um gel proteico e higroscópico - como observado em (B) - que é secretado a partir de uma glândula acessória da fêmea. O gel também fornece nutrientes e proteção (térmica e contra desidratação) para as larvas que eclodem dos ovos. Ref.4

As duas estratégias adaptativas (quiescência e diapausa obrigatória) permitem programar com precisão janelas favoráveis de desenvolvimento e de reprodução em meio ao extremo clima da região. 


> Erroneamente e frequentemente o B. antarctica é citado como o "único inseto da Antártica". Existem hoje duas espécies de insetos conhecidas que são nativas (ou endêmicas) da Antártica: o B. antarctica e o mosquito Parochlus steinenii. Único inseto alado nativo da Antártica, o P. steinenii é encontrado na região marítima da Antártica (nas Ilhas Shetland do Sul) e em regiões sub-Antárticas (áreas localizadas imediatamente ao norte da Antártica) e no sul da América do Sul. Já o B. antarctica é estritamente endêmico de regiões costeiras no oeste da Península Antártica e das Ilhas Shetland do Sul. Nesse sentido, o B. antarctica é o único inseto nativo do continente Antártico. Existem também duas espécies de insetos estabelecidas mas que não são nativas da fauna Antártica terrestre: Eretmoptera murphyi e Trichocera maculipennis.

 
Nas fotos (A-D), espécimes de P. steineii em diferentes estágios de desenvolvimento (Ilhas de South Shetland, Baía de Fildes). (A) Fêmea (acima) e macho (abaixo) adultos; (B) larva; (C) pupa; e (D) um grupo de indivíduos adultos sobre uma pedra. As larvas e pupa de P. steinenii são aquáticas, habitando lagos e fluxos de água, enquanto os adultos alados são terrestres. Gañan et al., 2021

> O genoma do B. antartica é um dos menores genomas conhecidos entre os insetos, com apenas 98-99 Mbp de tamanho genômico. É ainda incerto se essa característica genotípica é também uma adaptação ao ambiente extremo da Antártica.


> O B. antartica possui várias adaptações fisiológicas, metabólicas e comportamentais para a sobrevivência na Antártica, além do "truque" de 'desidratação e congelamento'. Por exemplo, para aproveitarem temperaturas mais amenas e estáveis, as larvas se enterram sob a neve, cuja cobertura isola esses insetos do ar extremamente frio.


(!) Com mais de 99,6% da sua área coberta em gelo e neve, a temperatura anual média da Antártica varia de -10°C na costa até -60°C nas partes mais elevadas do interior continental. A temperatura mais baixa já registrada na Antártica foi de -89,2°C na estação Vostok, em 21 de julho de 1983 (Ref.3).


REFERÊNCIAS

  1. Devlin et al. (2022). Simulated winter warming negatively impacts survival of Antarctica's only endemic insect. Functional Ecology, Volume 36, Issue 8, Pages 1949-1960. https://doi.org/10.1111/1365-2435.14089
  2. Gañan et al. (2021). Records of Parochlus steinenii in the Maritime Antarctic and sub-Antarctic regions. ZooKeys, 1011:63-73. https://doi.org/10.3897/zookeys.1011.56833
  3. https://www.antarctica.gov.au/about-antarctica/weather-and-climate/weather/
  4. Finch et al. (2020) Multi-level analysis of reproduction in an Antarctic midge identifies female and male accessory gland products that are altered by larval stress and impact progeny viability. Scientific Reports 10, 19791. https://doi.org/10.1038/s41598-020-76139-6
  5. Mejias et al. (2023). A polar insect's tale: Observations on the life cycle of Parochlus steinenii, the only winged midge native to Antarctica. Ecology, Volume 104, Issue 3,  e3964. https://doi.org/10.1002/ecy.3964
  6. Yoshida et al. (2025). Obligate diapause and its termination shape the life-cycle seasonality of an Antarctic insect. Scientific Reports 15, 3890. https://doi.org/10.1038/s41598-025-86617-4

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