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Cientistas descobrem uma inesperada relação simbiótica similar à função mitocondrial

 
Em um impactante estudo publicado no periódico Nature (1), pesquisadores reportaram e descreveram uma bactéria única que vive dentro de um eucarionte unicelular e fornece ao seu hospedeiro energia. E ao invés do que ocorre com a mitocôndria - uma organela das células eucarióticas que evoluiu há cerca de 2 bilhões de anos a partir de uma antiga bactéria livre -, a relação simbiótica descrita com a nova bactéria deriva energia a partir do metabolismo de nitrato, não de oxigênio. Uma endossimbiose envolvendo troca de energia (ATP) ao invés de nutrientes - permitindo ao hospedeiro eucarioto respirar de forma anaeróbica com um novo substrato energético - até o momento não havia sido descrita. Em outras palavras, esse endossimbionte é quase uma mitocôndria (a "usina de força" do nosso corpo), mas processando compostos nitrogenados ao invés de oxigênio molecular. 


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Vida eucariótica evoluiu há pelo menos 1-1,9 bilhão de anos, após a gradual oxigenação da atmosfera da Terra (processo iniciado há cerca de 2,4 bilhões de anos). A notável diversificação dos eucariontes - organismos muito mais complexos dos que os procariontes (ex.: bactérias) - têm sido atribuída à habilidade desses organismos de produzir enorme quantidade de energia na forma de adenina trifosfato (ATP) a partir da respiração de oxigênio, um abundante aceptor de elétrons de alto potencial (em termos de eletronegatividade). A respiração de oxigênio é realizada na mitocôndria, a qual é uma organela especializada subcelular que emergiu de um organismo procariótico de vida livre através de endossimbiose (provavelmente uma alfaproteobactéria) (!). Durante a evolução no sentido da versão moderna dessa organela, o endossimbionte original acabou ou perdendo grande parte dos seus genes ou transferindo-os ao genoma do do hospedeiro, e ficando apenas com um pequeno subconjunto de genes associados à cadeia de transporte de elétrons e algumas outras funções mitocondriais (!).


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Alguns eucariontes que habitam ambientes anóxicos (deficientes em oxigênio molecular) não possuem mitocôndrias aeróbicas, evoluindo de eucariontes ancestrais com mitocôndrias aeróbicas e ainda retendo vestígios (organelas) mitocondriais altamente reduzidas ou pelo menos contendo genes de origem mitocondrial no genoma nuclear. Ao longo do curso evolucionário, protistas anaeróbicos unicelulares perderam toda a capacidade de gerar ATP via fosforilação oxidativa (com algumas exceções). Ao invés disso, esses eucariontes geram ATP via fermentação através de fosforilação a nível de substrato, associada à formação de gás hidrogênio (H2). Essa reação ocorre no citoplasma ou - mais comumente - em hidrogenossomos. 


Os hidrogenossomos são organelas especializadas, as quais evoluíram de forma independente a partir de mitocôndrias em organismos filogeneticamente distantes. Alguns protistas ciliados que contêm hidrogenossomos também trazem células Archaea (procariontes unicelulares) endossimbióticas metanogênicas que aproveitam o H2 produzido, aumentando o rendimento energético da reação. 


Em contraste com eucariontes estritamente anaeróbicos que exclusivamente fermentam, alguns eucariontes anaeróbicos podem realizar respiração anaeróbica através da redução de nitratos (NO3-) e/ou de nitritos (N02-), e isso inclui alguns fungos.


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No novo estudo, os pesquisadores investigaram o Lago Zug, na Suíça, o qual possui aproximadamente 200 metros de profundidade e é permanentemente estratificado. As águas mais profundas desse lago são permanentemente anóxicas e repletas de nitrato - uma característica de várias águas de água doce e marinhas estratificadas e depletadas de oxigênio. A faixa das camadas anóxicas nesse lago variam entre 40 m e 100 m ao longo de um período de 5 anos (2016-2020). 


Em 2018, oxigênio molecular (O2) não foi detectado abaixo de uma profundidade de 160 metros, e um significativo decréscimo na concentração de óxidos de nitrogênio (NOx) - principalmente nitrato - indicaram contínua desnitrificação nessa região. Nesse período, amostras das águas anóxicas do Lago Zug mostraram alta abundância de eucariotos unicelulares móveis. Uma ampla análise metagenômica dos organismos presentes nessas amostras e subsequente análise laboratorial dos organismos individuais resultaram na descoberta de um peculiar bactéria endossimbiótica anaeróbica do grupo das gammaproteobactérias que recebeu o nome de 'Candidatus Azoamicus ciliaticola', provavelmente representando sua própria ordem dentro do grupo.



O genoma fechado da Ca. A. ciliaticola mostrou-se muito pequeno (292520 bp; bp = pares de bases nitrogenadas), com um conteúdo muito baixo de G (guanina) + C (citocina) (24,4%) e uma alta densidade (94%) de genes codificantes de proteínas (310 genes no total). Essas e outras características genômicas e transcricionais reforçam a natureza endossimbiótica obrigatória dessa bactéria.


Em particular, genes funcionais relacionados à respiração e à produção e conversão energética mostraram-se abundantes no genoma da Ca. A. ciliaticola, incluindo genes para a cadeia de transporte de elétrons geradora de ATP (moeda energética das células), dehidrogenase NADH e sintase ATP. Isso foi a primeira coisa que realmente chamou a atenção dos pesquisadores, já que vários endossimbiontes são marcados por substanciais perdas de genes associados à respiração e à produção de energia. Essa especialização na produção e conversão de energia é uma característica compartilhada com todos os genomas mitocondriais.


No entanto, diferente de uma mitocôndria, genes de respiração aeróbica não foram encontrados na Ca. A. ciliaticola, e, sim, um completo conjunto genético voltado para a desnitrificação respiratória, incluindo os genes para as enzimas reductase nitrato, reductase óxido nítrico e reductase óxido nitroso, e os genes de transportadores de nitrito e de nitrato. Embora muitas bactérias de vida livre são capazes de respiração via desnitrificação, esse é o primeiro organismo endossimbiótico obrigatório que codifica o caminho de desnitrificação até o momento reportado.


Considerando o meio fortemente anóxico onde o eucarionte hospedeiro da Ca. A. ciliaticola se encontra, e a notável especialização energética observada no endossimbionte, os pesquisadores concluíram que a principal função da bactéria endossimbiótica é a produção de ATP para o seu hospedeiro, algo antes não conhecido na natureza. Essa produção anaeróbica extra de ATP complementaria o metabolismo hidrogenossomal que estaria presente no hospedeiro eucarionte (hidrogenossomos ainda não foram conclusivamente confirmados, mas fortemente sugeridos com base em análises transcriptômicas). Em outras palavras, é como se esse endossimbionte fosse uma mitocôndria, mas usando compostos nitrogenados ao invés de oxigênio molecular para a produção energética.


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Nesse sentido, os pesquisadores propuseram o seguinte cenário evolutivo dessa nova relação simbiótica descrita:


- Primeiro, um eucarionte protista unicelular aeróbico teria perdido suas mitocôndrias ao se adaptar a um ambiente pobre em oxigênio (i). Adquirindo capacidade de fermentação, o eucarionte teria retido hidrogenossomos - derivados das mitocôndrias - para a produção de hidrogênio molecular (H2), gás carbônico, ácido acético e energia (ATP) sem a necessidade de oxigênio e a partir de substratos energéticos como ácido pirúvico e ácido malônico.


- Segundo, o ancestral da Ca. A. ciliaticola - esperado de possuir um sistema respiratório híbrido (anaeróbico desnitrificante e aeróbico) - teria entrado no hospedeiro protista com metabolismo hidrogenossomal, seja via endocitose (iia) seja via parasitismo (iib), e então persistido intracelularmente após ter escapado de uma potencial digestão. Dentro do hospedeiro, e já bem estabelecido, o novo endossimbionte teria adquirido o gene tranlocase ADP/ATP através de uma transferência lateral de genes (LGT) caso a relação inicial tenha sido de parasitismo (ex.: a partir de uma alfaproteobactéria co-simbionte na célula hospedeira).


- As persistentes condições anóxicas e de ambiente rico em nitrato teriam resultado na progressiva perda de genes para a respiração aeróbica e permanência dos genes de desnitrificação (com contribuição ou não de deriva genética), dando origem à atual Ca. A. ciliaticola' (iii).  



A nova descoberta traz importantes questões a ser respondidas com estudos futuros. Existem simbioses similares que já existiam há mais tempo e onde o endossimbionte tenha cruzado a fronteira para se tornar uma organela? Se tal simbiose existe para a respiração de nitrato, existe uma similar relação simbiótica para a respiração de outros compostos (aumentando o espectro de aceptores de elétrons disponíveis na natureza)? Como a nova simbiose descrita, a qual parece já existir desde 200-300 milhões de anos, acabou chegando em um lago pós-glacial nos Alpes que se formou há cerca de 10 mil anos? Teria essa relação simbiótica se originado nos oceanos? Qual a sua prevalência no mundo?


(1) Publicação do estudo: https://www.nature.com/articles/s41586-021-03297-6

 

Referência adicional: https://www.mpi-bremen.de/Neue-Form-der-Symbiose-entdeckt.html

Cientistas descobrem uma inesperada relação simbiótica similar à função mitocondrial Cientistas descobrem uma inesperada relação simbiótica similar à função mitocondrial Reviewed by Saber Atualizado on março 08, 2021 Rating: 5

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