Descrença na evolução humana fomenta preconceito, racismo e intolerância, conclui estudo
A Teoria da Evolução busca explicar o fenômeno evolutivo, este o qual foi o responsável pela diversificação da vida no nosso planeta. Porém, existe ainda muita resistência relativa à aceitação da evolução biológica, particularmente quanto a origem da nossa espécie (Homo sapiens). Grande parte dessa resistência possui uma raiz religiosa. Em um estudo publicado esta semana no periódico Journal of Personality and Social Psychology (1), pesquisadores da Universidade de Massachusetts Amherst encontraram que a descrença na evolução humana está associada com maiores níveis de preconceito, atitudes racistas e suporte a comportamentos discriminatórios contra negros, imigrantes e a comunidade LGBTQ nos EUA. De forma similar, ao redor do mundo - em 19 países do Leste Europeu, 25 países Muçulmanos e em Israel - baixo suporte à evolução mostrou estar ligado a um maior nível de viés dentro de um grupo de pessoas, atitudes prejudiciais contra pessoas em grupos diferentes e menos suporte para resolução de conflitos.
De forma simples e generalizada, a evolução biológica é a descendência com modificações. O termo se refere a mudanças através do tempo à medida que as espécies se tornam modificadas e divergem para produzir múltiplas espécies descendentes. Essa definição engloba a evolução em micro-escala (mudanças na frequência de genes em uma população de uma geração para a próxima) e evolução em macro-escala (a descendência de diferentes espécies de um ancestral comum ao longo de várias gerações). Mas ao contrário da crença popular, nem o termo nem a ideia de uma evolução biológica começou com o Darwin e seu famoso trabalho, On the Origin of Species by Means of Natural Selection (1859). Muitos acadêmicos e filósofos da Grécia Antiga já tinham sugerido que espécies similares tinham descendido de um ancestral comum, a partir de observações anatômicas. Acadêmicos Muçulmanos do período Medieval também chegaram a defender ideias evolutivas similares.
Com o Darwin surgiu a impactante ideia de que a evolução biológica era dada por meio da seleção natural (e da seleção sexual). Diferenças fenotípicas entre indivíduos de uma mesma população são favorecidas ou não pela seleção do ambiente (ou do parceiro sexual) de forma a manter o mais apto a sobreviver e gerar mais descendentes. Nascia a Teoria da Evolução via Seleção Natural e Sexual. Nas décadas subsequentes, avanços no campo da genética e da paleontologia expandiram e fortaleceram ainda mais a teoria evolutiva, esta a qual continua em contínuo refinamento e expansão com novas descobertas. O fenômeno evolutivo é um fato científico, e explica a origem de todas as espécies na Terra, incluindo os humanos modernos (H. sapiens).
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Seguindo os eventos da Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, psicólogos sociais começaram a focar muitos dos seus esforços no entendimento das forças destrutivas na natureza humana que levam ao preconceito, violência em massa e genocídios, na esperança de que esses esforços ajudassem a prevenir futuras atrocidades e crimes contra a humanidade.
Um dos mecanismos usados para essas atrocidades são as campanhas de desumanização das vítimas ao compará-las a animais "inferiores", e tal estratégia permeia toda a história humana. Nas Grandes Navegações, os colonizadores Europeus da América, por exemplo, compararam os povos indígenas a animais selvagens e, anos mais tarde, justificaram a escravização dos negros ao caracterizá-los como sub-humanos. No massacre de Nanjing, os Japoneses compararam os Chineses e os Coreanos a cães e porcos. No genocídio de Ruanda, um país na África Central, os Hutu compararam os Tutsi a baratas. A lista de exemplos históricos de desumanização com o objetivo de hostilidade, violência e genocídio é longa, tanto em tempos antigos, quanto em tempos modernos.
Na busca de novos meios de prevenir ou reduzir desumanização, alguns psicólogos sociais têm explorado estratégias para re-humanizar grupos humanos distintos na visão uns dos outros. Recentemente, tentativas nesse sentido voltaram-se à análise de uma interessante questão: será que aceitar a noção de que somos relacionados aos outros animais reduz o nível de preconceito contra pessoas de outros grupos? De fato, a teoria evolutiva mostra que o H. sapiens emergiu a partir de ancestrais comuns com outros animais hoje habitantes do planeta, com os chimpanzés (Pan troglodytes) representando nossos parentes ainda vivos mais próximos (!). Temos muito mais características anatômicas, fisiológicas, metabólicas e genéticas com outros animais do que diferenças; o mesmo é válido entre diferentes grupos humanos habitando diferentes partes do planeta. Nesse contexto, surge outra questão: uma maior aceitação da evolução biológica pela população leva a um menor nível de desumanização?
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A razão primária para a rejeição à evolução biológica é o fato de que várias religiões ao redor do mundo oferecem uma explicação diferente para a origem dos seres humanos - por exemplo, que nós fomos criados à imagem de Deus. No entanto, enquanto descrença na evolução humana é frequentemente enraizada na religiosidade, ela também varia entre os indivíduos religiosos; mesmo indivíduos altamente religiosos podem aceitar de forma geral os conceitos centrais do processo evolutivo. Ultimamente, indivíduos que acham que não derivaram de outros animais percebem a si mesmos como qualitativamente diferentes de outros animais (ou nem mesmo se veem como animais) e isso pode afetar suas atitudes frente a outros animais e grupos humanos distintos.
No novo estudo, os pesquisadores buscaram avaliar a validade dessa hipótese, ou seja, a possível relação direta entre descrença na evolução biológica e intolerância contra grupos distintos de humanos. Eles inicialmente propuseram que a crença na evolução tende a aumentar a identificação das pessoas com toda a humanidade, devido à ancestralidade comum, e que isso levaria a menos preconceito.
Em oito investigações envolvendo diferentes áreas do mundo, os pesquisadores coletaram e analisaram dados do American General Social Survey (GSS), do Pew Reserarch Center e de três amostras de pesquisas populacionais online, todos explorando questões como crença na evolução, atitudes relativas a imigrantes, negros, ações afirmativas, pessoas LGBT+, e outros temas sociais. Para testar a hipótese levantada, eles levaram em conta nas análises fatores educacionais, ideologia política, religiosidade, identidade cultural e conhecimento científico. Independentemente dos co-fatores e dos grupos de inserção, e após controle para todas as explicações alternativas, as análises terminavam sempre com os mesmos resultados, basicamente mostrando que a crença na evolução está relacionada com menos preconceito.
Para exemplificar, crenças religiosas, assim como ideologia política, foram medidas separadamente da crença ou descrença na evolução. Independentemente se as pessoas consideravam religião como parte importante da vida, ou da crença (ou falta de crença) em Deus ou qualquer religião em particular, crença na evolução mostrava estar significativamente associada com menos preconceito. O efeito e o padrão dessa associação mostraram estar presentes em todos os principais sistemas políticos, indicando se tratar de um fenômeno humano independentemente das fronteiras geográficas.
Historicamente, um dos conceitos centrais da teoria evolutiva ("sobrevivência do mais apto", referindo-se ao mecanismo de seleção natural) têm sido citado como perpetuador do racismo, preconceito e da homofobia. Porém, os resultados do novo estudo mostram exatamente o contrário: crença na evolução parece suportar efeitos positivos de união entre os povos. Segundo concluíram os autores do estudo, a descrença na evolução humana é o fator mais consistente fomentando o preconceito em comparação a outros constructos relevantes.
Em Israel, pessoas com uma maior crença na evolução eram mais prováveis de suportar paz entre Palestinos, Judeus e Árabes. No mundo Islâmico, crença na evolução estava associada com menos prejuízo contra Cristãos e Judeus. E, no Leste Europeu, onde Cristãos Ortodoxos são a maioria, crença na evolução estava ligada com menos preconceito contra ciganos, Judeus e Muçulmanos.
Aceitação da evolução biológica (incluindo humana) pode expandir o "círculo moral", levando ao senso de que nós temos mais em comum uns com os outros do que diferenças. Os autores do novo estudo argumentaram que o ensino da evolução biológica pode promover uma sociedade melhor ou mais harmoniosa.
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IMPORTANTE: NÃO existem raças humanas. Variações intra-populacionais são maiores do que variações inter-populacionais. Todos pertencem à mesma espécie (Homo sapiens), e sem presença de subespeciação ou significativa divergência evolutiva entre os atuais humanos. Para mais informações, acesse: Existem raças humanas?
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REFERÊNCIA
- (1) Syropoulos et al. (2022). Bigotry and the human-animal divide: (Dis)belief in human evolution and bigoted attitudes across different cultures. Journal of Personality and Social Psychology. http://dx.doi.org/10.1037/pspi0000391