Cientistas descobrem espécie de milípede com número recorde de pernas
Apesar de artrópodes da classe Diplopoda serem popularmente conhecidos como milípedes ("mil pernas") - ou piolhos-de-cobra aqui no Brasil -, nenhum diplópode até o momento descrito chegou a ultrapassar um total de 750 pernas. Agora, em um estudo publicado no periódico Scientific Reports (1), pesquisadores reportaram o primeiro milípede que realmente honra o nome: a espécie Eumillipes persephone, antes nunca descrita na literatura acadêmica. Habitante da Austrália, um dos espécimes analisados pelos pesquisadores bateu o recorde de 1306 pernas!
Entre os mais antigos animais respirando oxigênio atmosférico e com algumas espécies extintas que cresciam até 2 metros de comprimento, milípedes têm vivido neste planeta por mais de 400 milhões de anos. Importantes como decompositores em ecossistemas terrestres, esses animais são amplamente reconhecidos pelos numerosos pares de pernas ao longo do corpo. Espécies na família Siphonorhinidae (ordem Siphonophorida) - algumas vivendo em habitats subterrâneos, com profundidade de até 11,5 metros - têm detido o recorde no Reino Animal relativo ao número de pernas, trazendo corpos alongados e finos com até 750 pernas no total.
Com registro fóssil conhecido do Cretáceo, a ordem de diplópodes Polizoniida inclui 70 espécies com uma distribuição em todos os continentes exceto a Antártica. Alguns dos seus membros exibem cuidado parental dos ovos, outros carregam defesas químicas baseadas em tóxicos alcaloides, e algumas espécies inclusive se enrolam na forma de uma bola para proteção. Filhotes de milípedes emergem dos ovos com quatro pares de pernas, e continuamente adicionam segmentos durante o desenvolvimento por um período indeterminado de tempo, mesmo após a fase adulta. Cada segmento nesses animais está associado com pelo menos dois pares de pernas.
Membros da ordem Polyzoniida nunca haviam antes sido observados em ambientes subterrâneo, e a maioria ocorre em microhabitats de madeira apodrecida e outros detritos. Na Austrália, as espécies dessa ordem exibem, no máximo, 400 pernas, olhos com 1-3 omatídeos (unidades oculares constituintes de olhos compostos), a maioria tem pelo menos alguma pigmentação escura, e um corpo largo e achatado (relativo a outras ordens).
No novo estudo, os pesquisadores reportaram a descoberta de um milípede Australiano que foge completamente dos padrões já descritos para artrópodes do tipo na Austrália. Nomeado Eumillipes persephone, e pertencente à família Siphonotidae (ordem Polizoniida), oito espécimes foram coletados na região de Goldfields, no Oeste da Austrália, em profundidades de 15 a 60 metros e a partir de buracos de 150 milímetros produzidos por atividade mineradora. Um dos espécimes coletados, uma fêmea, encontrada a 60 metros de profundidade, tinha impressionantes 1306 pernas!
Análises via microscopia eletrônica e sequenciamento genômico mostraram que a notável similaridade anatômica entre o E. persephone e a espécie Illacme plenipes (família Siphonorhinidae) era devido a evolução convergente para super-alongamento do corpo (>180 segmentos), portanto um traço que emergiu de forma independente pelo menos duas vezes na classe Diplopoda. A espécie I. plenipes detinha o recorde prévio de 750 pernas divididas em 192 segmentos corporais.
De fato, o E. persephone parece bastante distinto de qualquer outra espécie na ordem Polyzoniida. É altamente alongado e com um corpo estreito, não possui olhos, possui uma massiva antena, pernas encurtadas, e traz uma ausência de pigmentação. Adultos machos parecem alcançar em torno de 5,5 cm de comprimento enquanto as fêmeas alcançam quase 10 cm, e com uma largura corporal em torno de 0,9 milímetros. Entre os machos analisados, o maior tinha 208 segmentos e 818 pernas.
O ambiente superficial da região onde o E. persephone foi encontrado exibe temperaturas de até 46°C e precipitação inferior a 300 mm/ano, enquanto que o ambiente subterrâneo entre 15 e 60 metros nunca excede 22°C, permanecendo com umidade e características térmicas bem estáveis. Ao contrário, as condições superficiais, além de extremas, têm sofrido significativas flutuações climáticas nos últimos milhares de anos, e uma profunda aridificação entre 15 e 1,75 milhões de anos atrás. Esses fatores podem explicar a divergência evolutiva tão grande entre o E. persephone e outras espécies próximo relacionadas da família Siphonotidae, como o Siphonotus flavomarginatus (habitante da mesma região, porém na superfície).
O nome do gênero (Eumillipes) do qual a nova espécie pertence faz referência ao termo Grego eu- ('verdadeiro') e aos termos Latinos mille ('mil') e pes ('pés'), fazendo alusão ao fato dessa ser a única espécie de milípede que realmente faz jus ao termo popular. Já o termo definindo a espécie (persephone) faz referência à Deusa Mitológica Grega do Submundo, Perséfone, a qual vivia originalmente na superfície mas que foi levada ao mundo subterrâneo por Hades, o Deus do Mundo Inferior e dos Mortos.
Os pesquisadores sugeriram que a enorme quantidade de pernas nessa espécie facilita a locomoção no ambiente subterrâneo muito profundo, ao fornecer um impulso locomotor extra para cada par de pernas. Ainda é incerta a dieta do E. persephone, mas, segundo os autores do novo estudo, a alimentação pode ser similar a outros milípedes primariamente fungívoros, como o Branchycybe lecontii, o qual se alimenta de até 176 diferentes gêneros de fungos.
REFERÊNCIA
- (1) Marek et al. (2021). The first true millipede—1306 legs long. Scientific Reports 11, 23126. https://doi.org/10.1038/s41598-021-02447-0