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Cientistas descobrem nova e estranha bactéria que pode ajudar a esclarecer a evolução da multicelularidade


Apesar de estarem associados a formas de vida unicelulares, vários procariontes exibem multicelularidade com diferentes mecanismos biológicos em uma variedade de contextos ecológicos na Terra. Esses exemplos oferecem potenciais modelos de transição evolutiva da unicelularidade para a multicelularidade. Em um estudo recentemente publicado no periódico eLife (Ref.1), pesquisadores reportaram a descoberta de uma estranha forma de multicelularidade bacteriana, no caso, um organismo procarionte que pode exibir estruturas multicelulares densas e filamentosas e agrupamentos de células-filhas (unicelulares). A bactéria - HS-3 - foi isolada de uma caverna no Japão, e as estruturas filamentosas mostraram se auto-organizar em uma colônia com as propriedades de um cristal líquido nemático. O ciclo de vida unicelular-multicelular parece ser intermediado pelos níveis variantes do fluxo de água na caverna, representando mais um potencial fator de evolução da multicelularidade.


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A emergência da multicelularidade - permitindo a emergência de seres complexos como humanos - é um dos maiores mistérios da vida sobre a Terra. O mais antigo e convincente registro fóssil de vida multicelular é de ~3,42 bilhões de anos, associado a microestruturas filamentosos em sistemas hidrotermais. Desde então, o registro fóssil mostra a emergência de cianobactérias multicelulares dominando a superfície do planeta, as quais foram identificadas tão antigas quanto 2,32 bilhões de anos atrás e são pensadas de serem responsáveis pelo rápido acúmulo dos níveis de oxigênio na atmosfera, um período conhecido como 'Grande Evento de Oxigenação'. Aparentemente, a multicelularidade emergiu várias vezes e de forma independente no planeta em diferentes linhagens, seja em fenótipos procarióticos seja em fenótipos eucarióticos.


Fig.1. Esse fóssil datado em ~1 bilhão de anos atrás é o mais antigo organismo eucariótico fotossintetizante e multicelular conhecido com vestígios comprovados de clorofila, pertencente à espécie Arctacellularia tetragonala. Sforna et al., 2022

Enquanto que experimentos laboratoriais demonstrando evolução de multicelularidade têm usado modelos baseados em organismos unicelulares eucariontes (ex. algas verdes e leveduras) (1) - visando em especial a origem dos animais -, uma diversidade de organismos procariontes atualmente exibem multicelularidade com distintos mecanismos de formação em diferentes contextos ecológicos. Nesse sentido, existem dois tipos principais de multicelularidade: agregativa e clonal. Na multicelularidade agregativa, organismos unicelulares se comportam como multicelulares a partir de intercomunicação entre as células ou através do desenvolvimento de estruturas multicelulares, e podemos citar como exemplo mixobactérias, onde células solitárias se juntam sob condições de estresse para organizar um corpo frutífero. Por outro lado, a multicelularidade clonal ocorre através de divisão celular incompleta, como observado em actinomicetáceas e cianobactérias, e pode ser o processo pelo qual os primeiros ancestrais eucarióticos de todos os animais evoluíram; formação de biofilmes e de filamentos bacterianos são um exemplo bem comum desse tipo de multicelularidade.


(1) Leitura recomendadaTransição evolutiva de unicelular para multicelular é mais fácil do que você pensa


Uma vez que um organismo multicelular tenha emergido a partir de um organismo unicelular, o traço multicelular precisa ser internalizado como informação genética e fixado na população através tipicamente de seleção natural Darwiniana, a qual ocorre ao longo de uma maior escala de tempo englobando múltiplas gerações. Porém, as pressões ecológicas permitindo a seleção de um status de multicelularidade não são ainda bem esclarecidos. Predação, em experimentos laboratoriais, já mostrou ser um fator de fomento à multicelularidade (ex.: agrupamentos de células de algas verdes - durante evolução de multicelularidade - são mais resistentes à predação por protozoários do que células individuais) (1).


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No novo estudo, pesquisadores do Instituto Nacional de Tecnologia (KOSEN), Tóquio, Japão, exploraram as propriedades de uma bactéria (HS-3) com traços multicelulares. A HS-3 foi primeiro descoberta por esses pesquisadores em 2008, isolada de gotas de água pingando em uma caverna no norte da Ilha de Kyushu, Japão. Desinteressante à primeira vista, a HS-3 chamou a atenção quando exibiu uma anômala textura e coloração sobre uma placa de crescimento (Fig.2). A maioria das bactérias sobre placa de ágar exibem uma textura opaca devido à estrutura desordenada da população bacteriana em crescimento, mas a colônia de HS-3 revelou-se transparente e exibindo uma coloração por efeito de iridescência. Comparações fenotípicas com outras espécies próximo-relacionadas confirmaram que a colônia estava associada a uma nova espécie, HS-3, a qual o time deu o nome de Jeogeupia sacculi.


Fig.2. A bactéria HS-3 foi descoberta em uma caverna calcária. (A) Rio na caverna e, na foto em destaque, o local na parede da caverna onde amostras com a bactéria HS-3 foram coletadas. (B) Aparência transparente e iridescente das colônias. Mizuno et al., 2022


Para melhor analisar o crescimento da colônia de J. sacculi, os pesquisadores usaram microscópios. As células bacterianas começavam a se reproduzir como simples cocobacilos, mas a ocorrência de alongamento celular fazia a colônia formar uma estrutura constituída de uma única camada, orientada como moléculas de cristal líquido. Bojos se formaram particularmente nas beiradas da colônia, aliviando a pressão interna e garantindo à HS-3 a habilidade única de manter seu arranjo líquido bidimensional por um período prolongado de tempo, o qual pode ser um pré-requisito para essa espécie estabelecer um comportamento multicelular.


No passo seguinte, a colônia se expandia para formar camadas adicionais. Então, as células filamentosas internas começavam a se dobrar, gerando domínios vórtex-estruturados. Esses domínios e os arranjos similares a um cristal líquido explicaram a transparência observada nas colônias de J. sacculi sobre o ágar. Após dois dias, rápida reprodução celular ocorria internamente e a colônia começava a inchar de forma tridimensional, formando uma esfera semi-fechada abrigando as células de cocobacilos. Após o quinto dia de crescimento, as células internas eram expulsas da colônia, engatilhando uma reação em cadeia desse evento em colônias adjacentes e, portanto, indicando algum controle multicelular (ou seja, as células estavam agindo de forma organizada para uma função específica e respondendo a pistas ambientais).


Como a caverna onde a J. sacculi foi coletada era regularmente sujeita a uma inundação, os pesquisadores resolveram submergir as colônias maduras (na forma de semi-esferas) na água. Os cocobacilos foram, então, espontaneamente liberados na água, deixando para trás a arquitetura celular filamentosa. Ao colocar essas células-filhas soltas na água em uma nova placa de ágar, os pesquisadores descobriram que as células eram capazes de reproduzir a estrutura filamentosa original, mostrando que as duas fases distintas do ciclo de vida da J. sacculi era reversível, provavelmente como resposta às condições únicas da caverna (ciclo de aumento-redução no nível de água). 


Fig.2. Em (A), cocobacilos sendo liberados do centro da colônia, após esta ser submergida em água. Após 35 minutos, em (B), quase todo o agrupamento no centro da estrutura foi liberado, mas deixando para trás a arquitetura de células filamentosas alinhadas aderidas fortemente umas às outras. Essas observações sugerem que as células filamentosas agem para suportar o agrupamento de cocobacilos embebidos. Mizuno et al., 2022


Experimentos subsequentes confirmaram que a natureza multicelular era inerente à J. sacculi e não apenas uma mutação ou contaminação de duas espécies distintas. Além disso, os pesquisadores confirmaram que as mudanças morfológicas nas células e o crescimento multicelular era controlado, incluindo o processo de expulsão de células-filhas. 


Somados, os achados suportam a Teoria do Andaime Ecológico, a qual busca explicar transições evolucionárias na individualidade (Ref.4). No caso, dinâmicas ambientais específicas favorecem a coletividade e a divisão de trabalho em células individuais, aumentando as chances de sobrevivência do grupo e garantindo a dispersão de "sementes" para novas áreas adequadas para o crescimento celular (interação otimizada entre taxas no uso de recursos e o tempo para eventos de dispersão). Seleção natural, então, age para manter o traço de multicelularidade. No caso, da J. sacculi, o comportamento multicelular pode proteger a colônia por tempo suficiente até o fluxo de água dentro da caverna aumentar e levar as células-filhas para novas áreas ricas em nutrientes.


REFERÊNCIAS

  1. Mizuno et al. (2022). Novel multicellular prokaryote discovered next to an underground stream, eLife 11:e71920. https://doi.org/10.7554/eLife.71920 
  2. https://elifesciences.org/for-the-press/2392c15d/researchers-discover-new-multicellular-bacteria-species
  3. Sforna et al. (2022). Intracellular bound chlorophyll residues identify 1 Gyr-old fossils as eukaryotic algae. Nature Communication 13, 146. https://doi.org/10.1038/s41467-021-27810-7
  4. Black et al. (2020). Ecological scaffolding and the evolution of individuality. Nature Ecology & Evolution. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1086-9

Cientistas descobrem nova e estranha bactéria que pode ajudar a esclarecer a evolução da multicelularidade Cientistas descobrem nova e estranha bactéria que pode ajudar a esclarecer a evolução da multicelularidade Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 06, 2022 Rating: 5

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