Descoberto embrião fossilizado de dinossauro extremamente bem preservado dentro de um ovo
As aves modernas são os últimos dinossauros (terópodes aviários) que sobreviveram do dramático evento de extinção em massa que teve início há cerca de 66 milhões de anos. Ao longo dos últimos 100 anos, vários ovos fossilizados de dinossauros têm sido encontrados, mas são raríssimos aqueles bem preservados (ossos internos de embriões em estágios avançados de desenvolvimento). Agora, em um estudo publicado no periódico iScience (1), pesquisadores reportaram e descreveram um embrião muito bem preservado dentro de um ovo encontrado no sul da China, pertencente a uma espécie de oviraptorossauro (um grupo extinto de dinossauros terópodes próximo relacionados às aves). O mais fascinante sobre o achado foi a postura conservada do embrião: muito similar à postura até o momento considerada única nas aves.
Aves (Avilae, clado Theropoda) evoluíram de dinossauros terópodes não-aviários durante o Mesozoico, e várias características supostamente 'aviárias' em aves modernas têm sido demonstradas originalmente pertencer a ancentrais dinossauros já extintos, incluindo aspectos de biologia reprodutiva (!). Terópodes não-aviários possuem uma mistura de traços reprodutivos (aviários e não-aviários), mas outros que são herdados a partir de ancestrais reptilianos ou que são restritos a linhagens particulares extintas de dinossauros.
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Muito do conhecimento científico da reprodução de dinossauros extintos foi desenvolvido a partir do estudo de ovos e de embriões fossilizados (caso minimamente conservados), fornecendo informações sobre a morfologia e cor dos ovos, estrutura dos ninhos, comportamentos de ninhada, e ontogenia/crescimento inicial/embrionário.
Esqueletos de dinossauros são raramente preservados in ovo (dentro do ovo), mas esses fósseis embrionários são importantes registros da reprodução de dinossauros extintos à medida que o embrião documenta estágios de crescimento e de desenvolvimentos iniciais até a eclosão dos ovos. Para cascas de ovos preservadas, aspectos dos seus embriões são logicamente comparáveis em um quadro evolucionário com aqueles dos parentes mais próximos dos dinossauros terópodes não-aviários - crocodilos e aves - todos os três clados pertencendo a um grupo de diapsídeos chamado de Archosauria.
Em relação à postura embrionária in ovo, atuais aves são conhecidas de ter um grau de mobilidade, o qual permite que elas desenvolvam diferentes posturas em diferentes estágios de desenvolvimento, e ultimamente uma característica postura 'dobrada' crítica para uma eclosão de sucesso. Nessa postura crítica, as costas do embrião ficam contra a célula aérea no polo arredondado mais duro do ovo e a cabeça fica dobrada sob a asa direita com o bico apontando no sentido do declive inferior da célula aérea. Tal postura ou grau de mobilidade não é observada em outros atuais arcossauros, os crocodilianos, estes os quais possuem uma postura 'sentada' com a cabeça pendurada sobre o peito até a eclosão do ovo.
Como a maioria dos ovos fossilizados de dinossauros não-aviários não são bem preservados, a evidência é muito limitada no sentido de esclarecer a presença ou não da postura dobrada nesse clado. Embriões fossilizados de dinossauros aviários indicam que esse comportamento postural existia no Cretáceo no processo inicial de divergência das aves, mas é incerto quando tal postura primeiro emergiu.
No novo estudo, os pesquisadores descreveram um novo embrião fossilizado de dinossauro terópode não-aviário extremamente bem preservado dentro de um ovo, datado do Cretáceo Superior, há cerca de 70 milhões de anos, e encontrado na Formação Hekou, no sul da China. O espécime articulado - apelidado de 'Baby Yingliang' - é um dos mais completos embriões de dinossauro não-aviário já descobertos, permitindo um estudo anatômico e osteológico detalhado. Em termos de classificação cladística, o espécime pertence ao clado de dinossauros oviraptorossauros, filogeneticamente associado à família Oviraptoridae.
O ovo é alongado-ovoide na forma, com dimensões de 16,7 cm de comprimento e de 7,6 cm de largura. O esqueleto interno é quase completo, sem muita aparente disrupção pós-morte, e possui um comprimento total de ~23,5 cm (ponta do crânio até a última vértebra caudal preservada). O embrião fossilizado ocupa quase todo o espaço interno do ovo, com exceção notável de uma lacuna de ~1,9 cm entre a vértebra dorsal e o polo duro do ovo. Esse espaço vago pode representar a célula aérea. Apesar do estágio de desenvolvimento não ter sido ainda esclarecido, é provável que represente o último estágio embrionário, devido ao grande tamanho do embrião relativo ao espaço interno do ovo e à presença de estruturas muito bem ossificadas.
No vídeo abaixo, uma animação produzida pelos pesquisadores trazendo uma reconstrução realista de como provavelmente era o espécime antes da morte e subsequente fossilização.
Análise comparativa conduzida pelos pesquisadores mostrou a ocorrência de postura dobrada no embrião fossilizado, sugerindo fortemente que esse comportamento emergiu antes mesmo da evolução das aves. Atuais embriões de aves modernas, através de um comportamento "único" de dobramento, fazem uma série de movimentos para mudar posições/posturas nos estágios finais de incubação com o objetivo de se preparem para a eclosão. O processo de dobramento consiste de três fases: pré-dobramento, dobramento e pós-dobramento. Na fase de pré-dobramento (~17° dia na galinha), o bico do embrião aponta no sentido do polo pontiagudo do ovo e está posicionado entre os membros inferiores e os pés, com as costas se curvando para o ponto duro mais arredondado onde a célula aérea reside. Em específico, o novo espécime fossilizado analisado indica uma postura de pré-dobramento.
Nas fases posteriores de dobramento nas aves, a cabeça eventualmente se move para uma posição onde o bico e o crânio apontam para dentro e no sentido da asa direita. Na fase de pós-dobramento, o bico e a cabeça ficam dobrados sob a asa direita, e então se movem no sentido do torso, onde o bico fica ultimamente posicionado atrás do ombro direito. Outros fósseis embrionários de dinossauros não-aviários traziam limitada evidência desses estágios mais avançados de dobramento, e o novo espécime descrito pode agora reforçar a presença desse comportamento postural entre esses dinossauros.
A última posição de dobramento nas aves, com a cabeça sob a asa direita, é funcionalmente relacionada ao processo de eclosão, e parece estabilizar e otimizar o direcionamento da cabeça/bico para uma mais efetiva quebra e saída do ovo. Postura de dobramento imprópria está associada a um significativo aumento de mortalidade embrionária e reduzido sucesso no processo de eclosão.
REFERÊNCIA
- (1) Xing et al. (2021). An exquisitely preserved in-ovo theropod dinosaur embryo sheds light on avian-like prehatching postures. iScience, 103516. https://doi.org/10.1016/j.isci.2021.103516