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Novo coronavírus pode também integrar seu material genético no nosso genoma, indica novo estudo

 
Um estudo publicado ontem no periódico PNAS (1), liderado por dois proeminentes pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o biólogo especialista em células-tronco Rudolf Jaenisch e o especialista em regulação genética, Richard Young, trouxe convincente evidência sugerindo que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) possui mais uma habilidade, e similar àquela associada a retrovírus (ex.: HIV): consegue integrar partes do seu material genético (RNA) no genoma (DNA) das nossas células, mesmo não possuindo a enzima transcriptase reversa. O fenômeno, se real e frequente, pode ter profundas implicações no entendimento da doença associada (COVID-19) - efeitos de curto, médio e longo prazo -, incluindo questões relativas a falsos sinais de infecção ativa.


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Testes RT-PCR positivos (detecção de sequências específicas do RNA viral alvo) contínuos e recorrentes têm sido reportados em pacientes semanas ou meses após recuperação de uma infecção inicial com o SARS-CoV-2. Apesar de um número desses casos estarem provavelmente associados a casos já reportados de reinfecção, estudos controlados têm sugerido que vários casos "re-positivos" não estão sendo causados por reinfecção. Além disso, nenhum vírus replicante-competente (partícula viral infecciosa) tem sido isolado ou disseminado a partir desses pacientes. A causa para tal prolongada e recorrente produção de RNA viral é, portanto, desconhecida.


O SARS-CoV-2 é um vírus cujo genoma é uma cadeia-positiva de RNA, empregando a enzima RNA polimerase RNA-dependente para replicar seu RNA genômico e transcrever seus RNAs sub-genômicos. E assim como vários outros vírus, o material genético viral inserido pelo novo coronavírus na célula hospedeira permanece separado do DNA no núcleo celular - ou pelo menos isso é esperado. Nesse sentido, uma possibilidade é que os RNAs do SARS-CoV-2 podem ser reverso-transcritos (transformados em sequências de DNA) e integrados no genoma humano, com a transcrição das cópias de DNA integrado sendo responsáveis pelos testes positivos de PCR.



Atividade de transcriptase reversa (RT) endógena têm sido observada em células humanas e de outros animais, e os produtos de transcrição reversa têm sido mostrados de se tornarem integrados no nosso genoma. Por exemplo, transcritos do gene APP (responsável pela expressão da proteína precursora de amiloide) têm sido mostrados de serem reverso-transcritos por RT endógena, com os fragmentos resultantes integrados no genoma de neurônios e transcritos. De fato, várias sequências de RNA pertencentes a vírus não-retrovirais têm sido detectadas nos genomas de várias espécies de vertebrados, integradas através de retrotransposons, em específico elementos nucleares intercalados longos (LINE). Elementos humanos LINE-1 (~17% do genoma humano), um tipo de retrotransposon autônomo, são uma potencial fonte de RT endógenos, capazes de retro-transportar a si mesmos e outros elementos não-autônomos, além de possuírem alta afinidade de ligação a sequências de RNA.


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> Os transposons são elementos genéticos móveis. Retrotransposons são caracterizados pelo fato de se movimentarem no genoma passando pelo processo de transcrição (síntese de RNA a partir de DNA). 


> As sequências de RNA são formadas por bases nitrogenadas (letras) idênticas àquelas do DNA, com uma diferença: a base timina (T) é substituída por uracila (U). Para mais informações, acesse: Letras artificiais e o maquinário genético 

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Nesse sentido, como os elementos LINE-1 estão naturalmente presentes no genoma humano e ativos em certa extensão (~100 de 500 mil cópias ativas), a integração do SARS-CoV-2 em indivíduos com COVID-19 - e, consequentemente, contínua produção de RNA viral pelo DNA humano - pode estar ocorrendo, especialmente em pessoas também co-infectadas com o vírus HIV (fonte extra de transcriptase reversa). Isso pode explicar os vários casos de persistente "infecção" do novo coronavírus, mesmo após recuperação (fase convalescente).


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Em um estudo prévio publicado como preprint em dezembro do ano passado na plataforma bioRxiv, os pesquisadores Jaenisch e Young haviam realizado experimentos in vitro e análises de bancos de dados genômicos trazendo controversas e limitadas evidências de que o RNA viral do SARS-CoV-2 tinha a capacidade de ser transcrito e integrado no DNA humano. O estudo sofreu várias críticas de outros cientistas, apontando as sérias limitações dos resultados gerados e apontando que a própria técnica que os dois pesquisadores usaram para escanear o cromossomo das células em cultura infectadas pelo SARS-CoV-2 era capaz de gerar a integração do RNA viral investigado (2). De fato, o preprint não foi aceito para submissão. 


Agora, os dois pesquisadores do MIT, após expandirem o grupo de pesquisa - incluindo também um dos críticos do estudo prévio, Stephen Hughes do Instituto Nacional de Câncer dos EUA - trouxeram o que eles chamaram de irrefutável evidência de que o RNA viral do SARS-CoV-2 consegue integrar no genoma humano com o intermédio dos elementos LINE-1, pelo menos em linhagens celulares in vitro. Além disso, eles encontraram que em um número de amostras de tecido de pacientes com COVID-19 existe forte evidência apontando que uma grande fração das sequências virais é transcrita de cópias de DNA integrados a partir do material genético do SARS-CoV-2, gerando transcritos quiméricos hospedeiro-virais.


Os experimentos utilizaram linhagens celulares HEK293T expressando um excesso de elementos LINE-1, e demonstraram com sucesso que sequências do RNA viral do SARS-CoV-2 podem ser integradas aos genomas das células humanas em culturas através de um mecanismo endógeno de retroposição. Cópias de porções do genoma viral no DNA dessas células foram encontradas em quase todos os cromossomos humanos, expressas na forma de RNAs quiméricos. Porém, apenas subgenomas (pedaços genômicos) do RNA viral completo e associados à extremidade 3'  foram identificados, significando que partículas virais infecciosas não podem ser produzidas a partir das sequências virais integradas, apenas algumas proteínas do vírus.


Para confirmar que houve integração que não poderia ser explicada por outros processos associados à execução dos experimentos, os pesquisadores utilizaram outro método (Illumina Nextera) para analisar os genomas isolados das culturas celulares. Os resultados dessa análise também confirmaram integração do RNA viral do SARS-CoV-2 medida por mecanismo endógeno de retroposição envolvendo os elementos LINE-1.


Experimentos subsequentes também mostraram que integração viral-hospedeiro ocorria mesmo com células humanas HEK293T  e Calu3 que não expressavam um excesso de elementos LINE-1, um cenário mais próximo de uma célula humana normal.


A replicação do RNA do SARS-CoV-2 requer a síntese de cadeia viral negativa de RNA, a qual serve como um molde para a replicação do RNA viral genômico e transcrição de cadeia viral subgenômica positiva de RNA. Nesse sentido, os pesquisadores estimaram que em células com infecção aguda pelo vírus, o nível de cadeia negativa seria pelo menos mil vezes menor do que de cadeia positiva, em parte devido à massiva produção de RNA subgenômico de cadeia positiva durante a ativa replicação viral. Assim, é esperado que em células com genoma viral integrado mas sem vírus replicante, o nível relativo de RNA negativo seja muito maior.


Analisando amostras de tecidos humanos oriundos da autópsia de pacientes infectados com a COVID-19 que foram a óbito, os pesquisadores, de fato, encontraram que amostras de alguns pacientes possuíam RNA negativo em ordens de magnitude maior do que o nível encontrado em células ou organoides com infecção viral aguda. Em um número de amostras, pelo menos ~20% das sequências virais identificadas eram derivadas de RNA negativo SARS-CoV-2-específico. Esses resultados sugerem real presença de RNA quimérico associado ao novo coronavírus em pacientes humanos infectados, e que em alguns tecidos com um nível muito pequeno de RNA positivo, existe uma grande fração de RNA do SARS-CoV-2 integrado.


Os pesquisadores também encontraram evidência de que a expressão dos elementos LINE-1 pode ser induzida pela infecção com o SARS-CoV-2 ou pela exposição a citocinas (e um excesso na produção de citocinas é uma das características clínicas mais importantes da COVID-19). 


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Uma importante questão levantada pelos pesquisadores é se as sequências integradas de SARS-CoV-2 podem expressar antígenos virais. Em caso afirmativo, isso seria de enorme interesse clínico, porque a contínua síntese de antígenos virais além da replicação viral normal pode servir como um gatilho extra no sentido de aumentar as respostas imunes nos pacientes com COVID-19 - ou mesmo de reações autoimunes -, potencialmente afetando o curso (evolução de severidade) e tratamento da doença. É possível que as consequências clínicas dos fragmentos virais integrados podem depender dos locais de inserção no genoma humano, e da regulação epigenética, algo já demonstrado em pacientes infectados pelo HIV. E o mesmo pode estar ocorrendo com outros vírus (Dengue, Zika, Influenza), os quais podem estar sujeitos a retro-integração, com esse processo potencialmente afetando a progressão das doenças associadas (ex.: gripe).


Outra dúvida que surge é se as células com RNA viral retro-integrado do SARS-CoV-2 possuem longo tempo de permanência e capacidade de replicação no corpo humano, e o que isso pode significar para a saúde humana a longo prazo. De um ponto de vista evolucionário, a retro-integração de RNA-viral por elementos LINE-1 pode ser uma resposta adaptativa do hospedeiro para fornecer expressão sustentada de antígenos, possivelmente otimizando a imunidade preventiva (uma espécie de "vacina natural de DNA"). Por outro lado, essa possível função adaptativa pode estar associada a potenciais efeitos deletérios dependendo da infecção viral.    


> Você sabia que em torno de 8% do genoma humano é composto por sequências de RNA viral que foram retro-integradas no nosso DNA? Isso é superior a 6 vezes mais DNA do que é encontrado em todos os nossos ~20 mil genes codificadores de proteínas! Essa, aliás, é uma importante fonte de novas informações genéticas para os processos evolutivos (transferência lateral de sequências genéticas), e uma prova inquestionável da evolução biológica. Para mais informações sobre esse tema, acesse: Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?


(1) Publicação do estudohttps://www.pnas.org/content/118/21/e2105968118


(2) Publicação do estudo: Science Magazine

Novo coronavírus pode também integrar seu material genético no nosso genoma, indica novo estudo Novo coronavírus pode também integrar seu material genético no nosso genoma, indica novo estudo Reviewed by Saber Atualizado on maio 07, 2021 Rating: 5

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