Chimpanzés estão sofrendo de lepra na África
Desde 2017, fotos do Parque Nacional Cantanhez na Guineia-Bissau e do Parque Nacional de Taï na Costa do Marfim vinham trazendo registros de vários chimpanzés com graves lesões no rosto. Agora, em um estudo publicado no periódico Nature (1), pesquisadores revelaram que esses primatas (chimpanzés-comuns da subespécie Pan troglodytes verus) estavam, de fato, sofrendo de lepra.
A lepra (ou hanseníase) é uma doença tropical negligenciada causada pela infecção ou com a bactéria Mycobacterium leprae (causa tradicional) ou com a mais recentemente descoberta M. lepromatosis. Em humanos a doença se apresenta como um contínuo de manifestações clínicas com lesões na pele e em nervos de crescente severidade. Sintomas se desenvolvem após um longo período de incubação, variando de vários meses até 30 anos, com uma média de 5 anos em humanos. Como resultado da perda sensorial, a lepra pode levar a danos permanentes e severa deformidade. Enquanto a prevalência da doença caiu dramaticamente nas últimas décadas, aproximadamente 210 mil novos casos são ainda reportados todos os anos, dos quais 2,3% estão localizados no Oeste Africano. A transmissão é pensada de ocorrer primariamente entre indivíduos com prolongado contato próximo via secreções aerosolisadas e entrada via mucosas nasais ou respiratórias, mas o exato mecanismo ainda não é bem esclarecido. Existe também possíveis outras rotas de transmissão, como contato pele-com-pele.
No passado, a lepra afetava gravemente milhões de pessoas ao redor do mundo, se tornando inclusive um importante 'personagem' histórico. Porém, na década de 1980, terapias a base de antibióticos conseguiram com sucesso tratar a doença entre aqueles infectados.
Por muito tempo pensou-se que as bactérias causadoras da lepra tinham humanos como hospedeiros obrigatórios. Porém, nas últimas duas décadas cientistas revelaram que esses patógenos também estavam circulando em tatus-galinhas (Dasypus novemcinctus) nas Américas e em esquilos-vermelhos (Sciurus vulgaris) - apesar desses animais não desenvolverem a doença -, carregando assinatura genética de transmissão a partir de humanos. Por outro lado, certas espécies de primatas fora do ambiente selvagem e em contato próximo com humanos também podem desenvolver espontaneamente a doença, como os chimpanzés, Cercocebus atys e Macaca fascicularis. Até o momento, no entanto, não se sabia se esses primatas poderiam desenvolver a doença em meio selvagem.
No novo estudo, através de observações feitas no habitat natural de chimpanzés no Oeste Africano entre 2015 e 2019 e análises laboratoriais (PCR e sequenciamento genômico) de amostras fecais, pesquisadores confirmaram que esses primatas estão sendo infectados pela bactéria M. leprae e desenvolvendo lepra em meio selvagem. Eles reportaram que todos os chimpanzés sintomáticos mostraram perda de cabelo e hipopigmentação facial, assim como placas e nódulos cobrindo diferentes áreas corporais (membros, tronco e genitália), desfiguração facial, e mãos ulceradas e deformadas, consistente com a forma multibacilar da doença. Observações longitudinais mostraram progressão dos sintomas ao longo do tempo, com certas manifestações patológicas similares àquelas descritas em humanos.
Os pesquisadores também encontram que os genótipos das cepas de M. leprae infectando os chimpanzés - chamados de 4N/O e 2F - são bem raros entre os humanos, tornando uma recente transmissão humano-para-chimpanzé improvável. As linhagens levando a essas cepas nos chimpanzés são relativamente antigas (1,5-2 mil anos atrás), o que levanta a possibilidade de uma antiga transmissão humano-para-chimpanzé. Porém, os pesquisadores argumentaram que essa hipótese é também improvável por três razões: a densidade populacional dos humanos dentro do habitat natural dos chimpanzés no Oeste Africano nessa época era muito mais baixa do que a atual - a qual já é bem baixa; dois eventos de transmissão da doença seriam requeridos, já que as cepas em questão possuem origens evolucionárias distintas e geograficamente independentes; e, por fim, se a transmissão humano-para-chimpanzé ocorreu há milhares de ano, deveríamos ver bem mais casos hoje de chimpanzés infectados do que o observado no estudo.
Nesse sentido, os pesquisadores defenderam a hipótese de que provavelmente existe um ou mais reservatórios naturais primordiais dessa bactéria, não apenas humanos. Chimpanzés ocasionalmente consomem mamíferos no meio selvagem (ex.: roedores), os quais podem ser suscetíveis à infecção assim como os tatus-galinhas e os esquilos-vermelhos. Dados experimentais também mostram que a bactéria M. leprae consegue se multiplicar em amebas, artrópodes e em carrapatos, e mesmo persistir no solo. Portanto, hospedeiros intermediários ou mesmo fontes ambientais podem ser a origem da lepra não apenas nos chimpanzés como também em humanos.
Na Lista Vermelha da IUCN, os chimpanzés-comuns (Pan troglodytes) são considerados animais em perigo de extinção. De acordo com os pesquisadores, por enquanto a doença não parece estar colocando grupos inteiros de chimpanzés em risco no meio selvagem, porém a doença é uma ameaça adicional que se soma à caça, perda de habitat e outras doenças.
(1) Publicação do estudo: https://www.nature.com/articles/s41586-021-03968-4