Descoberto composto que funciona como um contraceptivo masculino
Em um estudo publicado recentemente no periódico Nature Communications (1), pesquisadores reportaram um composto natural que se mostrou seguro, efetivo e reversível como contraceptivo masculino em modelos pré-clínicos de animais não-humanos. O composto, triptonida, é extraído da erva Chinesa Tripterygium wilfordii, e induz efeitos na motilidade dos espermatozoides, levando a uma infertilidade temporária em ratos e macacos machos, e provavelmente também em humanos.
Apesar de décadas de esforços, ainda não existe uma pílula contraceptiva não-hormonal para indivíduos do sexo masculino, e métodos hormonais visam apenas indivíduos do sexo feminino e não são uma opção masculina. Para os homens, o único método contraceptivo eficaz é a camisinha, a qual serve como uma barreira mecânica impedindo os espermatozoides no esperma de alcançarem o canal vaginal. Falha no desenvolvimento de contraceptivos masculinos não-hormonais se origina, em parte, do nosso entendimento incompleto da espermatogênese e a biologia do espermatozoide.
Para exemplificar, muitos acreditam que as pílulas masculinas deveriam suprimir a contagem de espermatozoide a um nível muito baixo ou zero para seguramente prevenir a gravidez. No entanto, um total bloqueio da produção de espermatozoides requer a depleção de células espermatogênicas, o que frequentemente causa encolhimento dos testículos, um efeito indesejável que pode impedir a aderência do público alvo ao contraceptivo. Além disso, a depleção de células germinativas altera a composição celular e o microambiente dos testículos, o que, por sua vez, tende a engatilhar o sistema de feedback hipotálamo-pituitário-testicular, levando a efeitos colaterais sistêmicos.
No novo estudo, os pesquisadores resolveram apostar em uma outra estratégia para tornar o homem temporariamente infértil: desabilitar os espermatozoides ao causar deformações e/ou disfunções nessas células reprodutivas, sem comprometer a contagem ou a anatomia testicular. Nesse sentido, eles identificaram o composto orgânico triptonida (C20H22O6), purificado de extratos da erva Chinesa T. wilfordii, como um promissor agente contraceptivo masculino.
Essa erva tem sido usada por mais de dois séculos na medicina tradicional Chinesa para tratar uma variedade de doenças inflamatórias e autoimunes, incluindo artrite reumatoide. No entanto, foi primeiro reportado em 1983 que homens tomando misturas com essa erva por um longo período (>3 meses) expressavam infertilidade devido a produção de espermatozoides deformados e reduzida contagem e motilidade de espermatozoides. Desde então, cientistas têm isolado e caracterizado compostos diversos de extratos dessa erva com potenciais "efeitos anti-espermatozoides". Alguns mostraram algum potencial, só que também forte toxicidade hepática em doses terapeuticamente efetivas (ex.: triptolida e tripclorolida).
O novo composto explorado (triptonida) mostrou ser um potencial e seguro contraceptivo reversível. Doses orais diárias de triptonida (0,8 mg/kg - massa corporal) induziram a deformação de espermatozoides em ratos e macacos-cinomolgos (Macaca fascicularis) com mínima ou nenhuma motilidade para frente (próximo de 100% de penetrância) e consequente infertilidade masculina em 3-4 e 5-6 semanas em ratos e em macacos, respectivamente. Fertilidade masculina mostrou ser recuperada em 4-6 semanas após o consumo da triptonida ser cessada em ambos, primatas e roedores. Tanto o tratamento de curto prazo quanto o tratamento de longo prazo com o composto não causaram efeitos colaterais sistêmicos de toxicidade, com base em exames histológicos de órgãos vitais em ratos e análises hematológicas e bioquímicas do soro sanguíneo nos macacos. O tratamento com triptonida também não afetou adversamente a libido ou outras funções endócrinas. A segurança da triptonida é reforçada pelo fato de que doses muito baixas são suficientes para gerar o máximo efeito contraceptivo desejado.
Segundo os pesquisadores, a triptonida parece interferir com a junção placoglobina, causando prejuízos nas suas interações com a proteína SPEM1 (Maturação Espermatídica 1) durante a epermiogênese (processo de maturação dos espermatídeos em espermatozoides maduros), e levando a defeitos na remoção citoplásmica no processo final da espermatogênese. Essa interferência deletéria faz com que a cabeça do espermatozoide seja torcida em 180°, um fenótipo que lembra inclusive o desligamento do gene Spem1 (codificador da proteína SPEM1).
A proteína SPEM1 compartilha ~69% de similaridade, em termos de sequência de aminoácidos, entre ratos e macacos, sugerindo forte conservação durante o processo evolutivo dos mamíferos, o que reforça que o tratamento com a triptonida também funcionaria da mesma forma em humanos.
Como a triptolida é o mais abundante composto na erva T. wilfordii, tentar isolar a triptonida dessa planta para fins farmacêuticos e comerciais pode trazer um considerável nível de contaminação com a triptolida, a qual é extremamente tóxica. De fato, quando os autores do novo estudo usaram triptonida purificada de extratos da erva Chinesa (96% de pureza), múltiplos efeitos colaterais deletérios foram observados em ratos, algo que não ocorreu quando a composto usado foi sintetizado em laboratório (>99,6% de pureza). Portanto, para uso comercial, o ideal é o uso do composto sintético.
Mais estudos clínicos são necessários para atestar a segurança e eficácia da triptonida, incluindo estudos clínicos em humanos. Além disso, caso confirmado que o SPEM1 é o real alvo da triptonida na sua ação contraceptiva, outras moléculas podem ser elaboradas como alternativa para se obter uma maior especificidade e eficácia, especialmente se estiverem associadas com um menor custo de síntese laboratorial.
(1) Publicação do estudo: https://www.nature.com/articles/s41467-021-21517-5