Cientistas descrevem fungo que transforma moscas fêmeas em zumbis e machos em necrófilos
- Atualizado no dia 18 de maio de 2025 -
Para assegurar dispersão, vários parasitas e patógenos manipulam o comportamento de hospedeiros infectados. Já outros patógenos e certas flores imitam e liberam sinais de atração sexual para atrair animais diversos. Em um estudo publicado em 2022 no periódico The ISME Journal (Ref.1), pesquisadores descreveram uma tática única que que evoluiu em um fungo patogênico que une as duas estratégias (manipulação comportamental e atração sexual). Pertencente à espécie Entomophthora muscae e responsável por infectar moscas domésticas (Musca domestica) com esporos letais, o fungo manipula o comportamento das fêmeas infectadas e "enfeitiça" as moscas machos saudáveis (sem infecção fúngica) no sentido destes praticarem necrofilia com o corpo de fêmeas infectadas, aumentando a chance de uma nova infecção.
Mosca zumbi
Seguindo a exposição da mosca aos esporos do fungo E. muscae (conídios), estes irão germinar e penetrar a cutícula do inseto para ganhar acesso ao hemocelo (seios ou espaços dos tecidos cheios de sangue). O ciclo de vida dentro do hospedeiro ocorre ao longo de 6 a 7 dias. Durante o processo de infecção, a mosca exibe atividade reduzida, padrões alterados de voo e capacidade reprodutiva reduzida. Indo para o estágio final da infecção, a mosca infectada é forçada pelo fungo a subir a uma posição elevada, estender e afixar sua probóscide à superfície do substrato, e elevar as asas à medida que o hospedeiro morre. Curiosamente, a mudança comportamental induzida pelo fungo na mosca moribunda ocorre dentro de horas antes do pôr-do-sol (Ref.4).
Algumas horas após a morte do hospedeiro, o fungo emerge a partir das regiões entre a membrana intersegmental do abdômen. A liberação ativa de esporos infecciosos no ambiente (esporulação) ocorre ao longo de ~24 horas, momento quando o cadáver começa a desidratar e perder infectividade. Os conídios são ejetados de força forçada a partir de conidióforos em alta velocidade a uma distância considerável para ser transmitido a outras moscas saudáveis. A elevação permanente das asas induzida pelo fungo facilita a dispersão dos esporos.
Fêmea cadáver
Após ter infectado uma mosca fêmea com seus esporos, o fungo se espalha até que o hospedeiro tenha sido lentamente consumido vivo de dentro para fora através de enzimas específicas. Depois de ~6 dias, o fungo toma controle do comportamento da mosca fêmea e a força a ir para o ponto mais alto possível - seja sobre vegetação seja sobre uma estrutura artificial (ex.: parede) - onde a mosca se prende ao substrato com as partes bucais e, então, morre. Quando o fungo mata a fêmea "zumbi", ele então começa a liberar sinalizadores químicos voláteis conhecidos como sesquiterpenos.
Esses sinalizadores agem como feromônios que manipulam as moscas machos saudáveis, causando uma grande urgência por sexo nesses insetos e levando-os a copular com o cadáver das fêmeas. Enquanto a mosca macho copula com a fêmea morta, os esporos do fungo acabam impregnados nos machos - ejetados com velocidades de até 10 m/s -, os quais, então, se tornam infectados e têm o mesmo trágico destino das fêmeas. Nesse sentido, o E. muscae assegura sobrevivência.
E os cadáveres das fêmeas são mais atrativos para os machos "enfeitiçados" à medida que o tempo passava. Especificamente, os pesquisadores observaram que 73% das moscas machos analisadas copulavam com os cadáveres de fêmeas que tinham morrido pela infecção fúngica há 25-30 horas. Apenas 15% dos machos copulavam com os cadáveres de fêmeas que tinham morrido há 3-8 horas. A explicação para isso é que o número de esporos nas fêmeas mortas e infectadas aumentam com o passar do tempo, aumentando a liberação de sesquiterpenos.
A melhor descrição do sinistro fungo pode também abrir as portas para o desenvolvimento de ferramentas visando o controle biológico de moscas domésticas, estas as quais são potenciais vetores de patógenos e responsáveis por doenças em humanos e outros animais. Os sesquiterpenos produzidos pelo E. muscae podem, por exemplo, ser usados para atrair as moscas para armadilhas ao invés de cadáveres, ajudando a reduzir a população desses insetos.
Rejeição de machos infectados
Como a mosca doméstica adulta vive de 3 a 4 semanas, e o fungo mata a mosca em apenas ~6 dias sob temperatura ambiente ideal (quase 100% de mortalidade nesse contexto), isso implica em dramática redução da expectativa de vida e do potencial de sucesso reprodutivo dos indivíduos infectados. Machos infectados exibem significativa e progressiva perda de libido, e com reduzida atividade e performance de acasalamento. Em apenas três dias de infecção, machos passam também a exibir menor viabilidade de espermatozoides. E existe evidência experimental mais recente (Ref.6) de que as fêmeas tendem a rejeitar os machos infectados. Apesar disso, prevalência desse fungo em populações selvagens de moscas pode alcançar ~100%.
REFERÊNCIAS
- Naundrup et al. (2022). Pathogenic fungus uses volatiles to entice male flies into fatal matings with infected female cadavers. ISME Journal. https://doi.org/10.1038/s41396-022-01284-x
- https://science.ku.dk/english/press/news/2022/zombie-fly-fungus-lures-healthy-male-flies-to-mate-with-female-corpses/
- Elya et al. (2021). The genus Entomophthora: bringing the insect destroyers into the twenty-first century. IMA Fungus 12, 34. https://doi.org/10.1186/s43008-021-00084-w
- Edwards et al. (2024). Rearing zombie flies: Laboratory culturing of the behaviourally manipulating fungal pathogen Entomophthora muscae. MethodsX, Volume 12, 102523. https://doi.org/10.1016/j.mex.2023.102523
- Stajich et al. (2024) Signatures of transposon-mediated genome inflation, host specialization, and photoentrainment in Entomophthora muscae and allied entomophthoralean fungi. eLife, 12:RP92863. https://doi.org/10.7554/eLife.92863.3
- Edwards et al. (2024). Low sex drive and choosy females: fungal infections are a reproductive downfall for male house flies, Behavioral Ecology, Volume 35, Issue 2, arae004, https://doi.org/10.1093/beheco/arae004
