Sapo-cururu evoluiu rapidamente na Austrália no sentido de se tornar um feroz canibal

Na década de 1930, o famoso sapo-cururu (Rhinella marina) foi introduzido na Austrália para controlar as populações de besouro-da-cana (Dermolepida albohirtum) que estavam causando uma grande devastação nas plantações de cana-de-açúcar. Não apenas os sapos-cururus introduzidos falharam em controlar os besouros, mas como também foram muito efetivos em se multiplicarem no território Australiano. Agora, em um estudo publicado no periódico PNAS (Ref.1), pesquisadores reportaram a rápida evolução de um comportamento extremo: em apenas 86 anos, os girinos desses sapos se tornaram vorazes canibais. E, como resposta, os sapos-cururus também evoluíram, a partir de um processo mediado por plasticidade fenotípica, um mais rápido desenvolvimento na fase larval para formas de nado livre (imunes ao canibalismo), porém com sérios custos de crescimento.

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Sapos-cururus são anuranos de grande porte que, quando adultos, podem alcançar um comprimento de 25 cm e uma massa superior a 1 kg, sendo notórios por comer tudo que caiba na boca - desde lixo doméstico até roedores e pequenas aves. Nativos da América do Sul, esses animais são listados como os "piores invasores globais" pela IUCN. A alta taxa reprodutiva e poderosas toxinas de defesa (ex.: esteroide bufadienolídeo) na pele de todos os estágios de vida desses anfíbios - implicando em ausência de predadores naturais em novos ambientes - facilitam a contínua invasão ao longo do território Australiano. Previamente à importação de 101 sapos-cururus em 1936, não existiam sapos (família Bufonidae) na Austrália, e, nesse sentido, as defesas tóxicas desse invasor filogenicamente distinto são únicas nessa região, o que por sua vez faz essas toxinas serem letais para uma variedade de predadores nativos. De fato, alguns carnívoros nativos da Austrália estão sob forte ameaça ao confundir esses sapos tóxicos com alimento, e, para exemplificar, o marsupial da espécie Dasyurus hallucatus sofreu um declínio populacional de 75% desde a introdução dos sapos-cururus (Ref.3).

Dentro das fronteiras Australianas, os sapos-cururus se acasalam em corpos d'água permanentes e temporários, e podem depositar até 40 mil ovos anualmente. Fêmeas podem produzir múltiplos ninhos com ovos ao longo do ano. Acasalamento não é fortemente associado com a chuva ou a temperatura, e a deposição de ovos é episódica (ex.: a cada 6,6 dias durante a temporada úmida). Soma-se a isso o rápido desenvolvimento dos girinos para a fase de metamorfose (~16 dias em condições ideais), o que ajuda ainda mais na proliferação da espécie.

As larvas do sapo-cururu eclodem prematuramente no desenvolvimento quando as glândulas de eclosão dissolvem a cápsula do ovo. No entanto, as estruturas de alimentação não são ainda bem desenvolvidas nesse estágio e, portanto, as larvas recém-eclodidas dependem das reservas nutricionais do ovo. Virtualmente imóveis até o desenvolvimento da musculatura de propulsão, as larvas após a eclosão, apesar de não enfrentarem ameaça de predadores na Austrália, são altamente vulneráveis ao canibalismo de outros girinos bem desenvolvidos. Esse período de vulnerabilidade é breve, demorando de três a quatro dias para a capacidade de nado emergir, mas as perdas para o canibalismo podem ser pesadas.

Múltiplos girinos de sapo-cururu juntos podem consumir mais de 99% das larvas que eclodem de dezenas de milhares de ovos em um único ninho. Os girinos canibais são atraídos pelas larvas através de compostos tóxicos liberados na água por essas últimas. Na Austrália, os girinos dessa espécie se tornaram notáveis canibais ao longo das décadas.

Cientistas estimam que existem mais de 200 milhões de anfíbios na Austrália. Eles se tornaram tão abundantes que agora enfrentam mais pressão evolucionária uns dos outros, à medida que competem por recursos, do que de qualquer outra coisa no país.

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No novo estudo, os pesquisadores mostraram que as populações Australianas de sapos-cururus evoluíram uma elevada propensão ao canibalismo durante o estágio de girino, assim como uma adaptação única ao canibalismo, e a qual está ausente nas populações da América do Sul: forte atração a larvas vulneráveis. Em resposta, as larvas vulneráveis das populações invasivas evoluíram tanto defesas constitutivas mais fortes quanto maiores respostas plásticas canibal-induzidas, incluindo desenvolvimento de pré-alimentação e aceleração do desenvolvimento induzível.

"Esses sapos chegaram em um ponto no qual o pior inimigo deles são eles mesmos," disse Jayna DeVore, uma bióloga de espécies invasivas na Sociedade Tetiaroa, e uma co-autora do estudo, em entrevista para a Nature (Ref.4).

Para provar que ocorreu um processo evolutivo, e não apenas uma simples resposta plástica ao novo ambiente Australiano, os pesquisadores coletaram sapos-cururus da Austrália e da Guiana-Francesa (de onde são nativos), e os acasalaram em laboratório para produzir larvas recém-eclodidas e girinos mais desenvolvidos. Eles então expuseram um único girino a 10 larvas - Australianas ou Sul-Americanas - centenas de vezes, encontrando que os girinos Australianos eram 2,6 vezes mais prováveis de canibalizar as larvas do que os girinos Sul-Americanos.

Em um segundo experimento, os pesquisadores mostraram que os girinos Australianos eram quase 30 vezes mais prováveis de nadar no sentido de uma armadilha contendo larvas do que em uma armadilha vazia, enquanto que os girinos Sul-Americanos não mostraram preferência por nenhuma das armadilhas.

Por fim, os pesquisadores encontraram que os sapos-cururus evoluíram também rapidamente uma resposta de defesa. Quando larvas Australianas compartilhavam um tanque com girinos mais desenvolvidos do mesmo grupo, as larvas eram mais prováveis de ter um mais curto período de desenvolvimento do que as larvas Sul-Americanas. Como girinos não tendem a comer as formas de nado livre, essa resposta de aceleração no desenvolvimento pode limitar o tempo que as larvas passam vulneráveis ao canibalismo, mesmo com a adaptação trazendo prejuízos no crescimento. Essa resposta adaptativa mostrou-se bem limitada nas populações nativas.

Os resultados do estudo, no geral, demonstraram a importância do conflito intraespecífico na promoção de um processo de rápida evolução, realçou como a plasticidade fenotípica pode facilitar adaptação seguindo mudanças na pressão seletiva, e mostrou que os processos evolucionários podem produzir mecanismos que regulam populações invasivas. Nesse último ponto, uma explosiva população de animais sem predadores naturais pode causar sérios danos ao equilíbrio ecológico da região invadida, mas também pode ser freada por um controle interno, e, no caso do sapo-cururu, na forma de um canibalismo cada vez mais insaciável.

(!) Leitura recomendada: Epigenética, Plasticidade Fenotípica e Evolução Biológica

Os processos evolutivos descritos no estudo provavelmente foram mediados por novas variações genéticas fixadas, e o próximo passo dos pesquisadores é identificá-las.

REFERÊNCIAS