Complexa cultura de aprendizado observada entre cacatuas na Austrália
Em um estudo publicado ontem na Science (Ref.1), um time internacional de cientistas - liderado por pesquisadores do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, da Sociedade de Conservação Taronga e do Museu Australiano - provou, pela primeira vez, que as cacatuas-de-crista-amarela (Cacatua galerita), uma icônica espécie de ave Australiana, aprenderam umas das outras uma habilidade urbana única: levantar a tampa de lixeiras para buscar comida. Esse curioso e complexo comportamento foi espalhado ao longo das populações dessas cacatuas na Austrália a partir de aprendizado social, e não como resultado de novos traços genéticos. Aliás, o comportamento mostrou variar entre diferentes subúrbios Australianos, indicando a emergência de subculturas regionais.
As Cacatuas são aves pertencentes à família Cacatuidade e à ordem Psittaciformes, esta a qual engloba todos os papagaios - aves bem conhecidas pelo alto nível de função cognitiva. Possuindo uma distinta e notável crista móvel na cabeça e uma plumagem corporal bem simples, as cacatuas são nativas da Oceania, e são aves muito inteligentes, monogâmicas e que podem ultrapassar os 75 anos de longevidade. Infelizmente, são também bastante visadas no comércio de animais exóticos, fator que, aliado com o desmatamento, vem promovendo o declínio de várias espécies no meio selvagem.
Assim como várias aves Australianas, as cacatuas-de-crista-amarela são muito barulhentas e agressivas, porém são também incrivelmente inteligentes, persistentes e têm se adaptado muito bem a viver junto com humanos, de forma similar a pombos, pardais e outras aves urbanas. Com relativo grande porte - alcançando 50 centímetros de comprimento e massa próxima de 1 kg - e frequentemente formando grandes bandos, essa espécie é também a única conhecida que consegue dançar ao ritmo musical como humanos (!).
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Já é bem estabelecido que os humanos (gênero Homo) não são os únicos animais a expressar complexa cultura, e novidades ecológicas podem levar a inovações culturais entre primatas e alguns outros animais. Aprendizado social é a base de diferentes culturas regionais, e alguns animais, como primatas (ex.: chimpanzés) e aves (ex.: corvos), têm mostrado ampla capacidade de aprendizado social. Crianças humanas são mestres no aprendizado social, e, desde muito cedo, elas conseguem copiar com muita destreza habilidades de outras crianças e adultos. Porém, comparado a humanos, existem poucos exemplos de outros animais aprendendo uns dos outros comportamentos não-programados.
No novo estudo, os pesquisadores exploraram a extensão e a variabilidade do comportamento de abertura de latas de lixo por cacatuas-de-crista-amarela na Austrália, uma habilidade bastante complexa do ponto de vista tanto de força física quanto de ação motora sequencial. As latas de lixo na Austrália - colocadas comumente em frente das casas para a coleta por lixeiros - possuem um design uniforme ao longo do país, e as cacatuas-de-crista-amarela lançaram uma pesquisa online em várias áreas ao longo de Sydney com questões como 'De qual área você é?' e 'Você tem visto esse comportamento antes, e, se sim, quando?' A pesquisa foi conduzida durante dois anos e mais de 1300 pessoas responderam.
Antes de 2018, o comportamento de abertura de lixeiras para a busca de alimento era reportado em apenas três subúrbios. Ao final de 2019, o comportamento havia se espalhado para 44 de quase 500 subúrbios na pesquisa. E essa disseminação comportamental mostrou ter um claro padrão: teve início em áreas próximas dos três subúrbios originais, se espalhando rapidamente e amplamente para áreas cada vez mais afastadas. O padrão espacial observado claramente indicou que o novo comportamento não estava emergindo de forma aleatória ao longo da cidade, mas, sim, através de aprendizado social, ou seja, as aves estavam aprendendo a abrir as lixeiras observando outras abrindo as lixeiras.
No estudo, os pesquisadores também marcaram 486 cacatuas-de-crista-amarela com pequenos pontos pretos em três locais selecionados para permitir a identificação de aves individuais e determinar quais delas estavam abrindo as lixeiras. Os resultados mostraram que apenas cerca de 10% delas se engajavam na atividade, a maior parte machos. O resto das aves esperavam até que os "pioneiros" abrissem a lixeira e partiam para o potencial banquete. Além disso, as aves mostraram preferir lixeiras com tampas vermelhas (lixo geral) em detrimento daquelas com tampa amarela (reciclagem), escolhendo as vermelhas 88,8% das vezes. No vídeo abaixo é possível como ocorre esse processo de abertura.
Outra descoberta mais do que notável é que, no final de 2018, uma cacatua-de-crista-amarela foi observada no norte de Sydney reinventando a técnica de abertura de lixeira. Outras cacatuas nos distritos vizinhos começaram a copiar a variação do comportamento, resultando em diferentes técnicas de abertura em diferentes subúrbios. Análise de 160 observações diretas, de fato, revelaram estilos individuais e diferenças local-específicas, e quanto mais distante duas localidades entre si, maior a diferença de técnica adotada. Por exemplo, enquanto algumas usavam apenas o bico para abrir as lixeiras, outras usavam o bico e as garras. Isso não apenas reforçou a existência de aprendizado social como também demonstrou a emergência de subculturas regionais. Até o momento, apenas "dialetos" locais haviam sido observados entre papagaios como expressão cultural.
Juntos os resultados indicam a existência de complexidade cultural entre os papagaios, e uso de cultura como resposta adaptativa às mudanças antropogênicas no ambiente. Em específico, as cacatuas-de-crista-amarela se juntam a um seleto grupo de animais, como alguns primatas e cetáceos, que possuem expressão cultural tanto na comunicação quanto em comportamento alimentar. Os autores do estudo planejam continuar acompanhando a disseminação da inovação (abertura de lixeira) ao longo da Austrália, recrutando ainda mais voluntários para as observações.
CURIOSIDADE: Muitos moradores têm colocado pedras sobre a tampa das lixeiras para impedir que as cacatuas as abram e façam uma bagunça, porém as aves também aprenderam a removê-las antes de tentar abrir as tampas, como pode ser observado em vários vídeos no YouTube.
REFERÊNCIAS
- https://science.sciencemag.org/content/373/6553/456
- https://animaldiversity.org/accounts/Cacatua_galerita/
- https://www.sciencemag.org/news/2021/07/australia-s-cockatoos-are-masters-dumpster-diving-and-now-they-re-learning-each-other
- https://www.eurekalert.org/pub_releases/2021-07/m-ccl071621.php