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Esse animal é imortal, e os cientistas estão começando a desvendar seus segredos genéticos


Enquanto o envelhecimento com avanço da idade é um processo irreversível e letal para quase todos os organismos vivos, a água-viva da espécie Turritopsis dohrnii é a única espécie conhecida de animal capaz de se rejuvenescer repetidamente após a reprodução sexual, tornando-se, nesse sentido, biologicamente imortal. Desvendar os segredos genéticos dessa espécie, portanto, pode oferecer importantes ferramentas para pesquisas de longevidade, câncer e doenças degenerativas diversas em humanos. Um estudo publicado esta semana no periódico PNAS (Ref.1) realizou uma detalhada análise genômica comparativa entre a T. dohrnii e uma espécie do mesmo gênero (Turritopsis) mas sem a capacidade de rejuvenescer em estágios de maturidade, a T. rubra. Comparando um conjunto de quase 1000 genes relacionados ao envelhecimento e ao reparado do DNA entre ambas as espécies, os pesquisadores revelaram cruciais mecanismos moleculares por trás da habilidade de rejuvenescimento do T. dohrnii


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Seleção natural declina com a idade e particularmente afeta genes que são importantes nos fenótipos pré-reprodutivos, independentemente dos seus efeitos pós-reprodutivos. Em outras palavras, o mecanismo evolutivo de seleção natural tipicamente não dá a mínima com o que vai acontecer com o seu corpo uma vez que você cumpriu seu "objetivo" de vida, ou seja, efetiva reprodução e propagação dos seus genes para próximas gerações. Portanto, variantes que são danosas apenas mais tarde na vida não são prontamente eliminadas do genoma de uma espécie. Consequentemente, envelhecimento acompanha, como regra geral, os mais diversos organismos vivos, incluindo expressão de marcadores associados com um declínio de saúde e dos potenciais de regeneração, como senescência celular e instabilidade genômica. 


Algumas poucas espécies, porém, evoluíram habilidades que permitem driblar ou dramaticamente frear processos de envelhecimento (1). Em especial várias espécies de cnidários - grupo que inclui águas-vivas, caravelas, anêmonas-do-mar, corais-moles e as hidras - possuem poderosos e singulares mecanismos de plasticidade no desenvolvimento e até mesmo de reversão da ontogenia (desenvolvimento de um indivíduo desde sua origem até a maturidade). No caso da reversão da ontogenia, essa rara habilidade é geralmente perdida uma vez que os indivíduos alcançam a maturidade sexual. Apenas três espécies dentro do gênero Turritopsis têm sido reportadas de rejuvenescer após a reprodução: T. dohrnii, T. sp.5 e T. sp.2. Porém, enquanto as últimas duas espécies exibem uma acentuada queda na capacidade de reversão após a maturidade, o T. dohrnii é o único que mantêm um alto potencial de rejuvenescimento (até 100%) em estágios pós-reprodutivos, alcançando, literalmente, a imortalidade biológica e só podendo ser morto por predação ou danos letais, mas não de envelhecimento.



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A T. dorhnii possui apenas 4 mm de diâmetro e se reproduz via brotamento quando está na forma de pólipo (forma fixa) e via sexuada quando medusa (forma de nado livre), nesse último caso se reproduzindo como nós (via produção e união de gametas masculino e feminino) (esquema mais adiante). Sob circunstâncias desfavoráveis, a medusa naturalmente passa por reprogramação celular para reverter a um estágio mais jovem do ciclo de vida (pólipo) através de um processo chamado de transdiferenciação, e, nesse sentido, indefinitivamente evita a morte.   



Enquanto as outras águas-vivas tipicamente se tornam reprodutivamente maduras, liberam gametas e morrem, a forma de medusa do T. dohrnii quando estressada, danificada ou sob processo de envelhecimento simplesmente se estabelece sobre uma superfície e se transforma em um estágio de cisto que, em 24-72 horas, sofre metamorfose de volta a um pólipo juvenil. Via reprodução assexuada, o pólipo resultante então se desenvolve para uma colônia maior (pólipo colonial) que pode então liberar novas medusas rejuvenescidas com o mesmo material genético da medusa original.


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No novo estudo, os pesquisadores primeiro sequenciaram os genomas da T. dohrnii e da T. rubra, encontrando um tamanho genômico estimado de 390 megabases (Mb) para a "água-viva imortal" e de 210 Mb para a "água-viva mortal". Em relação ao número total de genes, foi previsto um conjunto de 17468 genes no T. dohrnii e de 9324 genes no T. rubra, valores consistentes com o tamanho genômico de cada espécie. Desses conjuntos de genes, os pesquisadores identificaram 28 variações no número de cópias e 10 variantes (alelos) únicos para o T. dohrnii ou o T. rubra. Analisando essas diferenças genéticas entre as duas espécies, foram encontradas variantes e expansões de genes associadas com replicação, reparo do DNA, manutenção dos telômeros, ambiente redox, população de células tronco e comunicação intercelular, todas aparentemente relevantes para o peculiar processo de rejuvenescimento do T. dohrnii



No geral, considerando os resultados dessa primeira parte de análises, foi possível inferir que o T. dohrnii, em comparação com outros cnidários:


- parece ter mecanismos replicadores e sistemas de reparo significativamente mais eficientes. Por exemplo, foram identificadas amplificações dos genes POLD1 (duas cópias) e POLA2 (quatro cópias), ambos associados às enzimas polimerases (responsáveis por catalisar a reação de polimerização de ácidos nucleicos - DNA ou RNA - a partir dos seus monômeros).


- mais eficiente regulação da resposta ao estresse oxidativo, incluindo a presença de cinco cópias de um gene TXN - proteína redox tioredoxina - e duplicação do gene responsável pela glutationa redutase GSR. Estresse oxidativo resultante de espécies reativas oxigenadas (endógenas e exógenas) podem também alterar homeostase celular e causar danos internos, como aumento da instabilidade genômica.


- possui atividade da enzima telomerase otimizada ou mais finamente regulada, com a presença de duas cópias do gene GAR1 (responsável pela síntese de uma proteína necessária para a manutenção do telômero) e variantes no gene POT1, também associado à manutenção do telômero. O encurtamento do telômero - sequências repetitivas de DNA que existem nas extremidades dos cromossomos - está associado com o envelhecimento em humanos e outros animais.


- possui maior proteção contra desregulação do ciclo celular, incluindo a presença de variantes altamente conservadas associadas à regulação das divisões celulares e reparo de erros no DNA.


- possui mecanismos e caminhos mais eficientes relacionados às funções das células-tronco, com a presença de duas cópias do gene GLI3, responsável por um fator de transcrição envolvido na via de sinalização Hedgehog.


No geral, os resultados sugeriram que amplificações genéticas e variantes pontuais únicas no T. dohrnii afetam sua eficiência replicadora, assim como as atividades de reparo do DNA e da manutenção dos telômeros, os quais podem ser processos cruciais para o rejuvenescimento e a proliferação celulares. Além disso, expansões e variações sequenciais de genes associados com o reparo de DNA, disfunção mitocondrial e comunicação intercelular podem aumentar a capacidade dessa espécie de manter um ótimo ambiente redox e reduzir danos celulares durante eventos estressantes. Por fim, o T. dohrnii parece possuir um controle otimizado do ciclo celular que pode fortalecer as capacidades de plasticidade e de regeneração.


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Na segunda parte do estudo, os pesquisadores induziram o processo de rejuvenescimento no T. dohrnii colocando vários indivíduos sob estresse, incluindo regime de fome. À medida que as formas de medusa encolhiam (cistos), brotavam como pólipos e começavam a reconstruir corpos adultos novamente, os cientistas analisaram as moléculas de RNA mensageiro (mRNA) (2) de cada fase para acompanhar quais genes estavam sendo ativados e quais estavam sendo silenciados no processo.


(2) Leitura recomendadaCientistas "brincando de Deus": Letras artificiais no DNA


Os resultados dessa nova etapa de análises mostraram que, nos indivíduos adultos (medusas), genes associados ao desenvolvimento - particularmente aqueles relacionados ao complexo repressor policombo 2 (gene PRC2) - ficavam ativos ou expressos em altos níveis, ou seja, sendo usados frequentemente para a síntese de proteínas diversas. Porém, à medida que os indivíduos começavam o processo de reversão do ciclo de vida, esses genes se tornavam silenciados, com a expressão de proteínas alcançando os níveis mais baixos na fase de cisto. Já genes associados à pluripotência - ou seja, ligados à habilidade de uma célula de crescer para uma variedade de formas totalmente desenvolvidas - tiveram uma tendência oposta: eram silenciados na fase adulta e ativados durante o processo de regressão à forma de pólipo, retornando à dormência quando o processo se completava.


Esses resultados sugerem que sequências de DNA normalmente armazenadas em silêncio no ciclo normal de desenvolvimento do T. dohrnii - e mantidas altamente conservadas pelos processos otimizados de manutenção, proteção e reparo do DNA dessa espécie - são trazidos de volta durante a transdiferenciação, permitindo um perfeito e contínuo ciclo de múltiplos "resets" e estabelecimento de uma imortalidade biológica. 


Apesar do estudo não abrir um caminho para humanos alcançarem a tão sonhada imortalidade - já que o corpo dessas águas-vivas é muito distinto do nosso e devido à presença de uma orquestra única e muito complexa de mecanismos moleculares necessária para a transdiferenciação -, os achados podem ajudar a desenvolver terapias que retardam ou previnam processos associados ao envelhecimento da nossa espécie, considerando que muitos genes e estruturas genéticas no T. dohrnii são compartilhadas com o Homo sapiens por causa da ancestralidade comum.


REFERÊNCIAS

  1. Pascual-Torner et al. (2022). Comparative genomics of mortal and immortal cnidarians unveils novel keys behind rejuvenation. PNAS, 119 (36) e2118763119. https://doi.org/10.1073/pnas.2118763119 
  2. Matsumoto & Miglietta (2021). Cellular Reprogramming and Immortality: Expression Profiling Reveals Putative Genes Involved in Turritopsis dohrnii’s Life Cycle Reversal. Genome Biology and Evolution, Volume 13, Issue 7, evab136. https://doi.org/10.1093/gbe/evab136
  3. https://www.nytimes.com/2022/09/06/science/immortal-jellyfish-gene-protein.html
  4. https://www.genecards.org/cgi-bin/carddisp.pl?gene=GAR1

Esse animal é imortal, e os cientistas estão começando a desvendar seus segredos genéticos Esse animal é imortal, e os cientistas estão começando a desvendar seus segredos genéticos Reviewed by Saber Atualizado on setembro 09, 2022 Rating: 5

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