Estudo demonstra que abelhas também brincam!
Hoje existem mais de 25 mil espécies de abelhas no mundo catalogadas, com muitas outras para serem descobertas. Cruciais polinizadores, esses insetos (ordem Hymenoptera) surgiram há cerca de 130 milhões de anos - evoluindo a partir das vespas -, em uma época quando ainda éramos pequenos mamíferos peludos. Mas apesar de serem insetos e exibirem um cérebro aparentemente simples, as abelhas - em particular dos gêneros Apis e Bombus - possuem uma relativa alta capacidade cognitiva. De fato, essas abelhas sabem contar, conseguem realizar cálculos de soma e de subtração, conseguem aprender simbolismos numéricos e ainda possuem noção do que é o zero (0) (1). E evidência mais recente fortemente sugere que essas abelhas são também capazes de sentir dor (2).
Leitura recomendada:
- (1) Abelhas sabem contar, somar, subtrair, aprender símbolos numéricos e discriminar o zero
- (2) Abelhas podem sentir dor, aponta estudo
Agora, em um estudo publicado recentemente no periódico Animal Behaviour (3), pesquisadores concluíram que as abelhas da espécie Bombus terrestris são capazes também de brincar com um objeto por puro "prazer" - primeira vez que um comportamento dessa natureza é reportado em um inseto -, trazendo mais uma evidência de que esses insetos experienciam "sentimentos" positivos.
Brincar não é um ato limitado a humanos, sendo um fenômeno observado ao longo de várias espécies de animais. Brincadeiras são pensadas de contribuir para o desenvolvimento saudável e manutenção das habilidades cognitivas e motoras, beneficiando, por exemplo, estratégias de busca por alimento, e é considerado um importante aspecto do bem-estar de animais. Porém, os mais claros exemplos para essas atividades recreativas estão associados a mamíferos e aves com grandes cérebros, enquanto investigações sistemáticas desse comportamento em outros animais são muito limitadas. Um dos motivos para isso é a dificuldade histórica e acadêmica para se definir o que é 'brincar'.
Cinco critérios têm sido usados para caracterizar o ato de brincar em diferentes espécies:
- Critério I: brincar é reconhecido como um comportamento que não é totalmente funcional no contexto em que é expresso e, portanto, não resulta em óbvio, imediato e adaptativo resultado (ex.: o comportamento não deve ser feito para se conseguir comida, parceiro sexual ou abrigo).
- Critério II: brincar é um comportamento voluntário, espontâneo ou recompensador por si só, e, portanto, não deve requerer uma associação com outra recompensa (ex.: comida) para ser realizado.
- Critério III: o comportamento para brincadeiras deve diferir de outros comportamentos imediatamente funcionais na sua forma, ou seja, as ações motoras para o comportamento são diferentes daquelas usadas, por exemplo, para a busca por comida ou no acasalamento.
- Critério IV: brincar é um comportamento repetitivo, mas não estereotipado, separando-o de ocorrências aleatórias e muito raras ou de tiques habituais.
- Critério V: estresse pode prevenir os animais de brincar ou temporariamente pausar uma brincadeira, apesar do ato de brincar também possuir o potencial de reduzir estresse a curto prazo. Nesse sentido, brincar é entendido de ser um fenômeno prazeroso, iniciado quando um animal está em um estado relaxado.
Comportamento de brincar pode ser geralmente separado em três principais categorias: brincadeira social, locomotora e com objeto. Múltiplas categorias podem ocorrer simultaneamente. Brincadeira social engloba interações divertidas entre animais, geralmente entre os membros mais jovens de uma mesma espécie, como "brincar de luta". Brincadeira locomotora envolve movimentos corporais intensos e sustentados, como correr e pular, sem qualquer necessidade para tal. Brincadeira com objetos envolve manipulação de objetos inanimados (ex.: uma bola).
Estudos prévios já reportaram evidência anedótica para comportamentos de brincadeira para insetos como formigas (espécie Formica rufa) e jovens vespas (espécie Polistes dominulus), análogos a lutas recreativas. Porém, comprovação científica era até o momento inexistente para o ato de brincar em qualquer invertebrado.
No novo estudo, pesquisadores analisaram 45 abelhas mamangavas da subespécie B. t. audax, observando o comportamento dessas últimas durante interação com 18 bolinhas de madeira (diâmetro = 15 mm) encapadas com uma película de plástico em diferentes cenários experimentais. Doze bolinhas foram pintadas de amarelo ou roxo; as outras seis bolinhas foram deixadas com a cor original de madeira.
Em arenas, as abelhas recebiam as opções de atravessar um caminho desobstruído para alcançar uma área de alimentação ou desviar desse caminho para as áreas com as bolinhas de madeira. Abelhas individuais rolavam as bolinhas entre 1 e, notavelmente, 117 vezes ao longo do experimento. A repetitiva natureza do comportamento sugeriu que rolar as bolinhas era recompensador.
Essa observação foi suportada por outro experimento onde 42 abelhas tinham acesso a duas câmaras coloridas, uma sempre contendo bolinhas móveis e uma sem qualquer objeto. Quando testadas e dadas a escolha entre as duas câmaras - nenhuma delas contendo qualquer bolinha -, as abelhas mostraram uma preferência pela câmara colorida com a cor associada à presença de bolinhas.
Em todos os experimentos, os pesquisadores asseguraram que a movimentação das bolinhas não estivesse associada com qualquer outro propósito a não ser comportamento de brincadeira. As análises concluíram que rolar as bolinhas não contribuía para estratégias de sobrevivência, como ganho de alimento, limpeza de caminho ou acasalamento, e o comportamento foi realizado sob condições livres de estresse. Nesse mesmo sentido, não foram observados comportamentos sugerindo que as abelhas estavam tentando procurar néctar ou pólen nas bolinhas; aliás, bolinhas tanto coloridas quanto não-coloridas eram roladas pelas abelhas (preferência pelas bolinhas coloridas poderiam indicar, por exemplo, busca por flores). Segundo os autores do estudo, as características do comportamento preenchiam as cinco categoriais para classificá-lo como um ato de brincar.
> No vídeo abaixo, alguns registros das abelhas brincando com as bolinhas:
Além disso, os pesquisadores observaram que as abelhas mais jovens rolavam mais as bolinhas do que as abelhas mais velhas, e que as abelhas machos rolavam as bolinhas por mais tempo do que as abelhas fêmeas. Ambos os padrões são observados em aves e mamíferos que sabidamente engajam em brincadeiras, incluindo humanos (ex.: crianças brincam bem mais do que adultos), mas ainda é incerto se o comportamento traz também benefícios para o desenvolvimento cerebral e motor das abelhas.
O estudo traz mais uma forte evidência que as abelhas são animais cognitivamente muito mais complexos do que tradicionalmente pensado para insetos em geral, possuindo provavelmente alguma forma de senciência (capacidade de ter percepções conscientes do que acontece a você e às coisas ao seu redor). Aumenta também a importância de proteger esses fascinantes insetos, especialmente dos danos trazidos pelo uso excessivo e inadequado de agrotóxicos.
(2) REFERÊNCIA
- Dona et al. (2022). "Do bumble bees play?" Animal Behaviour. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2022.08.013