Você gosta de cogumelos selvagens? Alerta máximo na hora de comprá-los
A colheita de cogumelos selvagens requer um olho especialista para distinguir entre cogumelos comestíveis e cogumelos não-comestíveis. Falha na identificação de ambos possui um espectro de consequências, desde gosto ruim e mal-estar até falha de órgãos e mesmo morte. Cogumelos selvagens usados frequentemente na culinária, como trufas ou porcini, requerem relações simbióticas com plantas específicas no ecossistema que torna impraticável ou impossível produzi-los comercialmente. Isso significa que esses cogumelos só podem ser coletados no ambiente natural, e esse é o motivo para a trufa, por exemplo, ser geralmente muito cara. Nesse sentido, muitos produtores de alimento preferem comercializar fungos comuns que podem ser facilmente cultivados em grande quantidade, como o Pleurotus eryngii e o shiitake (Lentinula edodes). E, importante, para produtos vendidos como "cogumelos selvagens", existe pouca regulamentação no mercado.
Agora, em um estudo publicado no periódico PeerJ (1), pesquisadores, ao analisar 16 produtos vendidos no mercado Norte-Americano categorizados como "cogumelos selvagens", identificaram 28 espécies de cogumelos, variando de espécies comumente cultivadas até mesmo espécies selvagens nem mesmo listadas em bancos de dados globais de DNA. No geral, os resultados demonstraram que ingredientes para "cogumelos selvagens" frequentemente consistem inteiramente ou, em parte, de espécies comuns cultivadas. E, mais alarmante, um dos produtos continha uma espécie de cogumelo venenoso, e com ampla circulação no mercado.
Cogumelos selvagens são coletados ao redor do mundo para consumo e comercialização em comunidades locais, mas ganhando cada vez mais destaque nos mercados internacionais. Várias dessas espécies não podem ser cultivadas comercialmente e, portanto, precisam ser coletadas do meio selvagem. Apesar de cogumelos selvagens comestíveis como o porcini (Boletus edulis e semelhantes), não serem considerados venenosos, raras respostas alérgicas seguindo a ingestão têm sido reportadas e adulterações não-intencionais com químicos exógenos podem ocorrer através de contaminação ambiental ou durante o processamento.
Mesmo sem contaminação exógena, muitas espécies de cogumelos nunca foram sistematicamente examinadas em termos de comestibilidade, especialmente aqueles oriundos de regiões onde fungos são severamente sub-documentados. Na prática, o status de comestibilidade de cogumelos selvagens depende de conhecimento tradicional que podem não ser traduzidos efetivamente para o mercado global. Por exemplo, alguns cogumelos ditos "comestíveis" podem precisar de técnicas especiais de preparação para a remoção de toxinas antes do consumo, mas essas técnicas de preparo não são tipicamente listadas nas embalagens. Além disso, a coleta de fungos comestíveis do meio selvagem requer profundo conhecimento de quais fungos são comestíveis e como distingui-los de outros que não são, uma habilidade que não é trivial.
Identificação incorreta seguida pelo consumo pode ser inofensivo; porém, alguns fungos são notavelmente venenosos e muitos outros não são bem tolerados pela maioria das pessoas, especialmente quando consumidos crus. O consumo de espécies não comestíveis pode levar a sintomas leves como desconforto e mal-estar, ou muito mais graves, incluindo morte.
Políticas que regulam a coleta de cogumelo selvagem para o consumo pessoal e para a comercialização variam muito de região para região. A nível internacional, não existem regulações para assegurar que os consumidores recebam cogumelos selvagens de coletores qualificados. Na verdade, a falta de regulação de alimentos vendidos como 'cogumelos selvagens' cria uma oportunidade para qualquer tipo de fungo ser embalado e empurrado para o consumidor sem qualquer fiscalização.
No novo estudo, pesquisadores da Universidade de Utah e do Museu de História Natural de Utah, EUA, usaram técnicas de sequenciamento de DNA para testar quais espécies de cogumelos constituíam 16 produtos vendidos no mercado Norte-Americano. Várias amostras analisadas continham cogumelos comestíveis que são comumente coletados e consumidos, mas apenas 5 dos 16 produtos (E, G, I, O e P) tinham ingredientes listados na embalagem que acuradamente descreviam a composição macrofúngica no conteúdo. Um deles (P), chamado de Cogumelo Yanomami, oriundo aqui do Brasil, consistia de uma variedade de espécies tropicais comuns não encontradas em qualquer outro produto (Favolus tenuiculus, Podoscypha venustula, Panus strigellus, Lentinus spp., Polyporus tricholoma, Ceriporia aff. lacerata, Pleurotus djamor), mas que foram verdadeiramente coletados no meio selvagem.
A maioria dos produtos que alegavam incluir porcini consistiam ao invés disso de espécies amplamente cultivadas e espécimes selvagens do gênero Suillus. Aliás, os pesquisadores identificaram porcini em apenas dois produtos, apesar de vários listarem esse ingrediente na embalagem. Para piorar, as duas espécies de Suillus detectadas nas amostras, assim como as outras espécies do gênero consideradas comestíveis, são listadas na categoria 'E2' (comestíveis mas com condições). Já em uma amostra foi detectada uma espécie da família Boletaceae que não correspondeu a nenhuma listada em bancos de dados genômicos, sugerindo ser uma espécie desconhecida até mesmo para a ciência.
Porém, o mais sério achado foi da amostra coletada do produto D, onde foi identificado a espécie Amanita pseudoporphyria, uma espécie pertencendo ao grupo contendo os mais notórios cogumelos venenosos como "Chapéu da Morte" (A. phalloides) e os Anjos-Destruidores (A. virosa, A. bisporigera, A. ocreata e outros). Apesar de algumas espécies do gênero Amanita serem tradicionalmente consideradas comestíveis e até mesmo muito valorizadas na culinária, como a A. caesarea, apenas uma das 12 espécies recentemente revisadas em termos de comestibilidade foram confirmadas de serem realmente comestíveis. E, apesar de ser listada na categoria E2, a A. pseudoporphyria tem mostrado causar falha renal em humanos. No sul da China, é reportado que a ingestão de cogumelos do gênero Amanita foram responsáveis por mais de 78% dos casos de envenenamento por cogumelo e mais de 70% das fatalidades devido ao envenenamento por cogumelo, incluindo 22 casos de intoxicação pelo A. pseudoporphyria, dos quais 4 morreram.
Aliás, os autores do novo estudo apontaram que existem várias reclamações na internet de consumidores do produto D, descrevendo-o como possuindo "um sabor extremamente amargo e um péssimo gosto após o consumo", ou alegando que os cogumelos "fizeram aqueles que o comeram violentamente doentes", ou que estavam "envenenados" e que "nunca tinha ficado tão doente na minha vida". Ainda em julho de 2019, os pesquisadores, durante a realização do estudo, entraram em contato com um dos fornecedores do produto para alertá-los do perigo, mas, até o momento, o produto continua sendo comercializado.
A única outra amostra (F) na qual foram detectadas espécies potencialmente venenosas continha a espécie Paxillus ammoniavirescens, uma espécie próximo-relacionada à 'Paxillus Venenosa' (Paxillus involutus). A P. ammoniavirescens tem sido implicada no desenvolvimento de hipersensibilidade levando a falha renal e imunohemólise seguindo o consumo.
Por fim, além dos macrofungos (cogumelos), os pesquisadores também identificaram microfungos (mofo e leveduras) junto aos cogumelos dos produtos, a maioria bem conhecida (ex.: Penicillium e Candida). É incerto a contribuição para potenciais efeitos adversos após consumo desses microfungos, algo a ser considerado em estudos futuros, especialmente porque alguns deles produzem potentes substâncias bioativas.
"Cerca de 95% das espécies de fungos na Terra não são descritas pela ciência. Fungos são muito pouco documentados, então como regular algo que é virtualmente desconhecido?", disse Bryn Dentiger, autor principal do estudo, e curador de micologia no Museu Natural de História de Utah, e professor associado de biologia da Universidade de Utah (Ref.2). "Isso coloca a saúde humana em risco, mas também coloca nossos ecossistemas em risco. Ao redor do mundo, coleta insustentável de cogumelos estão colocando muitas espécies em risco de extinção."
Por outro lado, segundo os autores, é ainda seguro consumir cogumelos selvagens, sendo apenas necessário saber de quem você está comprando. Eles encorajam as pessoas a comprarem porcini e outros cogumelos selvagens comestíveis exclusivamente de vendedores locais que são devidamente qualificados na identificação desses macrofungos.
REFERÊNCIAS